quarta-feira, 31 de julho de 2013

Ecos das manifestações

A presidenta Dilma Rousseff deu início aos investimentos do "pacto pela mobilidade urbana", anunciado após os protestos de junho, em São Paulo. Anunciou também a intenção do governo de iniciar um processo de discussão das planilhas de cálculo das tarifas do transporte público. Alguns trechos do discurso:

"Talvez, junto com as redes sociais, uma das coisas e dos fenômenos mais importantes que vai caracterizar o século XXI é o surgimento de megacidades. E nós estamos aqui em uma megacidade, São Paulo é uma megacidade.

São Paulo é, sem dúvida nenhuma, uma das megacidades, talvez a megacidade mais significativa, importante e desafiadora dessa parte do hemisfério. É uma cidade grandiosa. É grandiosa no tamanho da população, na capacidade de produzir riqueza, mas é também grandiosa na diversidade dos problemas que coloca. É grandiosa pelo fato de aqui se agregam expressões culturais diversas, se agregam fenômenos diversos, e também ela é grandiosa pela capacidade de trabalho e pelo empreendedorismo da população. Sem sombra de dúvida ela é recortada por desigualdades, e por isso, os desafios que São Paulo impõe àqueles que governam essa cidade também são extraordinários.

Eu vim aqui hoje, como disse o ministro das Cidades - e aqui a gente tem a mania de repetir, ele fala e eu torno a repetir – eu vim anunciar mais uma contribuição do governo federal ao enfrentamento desses grandes problemas. Hoje nós estamos anunciando R$ 8 bilhões. R$ 8 bilhões, na verdade, divididos em três áreas: na área de mobilidade urbana serão R$ 3 bilhões; na área de drenagem, R$ 1,4 bilhões; na área de recuperação de mananciais ou das águas que abastecem a cidade de São Paulo, basicamente dos mananciais de Billings e Guarapiranga, em torno de R$ 2,2 bilhões.

E, para que essas obras possam ser feitas sem que a população sofra as consequências, percam suas moradias, nós estamos colocando R$ 1,5 bilhão em moradias do Minha Casa, Minha Vida para 20 mil famílias. Esse cuidado é essencial. Eu considero que viabilizar moradias dignas e de qualidade para a população é um elemento que distingue obras sustentáveis de obras não sustentáveis. E fazem com que nós tenhamos certeza que fazendo essas obras, estaremos contribuindo para que haja uma efetiva melhoria nas condições de vida da população.

Nós, nas obras de mobilidade, iremos fazer 99 quilômetros de corredores de ônibus na cidade – 99 quilômetros de corredores. A informação que eu tenho, eu não sei se ela é correta, é que hoje tem em torno de 160 quilômetros de corredores... 126? São muitos significativos os 99 quilômetros. E acredito que esses corredores vão permitir uma intervenção em zonas essenciais. Na Zona Leste – eu já morei na Radial Leste, então eu sempre cito a Radial Leste, até porque é muito significativo o volume de recursos para a Radial Leste – na região da avenida Berrini, no complexo de M’Boi Mirim, na região da avenida Belmira Marin.

Eu queria dizer a vocês que não é a primeira vez que eu venho aqui a São Paulo anunciar obras. Mas é a primeira vez que nós anunciamos de forma concentrada, R$8 bilhões, e anunciamos a viabilidade dessas obras começarem a ocorrer no curto prazo. O que de fato, como falou o prefeito, é algo muito importante para a população.

Nós, desde o início do governo, aqui em São Paulo, em parceria com o governo federal, o governo estadual e a prefeitura, nós, nessas três áreas - mobilidade, drenagem e obras de mananciais – nós investimos R$ 26 bilhões em obras diversas, em obras espalhadas pela cidade.

O' Children



terça-feira, 30 de julho de 2013

If you´re feeling sinister...



"Hilary went to the Catholic Church because she wanted information

The vicar, or whatever, took her to one side and gave her confirmation

Saint Theresa's calling her, the church up on the hill is looking lovely

But it doesn't interest, the only things she wants to know is

How and why and when and where to go

How and why and when and where to follow"


segunda-feira, 29 de julho de 2013

Tabu II




















Tabu


O simulacro do aplauso e da vaia

Sobre a afirmação de que haveria um desgaste, por parte do governo brasileiro, com o Mercado, devido a questões fiscais, escrevi o seguinte:

Acho importante haver o cuidado para não confundir o simulacro com o conteúdo. O desgaste com o Mercado não tem a ver com falta de clareza das ações de governo. Muitos empresários foram os porta vozes desse desgaste, dando prova de justificativas preocupadas, antes de tudo, com a manutenção do privilégio. Essas lideranças empresariais (engraçado pensar que no Brasil temos aquele tipo de liderança empresarial que não produz um saquinho de pipoca, vive do rendimento de ações e, ainda assim oferece consultoria para formar novas lideranças e ambiciona influir sobre a opinião pública) foram os porta vozes, através de entrevistas, editoriais, artigos, análises para imprensa escrita e televisionada sobre a frente de batalha que Dilma abriu no caso dos novos contratos de energia elétrica. Não há meio termo neste caso: a razão defendida por Dilma, de fato, foi justa, ou seja, tratava-se de retirar do consumo o ônus da amortização que já havia caducado. Os empresários e acionistas queriam a manutenção de um privilégio.

De forma absolutamente comprometida com este privilégio, a imprensa nacional fez valer somente este lado da história: tratou de dar publicidade a essa versão. Repetiu a ladainha sobre desrespeito aos contratos, sobre um "duro golpe" na confiança dos investidores, na quebra de expectativas, enfim. Na prática, esse discurso estava na linha de frente dessa batalha: estavam defendendo não só a manutenção de um ônus já quitado, mas sua outra face: o lucro abusivo das empresas, o rendimento elevado dos acionistas. Tudo isso em nome do simulacro da "confiança do Mercado". Os governadores do PSDB tiveram papel totalmente contrário ao interesse público: mostraram uma solidariedade canina aos empresários, mesmo diante da injustiça da exigência deles.

Muito tem-se questionado o isolamento do governo, a centralização de Dilma. Mas nesse caso o isolamento não foi um ato de vontade. Mesmo diante da campanha agressiva que o governo sofreu por comprar esta briga, quem se aliou a Dilma, quem colaborou para esclarecer a população sobre aquilo lhe era de direito e o Mercado não queria permitir que se realizasse? A tal "opinião pública midiática" até inventou um apagão, como todos nos lembramos.

Mas a opinião pública verdadeira também não é assim tão consistente quanto gostaríamos. Fez o papel de platéia de show de calouros. Aplaudiu o governo somente quando a batalha sobre a questão da tarifa da energia elétrica já havia sido vencida, às custas de uma campanha feroz contra Dilma. Mas no mês seguinte essa mesma opinião pública estava caindo na vaia do show promovido pelo preço do tomate. Critique-se a mídia, pois há muito o que se criticar. Mas há que se reconhecer que a opinião pública não é algo consistente. A parcela da opinião que, de uma hora para outra, passa a avaliar como regular ou péssimo o governo que até ontem avaliavam como ótimo, só pode ser considerada uma opinião precária e mal formada. É o simulacro do aplauso e da vaia.

Cenário e acessório da semana

Sugestão para Tim Burton:




domingo, 28 de julho de 2013

Índios e ruralistas em disputa política

Diversos projetos em tramitação no Congresso tentam alterar as regras de demarcação e de exploração econômica das reservas indígenas. Mas só há acordo sobre o ressarcimento dos produtores
Étore Medeiros, do Correio Braziliense

No dia 10 de julho, a presidente Dilma Rousseff recebeu pela primeira vez lideranças indígenas no Palácio do Planalto, mantendo uma tradição de encontros entre índios e presidentes pós-regime militar. Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, a Comissão de Agricultura aprovava o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 227, que trata dos direitos dessa população. Por pouco, o projeto quase seguiu diretamente para o plenário, sem passar por outras comissões, em uma manobra que contou com a participação de líderes partidários da base do governo, que assinaram o requerimento para a tramitação em regime de urgência. Traídas, as lideranças indígenas consideraram a articulação como mais um capítulo de uma ação orquestrada, contínua e planejada dentro do Congresso Nacional. “Como é que o movimento indígena estava sentado com a presidente, e era aprovado, naquele momento, com apoio total da base do governo federal, essa lei que fere os direitos dos índios?”, questiona Lindomar Terena, de 38 anos, uma das lideranças da Terra Cachoeirinha, em Miranda (MS).

Desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, diversos projetos já tentaram definir regras para a demarcação de terras indígenas ou a exploração econômica dessas áreas (veja quadro). Em carta aberta publicada na última segunda-feira, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, que reúne 89 associações da Região Amazônica, elencou 49 iniciativas parlamentares, de 13 partidos, que atentam contra direitos garantidos aos índios pela Carta Magna. O mais antigo dos projetos, de 1990, tentava regulamentar a mineração em terras indígenas.

O caso mais recente de divergências entre os dois mundos, antes do PLC 227, foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº215, que transfere o poder de demarcação de terras indígenas do Executivo para o Congresso Nacional. Caciques e entidades de defesa dos direitos dos índios reagiram ao projeto invadindo o plenário da Câmara, em abril.

“Volta e meia, abre-se uma temporada de caça aos direitos indígenas. Em geral, elas ocorrem quando se tem algum grande conflito na ordem do dia. O foco está em Mato Grosso do Sul, principalmente. É por aí que está se dando essa reação mais direta de parte da bancada ruralista”, analisa Márcio Santilli, diretor do Instituto Socioambiental e vice-presidente da Funai entre 1995 e 1996. O estado citado por Santilli lidera a lista de homicídios de índios no Brasil na última década, com 317 assassinatos, contra 247 em todo o resto do país.



Conflitos reacesos
Em 30 de maio, o caso mais recente: a morte do terena Oziel Gabriel, durante uma o cumprimento de uma decisão judicial de reintegração de posse de uma fazenda, em Sidrolândia (MS). “Para anular o conflito, não adianta querer paralisar as demarcações, muito menos mudar as regras do jogo. A tendência, se o PLC nº227 for aprovado, é reacender conflitos que já foram superados e manter insolúveis os conflitos atuais, que exigem uma solução”, lamenta Santilli, que prevê uma disputa no Supremo Tribunal Federal, caso a aprovação do texto se confirme.

Ante as críticas ao projeto, o relator, deputado federal Moreira Mendes (PSD-RO), um dos 228 membros da Frente Parlamentar da Agropecuária, diz que o cenário é de conflito declarado “em praticamente todos os estados brasileiros”, mas culpa outros agentes. “Há um descontrole por parte da Funai, de algumas ONGs, que têm uma voracidade sem tamanho de criar terras indígenas e de ampliar as já existentes. Querem criar terra indígena onde não tem uma árvore plantada”, rebate.

O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto, argumenta que o PLC nº227 tenta incluir interesses privados como sendo de “relevante interesse público da União”, sob o pretexto de regulamentar o artigo 231 da Constituição. “Isso é uma evidente afronta não só ao direito dos povos indígenas, mas da União. As terras indígenas, quando reconhecidas, são bens e propriedade da União. Com o projeto, querem transformá-las em bens privados”, acusa.

Para Buzatto, o PLC é apenas um exemplo de uma grande articulação entre ruralistas e Poder Executivo Federal. “O que vemos é um processo muito articulado de ataque a esses direitos, que pode resultar num retrocesso que remonta à década de 1970, quando os índios eram perseguidos e o governo tinha como plano integrá-los ao país”, lamenta.

Em 17 de julho, após uma reunião entre o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), lideranças indígenas e parlamentares, o requerimento de urgência para a tramitação do PLP, proposto pela bancada ruralista, naufragou. Depois da intervenção de deputados do PV e do PSol, o projeto deverá ser discutido em uma comissão especial, com prazo e composição ainda não definidos. Enquanto isso, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, prometeu publicar, no início de agosto, uma portaria com novas regras para os processos de demarcação. A medida está em discussão entre a Casa Civil, a Advocacia-Geral da União e a Funai.

“Há um descontrole por parte da Funai e de algumas ONGs, que têm uma voracidade sem tamanho de criar terras indígenas e ampliar as já existentes. Querem criar terra indígena onde não tem uma árvore plantada”
Moreira Mendes (PSD-RO), deputado federal


Na fila para votação
Projetos de lei que tratam da demarcação de terras indígenas e da possibilidade de exploração econômica


PLP 227/12 (PSD)
Define o que são as áreas de “relevante interesse público”, onde não pode haver áreas indígenas

 PEC 237/2013 (PR)
Permite o arrendamento de terras indígenas a produtores rurais, hoje vedada por lei

 PL 1610/96 (PMDB)
Regulariza a exploração de minérios em terras indígenas, hoje proibida pela Constituição

PEC 215/00 (PPB)
Transfere os poderes de demarcação de terras indígenas do Executivo para o Congresso Nacional.


“Volta e meia, abre-se uma temporada de caça aos direitos indígenas. Em geral, elas ocorrem quando se tem algum grande conflito na ordem do dia. O foco está em Mato Grosso do Sul, principalmente”
Márcio Santilli, diretor do Instituto Socioambiental e ex-presidente da Funai

Entrevista de Dilma Rousseff à Folha de São Paulo

Entrevista da presidenta Dilma publicada em duas partes pela Folha de São Paulo:
'Lula não vai voltar porque ele não saiu', afirma Dilma

Presidente diz que comparações com o seu antecessor não a incomodam
Evitando comentar queda na popularidade, petista prefere brincar: 'Tudo o que sobe desce, e tudo o que desce sobe'
MÔNICA BERGAMO COLUNISTA DA FOLHA

O encontro da presidente Dilma Rousseff com a Folha, na sexta, no Palácio do Planalto, começou tenso. "Minha querida, você tem que desligar o ar-condicionado", dizia ela a uma assessora.

Com febre e faringite, medicada com antibiótico, corticóide e Tylenol, e com "o estômago lascado", ela estava também rouca. Em pouco tempo, relaxou. E passou quase três horas falando sobre manifestações, inflação, PIB e a possibilidade de Lula ser candidato a presidente. Leia abaixo os principais trechos:



Folha - As manifestações deixaram jornalistas, sociólogos e governantes perplexos. E a senhora, ficou espantada?
Dilma Rousseff - No discurso que fiz na comemoração dos dez anos do PT, em SP em maio, eu já dizia que ninguém, ninguém, quando conquista direitos, quer voltar para trás. Democracia gera desejo de mais democracia. Inclusão social exige mais inclusão. Quando a gente, nesses dez anos de governo do PT, cria condições para milhões de brasileiros ascenderem, eles vão exigir mais. Tivemos uma inclusão quantitativa. Esta aceleração não se deu na qualidade dos serviços públicos. Agora temos de responder também aceleradamente a essas questões.

Mas a senhora não ficou assustada com os protestos?
Não. Como as coisas aconteceram de forma muito rápida, eu acho que todo mundo teve inicialmente uma reação emocional muito forte com a violência [policial], principalmente com a imagem daquela jornalista da Folha Giuliana Vallone com o olho furado [por uma bala de borracha]. Foi chocante. Eu tenho neurose com olho. Já aguentei várias coisas na vida. Não sei se aguentaria a cegueira.

Se não fosse presidente, teria ido numa passeata?
Com 65 anos, eu não iria [risos]. Fui a muita passeata, até os 30, 40 anos. Depois disso, você olha o mundo de outro jeito. Sabe que manifestações são muito importantes, mas cada um dá a sua contribuição onde é mais capaz. 

O prefeito Fernando Haddad diz que, conhecendo o perfil conservador do Brasil, muitos se preocupam com o rumo que tudo pode tomar.
Eu não acho que o Brasil tem perfil conservador. O povo é lúcido e faz as mudanças de forma constante e cautelosa. Tem um lado de avanço e um lado de conservação. Já me deram o seguinte exemplo: é como um elefante, que vai levantando uma perna de cada vez [risos]. Mas é uma pernona que vai e "poing", coloca lá na frente. Aí levanta a outra. Não galopa como um cavalo. Aí uma pessoa disse: "É, mas tem hora em que ele vira um urso bailarino". Você pode achar que contém a mudança em limites conservadores. Não é verdade. Tem hora em que o povo brasileiro aposta. E aposta pesado.

A senhora teve uma queda grande nas pesquisas.
Não comento pesquisa. Nem quando sobe nem quando desce puxa a pálpebra inferior com o dedo. Eu presto atenção. E sei perfeitamente que tudo o que sobe desce, e tudo o que desce sobe.

Mas isso fez ressurgir o movimento "Volta, Lula" em 2014.
Querida, olha, vou te falar uma coisa: eu e o Lula somos indissociáveis. Então esse tipo de coisa, entre nós, não gruda, não cola. Agora, falar volta Lula e tal... Eu acho que o Lula não vai voltar porque ele não foi. Ele não saiu. Ele disse outro dia: "Vou morrer fazendo política. Podem fazer o que quiser. Vou estar velhinho e fazendo política".

Para a Presidência ele não volta nunca mais?
Isso eu não sei, querida. Isso eu não sei.

Ao menos não em 2014.
Esses problemas de sucessão, eu não discuto. Quem não é presidente é que tem que ficar discutindo isso. Agora, eu sou presidente, vou discutir? Eu, não.

Mas o Lula lançou a senhora.
Ele pode lançar, uai.

O fato de usarem o Lula para criticá-la não a incomoda?
Querida, não me incomoda nem um pouquinho. Eu tenho uma relação com o Lula que tá por cima de todas essas pessoas. Não passa por elas, entendeu? Eu tô misturada com o governo dele total. Nós ficamos juntos todos os santos dias, do dia 21 de junho de 2005 quando ela assumiu a Casa Civil até ele sair do governo. Temos uma relação de compreensão imediata sobre uma porção de coisas.

Mas ele teria criticado suas reações às manifestações.
Minha querida, ele vivia me criticando. Isso não é novo riso. E eu criticava ele. Quer dizer, ele era presidente. Eu não criticava. Eu me queixava, lamentava risos.


Como a senhora vê um empresário como Emílio Odebrecht falar que quer que o Lula volte com Eduardo Campos de vice?
Uai, ótimo para ele. Vivemos numa democracia. Se ele disse isso, é porque ele quer isso.

Presidente diz que medida não geraria economia, afirma que Mantega ficará na Fazenda e vê inflação sob controle
Petista defende regulação do 'negócio' das comunicações e nega bloquear diálogo com empresariado
DA COLUNISTA DA FOLHA


Apesar da pressão pública e até de aliados, a presidente Dilma Rousseff diz que não cogita reduzir o número de ministérios. Diz que já tomou todas as medidas para diminuir custos do governo, afirma que o desemprego subiu na "margem da margem da margem", nega que tenha relaxado no controle da inflação e diz que não pretende mudar a equipe econômica: "O [ministro] Guido [Mantega] está onde sempre esteve: no Ministério da Fazenda".

Ela defende também o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, criticado até no PT por supostamente defender as empresas de telecomunicações e interditar discussões sobre eventual regulação do setor de radiodifusão. "A regulação em algum momento terá de ser feita", afirma a presidente.

Folha - O PMDB engrossou o coro dos que defendem o enxugamento de ministérios.

Dilma Rousseff - Não estou cogitando isso. Não acho que reduza custos. As medidas de redução de custeio, nós tomamos. Todas. E sabe o que acontece? Vão querer cortar os de Direitos Humanos, Igualdade Racial, Política para as Mulheres. São pastas sem a máquina de outros. Mas são fundamentais. Política de cotas

Faltou inteligência ou faltou seriedade no jornalismo?

Reportagens do jornal O Globo e do Viomundo sobre militante presa em protesto no Rio de Janeiro e o marido, agente da ABIN, que acusa a arbitrariedade da polícia e a versão do jornal.

Agente da Abin e mulher são presos participando de quebra-quebra no Leblon

Presos pela Polícia Militar sem documentos na madrugada de 18 de julho no Leblon, palco de uma das mais violentas manifestações do Rio, perto da residência do governador Sérgio Cabral, o casal de geógrafos Igor Pouchain Matela e Carla Hirt foram levados à 14ª DP, no bairro. Carla foi detida no momento em que supostamente atirava pedras na vidraça de uma loja, e Igor, por ter desacatado os PMs que a prenderam. O caso seria mais um dos que marcam os bastidores dos protestos na cidade, não fosse por um detalhe: segundo os policiais de plantão naquele dia, os dois se apresentaram como agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e agora são tratados como suspeitos de estarem ali trabalhando infiltrados. A Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo (CEIV) e a Polícia Civil estão investigando o caso.

A Polícia Civil confirmou ao GLOBO que Igor e Carla se apresentaram como agentes da Abin ao chegarem à delegacia. Também informou que, de acordo com o relato do delegado titular da 14ª DP, Rodolfo Waldeck, Carla foi presa em flagrante por formação de quadrilha, e Igor, por desacato a um PM. Na delegacia, Igor também teria desacatado a delegada Flávia Monteiro, responsável pelo plantão no dia. Carla foi autuada por formação de quadrilha e liberada após pagamento de fiança. Igor, por crime de desacato. Os dois não foram localizados para comentar a denúncia.

Segundo nota da Polícia Civil, a CEIV - criada depois dos atos de vandalismo durante os protestos - vai "investigar a informação de que o casal preso na manifestação do dia 18 de julho no Leblon seria integrante da Abin".

Agência nega ter agentes infiltrados

A Abin negou manter agentes infiltrados nas manifestações do Rio. Em nota, garantiu "desconhecer a prisão ou a autuação de servidor de seu quadro em 18 de julho ou nos dias subsequentes na cidade do Rio" e explicou que "o sigilo dos nomes dos integrantes da Abin é garantido pela lei 9.883, de dezembro de 1999, sendo, portanto, vedada a sua publicação, inclusive em atos oficiais". No Diário Oficial da União, de 2008, Igor aparece entre os nomeados para atuar junto ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, ao qual a Abin está subordinada.

O caso de Igor e Carla acontece num momento delicado, em que vem à tona a participação de policiais fluminenses infiltrados em manifestações. Esta semana, o Ministério Público estadual anunciou que passou a investigar vídeos divulgados nas redes sociais, em que policiais do serviço reservado (P-2) da PM do Rio aparecem supostamente infiltrados no protesto em Laranjeiras, na noite de segunda-feira, durante a recepção ao Papa Francisco. No mesmo dia, a PM reconheceu o uso do expediente, informando que os policiais agem filmando, coletando provas e fazendo prisões.

Infiltrar agentes é prática reconhecida internacionalmente nos meios policiais de inteligência, mas os especialistas alertam que há limites: o agente infiltrado deve se limitar a observar, coletar informações e transmiti-las. Mas eles não podem se envolver em crimes - há denúncias de manifestantes de que PMs estariam incitando e até praticando atos violentos.

- Na ausência de disciplina legal específica, os limites da ação de inteligência são os parâmetros gerais, constitucionais e legais dos agentes estatais - disse um especialista, que preferiu o anonimato.

Ainda segundo ele, essa premissa tem sua validade confirmada na Lei n. 9.034/95, que trata dos meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Em seu art. 2, inciso V, a lei prevê a infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituídas pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial.

- Falando em tese eu diria: mesmo para a infiltração estrutural, é preciso autorização judicial que preveja os limites genéricos da operação. Na lei atual, embora não esteja prevista a possibilidade da prática de crimes pelos agentes infiltrados, entende-se na doutrina ser admissível quando se tratar de prática necessária e imprescindível para a garantia da infiltração, o que envolve obter a confiança do grupo, e o crime a praticar for menor do que o investigado.

Carla Hirt: Baleada, agredida e acusada de formar quadrilha, militante diz que foi difamada pela mídia e teme represálias

publicado em 26 de julho de 2013 às 23:29

por Luiz Carlos Azenha, do Viomundo

Desde a noite do dia 17 de julho a geógrafa Carla Hirt, integrante do Comitê Popular Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro, vem vivendo um pesadelo.

Primeiro, foi atingida por dois tiros de balas de borracha durante manifestação na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Depois, foi presa sob acusação de formação de quadrilha, apesar de desconhecer totalmente aqueles que foram presos junto com ela — supostamente integrantes da mesma quadrilha.

Em seguida, Carla foi autuada como se tivesse sido presa na rua Visconde de Pirajá, onde de fato aconteceram atos de vandalismo — quando, assegura, foi presa na rua Redentor, 294, diante de um prédio intacto, de fachada de vidro, onde ela e outros manifestantes se abrigaram justamente para evitar os tiros da polícia.

Finalmente, no dia 25, o jornal O Globo publicou uma reportagem ilustrada por uma foto que sugere que Carla e o marido dela, Igor, agente da ABIN – Agência Brasileira de Inteligência — teriam sido flagrados em atos de vandalismo.

Leiam a legenda.

Nem Carla, nem o marido aparecem na foto acima.

Ela não foi presa atirando pedras.

O marido nunca foi preso, nem nas ruas, nem na delegacia.

Igor foi à delegacia para socorrer Carla, que havia telefonado para relatar que tinha sido ferida por uma bala de borracha e estava a caminho da delegacia, presa.

O Globo fez mais: sugeriu no título que Carla e o marido foram presos “participando de quebra-quebra”.

A notícia de O Globo foi replicada nas redes sociais e por outros meios.

O jornal voltou ao assunto em outro texto, no qual destacou que a ABIN faria uma investigação do caso.

Porém, a própria nota oficial da ABIN desmentia o jornal.

Primeiro, deixou claro que Carla não pertence aos quadros da agência.

Depois, informou que o marido dela não estava infiltrado na manifestação.

Finalmente, que Igor passava férias no Rio de Janeiro.

Na edição impressa, o diário direitista anunciou: “Vândalo chapa-branca: Agente da Abin foi preso em protesto“. E fez trocadilho: "Faltou inteligência".

*****

Igor Matela, o marido de Carla, escreveu um texto rebatendo o jornal.

Enviou por e-mail a O Globo:

“Hoje fui surpreendido por uma reportagem da editoria Rio do jornal O Globo que relata que eu e minha esposa, Carla Hirt, teríamos sido presos por ações de vandalismo no dia 17/07 na sequencia do protesto em frente à casa do governador Sérgio Cabral. Além disso, a reportagem afirma que eu e minha esposa teríamos nos identificado como agentes da Abin, insinuando que estávamos infiltrados e com outras intenções que não a livre manifestação política.

Gostaria de informar que tal reportagem é difamatória, não nos ouviu e publicou informações erradas que poderiam ser facilmente checadas na própria 14 DP. Carla é professora e atualmente doutoranda no IPPUR/UFRJ. Foi presa de forma arbitrária, agredida, baleada, acusada de formação de quadrilha junto com outros rapazes que ela sequer conhece. A denúncia é tão absurda que o Ministério Público indicou que não irá levar adiante, uma vez que a polícia não conseguiu provas do crime.

No meu caso, é verdade que trabalho na Abin. Passei num concurso público e sou um servidor federal como qualquer outro, submetido à lei 8.112. Tenho garantido minha livre manifestação política. Neste dia, não fui preso. Quando Carla estava sendo abordada e já tinha sido ferida, conseguiu me ligar.

Ouvi pelo telefone que estava sendo agredida e levada para a delegacia. Corri para a DP e cheguei lá uns 30 minutos depois indignado, perguntando pela minha esposa e questionando o abuso de autoridade da PM. Injustamente fui acusado por desacato, numa situação que nada teve a ver com atos de vandalismo. Me identifiquei com minha carteira de motorista e disse, quando a delegada que questionou, que trabalhava na Abin. Em nenhum momento tentei usar isso para o que quer que seja, pois se fosse assim teria sido autuado por abuso de autoridade ou então teria sido liberado.

Tudo isso está nos registros de ocorrência da delegacia.

Esta história conspiratória está me causando muitos prejuízos. Está ferindo minha honra e de minha esposa, me colocando em risco por me associar com policiais infiltrados e está me trazendo problemas no trabalho, onde posso sofrer um processo disciplinar.

Se quiserem ter referências sobre mim e sobre a Carla, sobre nosso efetivo e honesto engajamento político, podem perguntar a várias pessoas: professores do IPPUR/UFRJ (onde eu também curso mestrado), com o vereador Eliomar Coelho que conhece bem a Carla, Comitê Popular da Copa e Olimpíadas, Justiça Global, etc.

Gostaria de pedir que esta reportagem fosse retirada do site do jornal, pois nossos nomes completos estão sendo expostos, causando um prejuízo incomensurável para nós. Já estamos desmentindo a reportagem nas redes sociais, recebendo muita solidariedade de todos. Mas gostaria que os senhores também fizessem uma retratação.

Ciente de sua compreensão,
Atenciosamente,

Igor P. Matela“.

O poder em tempo de Facebook

O curioso artigo de Fernando Henrique Cardoso publicado no Estadão, um mês antes (5/5/2013) dos protestos brasileiros:

Fernando Henrique Cardoso*
Eu já estava me preparando para apelar aos brasileiros e brasileiras a fim de assinarmos um texto enérgico exigindo ação do Conselho de Segurança na Ásia, punição exemplar para o terrorismo islâmico e até um armistício na guerra dos Poderes entre nós. Vendo e ouvindo o noticiário da semana passada, entretanto, tive a impressão (ou a ilusão) de que o risco da guerra atômica que a Coreia do Norte iria desencadear está afastado. O atentado em Boston foi coisa de americano naturalizado, e não de terrorista da Al-Qaeda. E o choque inevitável entre o Congresso e o STF terminou em abraços. Dei marcha atrás. Pude ler calmamente dois livros interessantes.

O primeiro foi o de Manuel Castells Redes de Indignación y Esperanza. Com precisão, vivacidade e enorme quantidade de informações, Castells passa em revista o que aconteceu na Islândia, em Túnis, no Egito, na Espanha (o movimento dos "Indignados") e nos Estados Unidos, onde o movimento pela ocupação de espaços públicos (Occupy) teve certo vulto. Por trás desses protestos está o cidadão comum informado e conectado pelas "redes sociais" e por toda sorte de modernas tecnologias de informação. Havendo um clima psicossocial que as leve à ação e algum fator desencadeante, as pessoas podem sair do isolamento para se manifestar. Dependendo do fator desencadeante (desemprego, autocracia e imolação de alguém como forma de protesto, em certos casos, ou perda de emprego e de esperança, em outros), pessoas mobilizam-se, juntam-se em grupos ou multidões e contestam o poder.

Como e por que o fazem? Para que as ações ocorram não bastam as tecnologias. É preciso uma chispa de indignação a partir de um ato concreto de alguém (ou de alguns). Mais importante do que a origem do protesto, entretanto, é a forma como ele se manifesta e se propaga. A imagem é central para permitir um contágio rápido, por sites como o YouTube ou o Facebook.

A chispa, entretanto, só ateia fogo e produz reações quando se junta profunda desconfiança das instituições políticas com deterioração das condições materiais de vida. A isso se soma frequentemente o sentimento de injustiça (com a desigualdade social, por exemplo, ou com a corrupção diante do descaso dos que mandam), que provoca um sentimento de ira, de indignação, geralmente proveniente de uma situação de medo que dá lugar a seu oposto, a ousadia. Passa-se, assim, do medo à esperança.

Esses protestos têm em comum dispensar líderes, manifestar-se pela ocupação de um espaço público, enfatizar a unidade do movimento e a autonomia dos atores. Costumam ser autorreflexivos e pouco programáticos. "Portanto, são movimentos sociais com o objetivo de mudar os valores da sociedade"; podem ter consequências eleitorais, mas não pretendem "mudar o Estado, nem se apoderar dele". Eles propõem uma nova utopia, a da autonomia das pessoas diante das instituições. Nem por isso, entretanto, diz Castells, são opostos à democracia representativa. Apenas denunciam suas práticas tal como se dão hoje, com perda de legitimidade. A influência desses movimentos sobre a política é limitada (depende da abertura das instituições às negociações com os movimentos), mas eles expressam a "negação à legitimidade da classe política e a denúncia de sua submissão às elites financeiras".

O outro livro que li, The End of Power, escrito por Moisés Naim, também trata do poder contemporâneo e das formas de sua contestação. Naim ressalta o gigantismo do poder - o big state, as grandes organizações econômicas internacionais, etc. - e, simultaneamente, mostra que surgiram formas de micropoder capazes de minar as estruturas tradicionais de poder, as grandes organizações do Estado (Congressos, partidos, Forças Armadas). Uns vetam os outros e, ademais, a autonomia dos indivíduos e sua constante busca por espaço enfraquecem a capacidade do poder de se efetivar.

Assim como Castells, Naim reconhece a importância dos movimentos contestatórios contemporâneos e sabe que a perda de legitimidade dos que mandam está na origem das revoltas contra as democracias representativas. Com uma diferença: Naim aposta no reencontro entre o protesto explosivo - "apolítico", no sentido de ser indiferente à reconstrução do Estado e das instituições - com a renovação dos partidos e das instituições. Não perdeu a esperança no restabelecimento de elos entre a autonomia do indivíduo e a representação política nas instituições, inclusive nos partidos.

Castells tampouco menospreza o diálogo dos movimentos sociais com os líderes e movimentos institucionais reformistas. Tem, todavia, maiores esperanças na mudança dos valores da sociedade pela pressão dos movimentos do que numa mudança institucional forçada por eles. A mudança cultural torna-se, para Castells, condição para as mudanças políticas, enquanto Naim, numa abordagem mais afim com a tradição clássica, crê na possibilidade da relegitimação das instituições políticas.

As consequências dessas análises para o nosso dia a dia são óbvias. Enquanto houver uma condição material razoável e um fluxo de informações que reflitam mais o ânimo dos "grandes atores" (os Estados, os partidos, a briga institucional) será ilusório esperar que as pessoas passem da indignação (ou mesmo que haja tal sentimento) para a esperança. Seria cegueira, contudo, imaginar que a roda da História parou e que nos faltará sempre indignação. Se os ganhos sociais propiciados pela estabilização forem erodidos pela inflação (ainda estamos distantes disso) o panorama pode mudar. Isso não ocorrerá sem um gesto político de recusa do jogo habitual de enganos. Melhor do que esperar por ele, porém, será criar condições para evitar que os erros se repitam e diminuam mais ainda a legitimidade do poder.  

*Sociólogo, foi presidente da República

Nara, o pássaro e o leão

Não deixe que prendam Nara Leão, por Carlos Drummond de Andrade

“Meu honrado marechal
dirigente da nação,
venho fazer-lhe um apelo:
não prenda Nara Leão (…)
A menina disse coisas
de causar estremeção?
Pois a voz de uma garota
abala a Revolução?
Narinha quis separar
o civil do capitão?
Em nossa ordem social
lançar desagregação?
Será que ela tem na fala,
mais do que charme, canhão?
Ou pensam que, pelo nome,
em vez de Nara, é leão? (…)
Que disse a mocinha, enfim,
De inspirado pelo Cão?
Que é pela paz e amor
e contra a destruição?
Deu seu palpite em política,
favorável à eleição
de um bom paisano – isso é crime,
acaso, de alta traição?
E depois, se não há preso
político, na ocasião,
por que fazer da menina
uma única exceção? (…)
Nara é pássaro, sabia?
E nem adianta prisão
para a voz que, pelos ares,
espalha sua canção.
Meu ilustre marechal
dirigente da nação,
não deixe, nem de brinquedo,
que prendam Nara Leão.”




sexta-feira, 26 de julho de 2013

O Plebiscito e a Democracia


O governo da presidente Dilma Rousseff enfrenta momentos difíceis, definidos pelo baixo crescimento com aumento da inflação e pelas manifestações da classe média contra a classe política, que colocaram em cheque seu governo e causaram queda da sua popularidade.

Diante desse quadro, a presidente reagiu bem. Entre outras medidas, propôs um plebiscito para saber se o povo quer que o financiamento de campanhas eleitorais seja público ou privado e se quer manter o voto proporcional ou mudá-lo para distrital ou misto. Essa é uma resposta direta ao centro das manifestações populares.

Uma assembleia constituinte convocada exclusivamente para emendar a Constituição nessas questões é uma boa iniciativa. Há muito são discutidas pelos políticos, mas eles não se mostram capazes de respondê-las. Não é surpreendente que os conservadores e os políticos a tenham rejeitado. Para os conservadores é uma ameaça à sua capacidade de "comprar" os políticos ao financiá-los, e, para os políticos, é uma mudança no jogo eleitoral que poderá afetá-los.

Quando cai a popularidade de um presidente, cai também o seu poder. Não o seu poder formal, mas seu poder efetivo, sua liderança. Parte dessa popularidade será recuperada, porque os ativos da presidente --sua firmeza, seus padrões éticos, seu bom conhecimento de economia e dos problemas da infraestrutura brasileira-- continuam a jogar a seu favor, mas agora parecem insuficientes para ela superar a crise política e os resultados econômicos medíocres.

Esses resultados não poderiam ser diferentes, dado o fato de que herdou uma taxa de câmbio altamente sobreapreciada, incompatível com a retomada do crescimento.

No primeiro ano de governo, a presidente tentou enfrentar esse problema, mas de maneira insuficiente. Levou a taxa de câmbio de R$ 1,65 para R$ 2,00 por dólar, quando a taxa de câmbio "necessária" (aquela que garante competitividade para as empresas industriais competentes) é de cerca de R$ 2,75 por dólar.
Não foi além na depreciação porque tanto os economistas identificados com a ortodoxia liberal quanto os identificados com o keynesianismo vulgar, que, juntos, dominam amplamente a definição de políticas econômicas no Brasil, embora se critiquem mutuamente, deram-se por satisfeitos com a depreciação alcançada. Os dois apoiam a "preferência pelo consumo imediato" e o baixo nível de investimento que resultam de uma taxa de câmbio apreciada.

Dado esse acordo, no primeiro ano de seu governo não havia condições para a presidente fazer a mudança de matriz macroeconômica necessária para a retomada do desenvolvimento; muito menos há agora.
Que fazer então? De imediato, a melhor coisa é retomar o ajuste fiscal. O desajuste fiscal não é o problema básico do Brasil, mas a política fiscal é o único espaço de política econômica que está hoje aberto para o governo.

E lutar pelo plebiscito. A reforma política não resolverá a desmoralização a que foi sujeita a política brasileira nos últimos dez anos. Mas é uma resposta objetiva às manifestações. E uma tentativa séria de aperfeiçoar o sistema eleitoral.

Dilma: do Desafio Histórico à Tecnocracia

[Comentário meu] Este artigo de Carlos Melo traz pontos importantes da discussão política sobre os governos no Brasil. Algumas questões levantadas encontram-se refletidas na crise política do pós-manifestações de junho. Há, entretanto, que se fazer uma ressalva: o texto foi publicado em abril, portanto, possivelmente escrito em março de 2013, quando nenhuma bola de cristal poderia prever uma situação social como a dos protestos de Junho. O interesse do texto permanece justamente por apontar o esvaziamento da Política como elemento de uma crise latente. Em outros pontos, pode-se discordar: quando trata da questão de investimentos e infraestrutura, não dá para saber se o autor levou em conta os enfrentamentos envolvendo a MP dos Portos e os contratos das empresas de energia elétrica. A resolução da questão dos portos foi posterior à publicação do artigo. Mas a questão do setor elétrico é anterior e, dessa forma, foi mesmo negligenciada pela análise. Também é absolutamente secundarizada a questão da taxa de juros, como se ela dissesse respeito simplesmente a estimular ou não o consumo. Enfim, permanece o interesse pela questão política: a análise de que os sinais de esgotamento apontam para a urgência da Reforma Política, bem como a crítica da tecnocracia como ineficaz para fazer frente a esta urgência.

por Carlos Melo, da Revista Interesse Nacional

O ciclo histórico de Dilma Rousseff não está completo: há tempo de mandato e espaço suficiente para alterar a visão do presente. Seu governo ainda será o que as circunstâncias permitirem e a política souber forjar. Logo, esta análise é, naturalmente, limitada, e o futuro poderá desdizê-la. E seria mesmo positivo que o fizesse. A vantagem do pessimismo é que vale a pena estar errado.

Mas, de um ponto de vista objetivo, até aqui, o governo Dilma realizou pouco e aguarda- se o momento de seu despertar. As incongruências do presente se originam no passado. No processo, estão as chaves explicativas de sua natureza estrutural.

É necessário, então, compreender esse processo para que se percebam desafios, impasses e limites do governo em curso. Um processo longo, de transformação do Brasil, que começa lá atrás, nos tempos de Fernando Henrique (FHC) e Lula, nas escolhas do passado que geram efeitos de longo prazo e ecos que ainda ressoam.

Para isto, é necessário superar a cegueira da euforia e soltar as amarras do preconceito. Veremos que nesta tentativa de explicação, pelo menos como alerta, muito do que se revela vai além do governo e implica um grande problema do país.

Este artigo pretende explicar o governo Dilma, mas também compreender a crise mais geral que vivemos. Sem julgar, busca aprofundar um diagnóstico. Se injustiças foram cometidas, elas são menores do que a vontade de que tudo se reverta e que o Brasil possa reencontrar os caminhos de seu desafio histórico.

1. Desafios históricos: 16 anos de ouro

Todo governo tem seu desafio histórico. Alguns mais dramáticos, outros menos perceptíveis, porque as circunstâncias não revelam tantas angústias. Dilma Rousseff assumiu o governo em condições menos dramáticas que seus antecessores. Todavia, seus desafios também estavam postos. Para compreendê-los, voltemos ao processo de transformação do país, levado a cabo por Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.

Para além do Fla-Flu que se tornou a política brasileira, o fato é que ao fim de quatro mandatos presidenciais, o Brasil promoveu uma interessante síntese, e graves problemas foram superados. Em primeiro lugar, concluiu-se delicada transição política. Em 1995, a memória do regime militar era viva. FHC assumia um país ainda ressentido com o impeachment de Fernando Collor de Mello. Oito anos depois, o ministro da Defesa era civil, os direitos humanos se fortaleciam, a normalidade eleitoral se fixava, a alternância de poder se dava com a eleição de Lula. Em oito anos mais, uma mulher, ex-guerrilheira, seria eleita. Alternância e diversidade: é um Brasil incomparável com seu passado.

Em segundo lugar, são marcantes os avanços econômicos: a inflação, que desorganizava a economia e alargava a desigualdade social, foi controlada. Econômica e socialmente, o Plano Real significou a profunda modernização do país. Iniciou um processo de distribuição de renda, redefiniu o papel e o tamanho do Estado, fez a mais decidida abertura comercial, até então.

Com FHC, houve inegável aperfeiçoamento institucional: foram criadas as Agências de Regulação, mecanismos para orientação e incentivo do mercado, foi estabelecido o imperativo da responsabilidade fiscal. Some-se a isto, a universalização do acesso ao ensino fundamental, e o país começou a ser outro.

A importância de Lula tampouco pode ser ignorada. Em primeiro lugar, porque sua moderação pôs fim ao “risco PT” – uma histeria apenas parcialmente justificada que animava a vida de operadores de mercado e trazia intranquilidade e indecisão, retraindo investimentos. Em segundo lugar, a continuidade do processo iniciado por Fernando Henrique não pode ser rebaixada  à “usurpação”. A decisão não apenas foi p ragmática, mas corajosa.

A começar, porque a eleição de 2002 fora “mudancis ta”, e o eleitorado sinalizara cansaço com os  tucanos. Persistir na mesma linha seria frus trar expectativas populares e populistas, relevar um basismo  atávico e enfrentar radicais. Era, claro, pos sível fazer diferente e piorar tudo terrivelmente. Isto não  ocorreu. É estranho, mas há críticos que parecem  condená-lo por ter agido corretamente.

Num país como o Brasil e na América Latina,  os sensos de realidade e moderação devem ser celebrados como qualidades, e não como defeitos. Não foi fácil desdizer o que reverberava dos palanques havia anos. Realismo político e pragmatismo. Se alguma crítica deve ser feita, será à interrupção do aperfeiçoamento institucional, sobretudo, no controverso entendimento das Agências de Regulação.

Todavia, avaliemos pelo saldo: Lula avançou numa agenda social que circunstâncias fiscais anteriores não permitiam – e a ideologia de setores do governo de FHC descartava categoricamente. De algum modo, Lula buscou a estabilidade com crescimento e distribuição: mantendo cautela macroeconômica, utilizou instrumentos que, em anos anteriores – peremptória, às vezes, sectariamente –, seriam descartados por implicar “custos fiscais” e riscos ao controle inflacionário.

Goste-se ou não, medidas como o Bolsa Família, o Prouni ou as cotas raciais, somadas à estabilidade da moeda, foram relevantes no conjunto das transformações históricas.

Os esforços e as realizações dos dois presidentes devem ser reconhecidos, não apenas per se, mas pela síntese que realizaram. Houve virtù diante da fortuna que coube a cada um.

Claro, o Brasil se transformava até porque também o mundo mudava vertiginosamente com tecnologia, revolução nas telecomunicações e globalização. O capitalismo informacional – na expressão de Manuel Castells – ou a lancinante circulação de capitais, tudo isto empurrava o país na direção de uma economia e de uma sociedade dinâmicas, voltadas para o futuro.

Ao fim e ao cabo, a estabilidade monetária e o crescimento econômico transformaram-se em valores sociais e políticos. Impedir a volta da inflação, manter o emprego e sustentar a inclusão social e o consumo passaram a ser imperativos categóricos da política nacional.

Considerando nossa jovem democracia, não foi fácil, não foi pouco e foi rápido. Todavia, é um projeto inacabado que exige continuidade e aprofundamento. O desenvolvimento e a inclusão social despertaram a necessidade de mais investimento, mais produção, mais consumo, mais escola e qualificação, melhor ambiente de negócios, instituições mais robustas. Um círculo virtuoso se for alimentado; perverso, se interrompido.

Os mecanismos utilizados por FHC e Lula já não bastavam. Juros, câmbio, superávits, políticas distributivistas, incentivos fiscais e crédito são ferramentas importantes, mas insuficientes. É necessário eliminar gargalos: a infraestrutura precária e insuficiente, insegurança jurídica, legislações arcaicas, mentalidades antigas. É preciso melhorar a qualificação do trabalhador. Supor manter o consumo sem garantir a produção é um erro crasso.

Desse modo, a tarefa de Dilma Rousseff seria dar continuidade à transformação: liberar o fluxo do desenvolvimento, sustentável, sem retorno à inflação. Fazê-lo com inclusão social e aperfeiçoamento institucional. Eis seu desafio histórico. A questão que cabe discutir é se Dilma tem cumprido a contento este papel.

2. A crise da política e os esgotamentos de instrumentos

O país se modernizou, mas está longe de ser plenamente moderno. Muito ficou pelo caminho, e novas iniciativas são indispensáveis. Chegou o tempo em que obstáculos estruturais precisam ser removidos, o que compreende conflitos de interesses ainda mais profundos. E quando se vislumbra o conflito, chega-se ao nervo da política.

Mas, se a economia e a sociedade se modernizaram, o mesmo não ocorreu com a política. Dada a emergência das questões dos anos 1990, a transformação do sistema político tornou-se

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Dominguinhos, com Nara Leão e Gal Costa

É a filha da Chiquita...






Por forças armadas efetivamente subordinadas aos poderes civis constitucionais

por Igor Grabois, no Viomundo

A ditadura militar acabou oficialmente há vinte e oito anos. No entanto, as Forças Armadas, em particular o Exército, permanecem como árbitros da política nacional. Nas jornadas de junho não foram poucas as referências ao retorno dos militares ao poder. E, em uma expectativa muda, vários analistas que acompanham a conjuntura esperaram uma posição dos militares nos acontecimentos.


Parte da estrutura do estado, sendo seus membros funcionários públicos e possuidores de formação educacional patrocinada pelo Estado, o comportamento histórico dos militares é de arbitragem da vida política nacional. Em 64, rasgaram a constituição que juraram defender. Promoveram inúmeros golpes de estado. A questão militar, desde os fins do império, assombra a vida política nacional e não é enfrentada pela sociedade civil.

As questões de defesa e militares são pouco debatidas no parlamento. Nas eleições, as questões de defesa não são mencionadas. Existem poucos trabalhos acadêmicos sérios. Mesmo a criação do Ministério da Defesa em 1999 não despertou maior atenção sobre o tema.

Em 2008, o governo federal elaborou a Estratégia Nacional de Defesa. Antes, em 2005, houve a atualização da Política Nacional de defesa. Deveriam ser marcos da elaboração da política militar pelo governo civil. Ambos os documentos foram atualizados em 2012 e serão analisados na continuação deste artigo. A elaboração da Política e da Estratégia Nacionais da Defesa foi feita no âmbito do Ministério da Defesa, traduzindo as aspirações da corporação militar.

A Constituição de 88 manteve, em uma formulação negociada com os comandos das Forças Armados, a possibilidade de intervenção dos militares na vida civil. Segundo o art. 142, cabe às forças armadas a defesa da pátria, a defesa dos poderes constitucionais e, a pedido de um deles, a garantia da lei e da ordem. Nesta zona cinzenta, sem pedido formal de nenhum poder, o Exército executou “operação GLO” no Complexo do Alemão por mais de dois anos.

O papel na vida pública civil não se resume ao previsto no art.142 da CF. As Forças Armadas, por exemplo, têm, por lei, poder de polícia na faixa de fronteira. As operações Ágata, de monitoramento de fronteiras, envolvendo as três forças e polícia federal, receita, IBAMA, polícias estaduais, já se encontra na sua sétima edição.

A Marinha é  no Brasil a Autoridade Marítima e é responsável por elaborar a política marítima nacional. Exerce as funções de polícia marítima, realizando as tarefas de inspeção naval, salvaguarda da segurança aquaviária e do meio ambiente.

Regula o ensino profissional marítimo, forma os oficiais da marinha mercante e habilita os navegadores esportivos. Licencia toda e qualquer embarcação, seja fluvial ou marítima. Na Argentina, em comparação, essas funções são da Prefectura Naval. Nos EUA, na Itália, na Noruega, as tarefas de polícia e fiscalização marítimas são da guarda costeira.

A Força Aérea faz o controle do tráfego aéreo, a navegação aérea e a prevenção e investigação dos acidentes aeronáuticos, sejam da aviação civil ou militar. Até 2005, a regulação da aviação civil era feita pela FAB, atribuição atual da Anac.

O Exército faz a fiscalização dos produtos controlados, armamentos e explosivos de uso civil. Controla e credencia os colecionadores de armas e o tiro esportivo. Mais significativa é a existência da Inspetoria Geral das Polícias Militares, comandada por um general de brigada e responsável por controlar o efetivo e o armamento das polícias. As polícias e os corpos de bombeiros militares estaduais são forças auxiliares das forças armadas. A militarização das polícias é reforçada pelo controle exercido pelo exército.

As forças armadas se fazem presentes no cotidiano em diversas operações subsidiárias. O Exército distribui água no semi-árido nordestino. Faz obras públicas, como trechos da Transposição do Rio São Francisco, duplicação de estradas, obras do aeroporto de Guarulhos.

A Marinha possui navios de assistência hospitalar, atendendo na Amazônia e no Pantanal. A FAB transporta autoridades (possui uma unidade só para nessa função, o Grupo de Transporte Especial), urnas eletrônicas nas eleições, mala diplomática e carga para o governo federal. Sem contar a ação em catástrofes e desastres naturais.

As operações subsidiárias, incluindo as de garantia da lei e da ordem, se tornam o objetivo das forças armadas e, conseqüentemente, o móvel da intervenção na vida civil. As Forças Armadas cumprem papel da guarda nacional e há uma intervenção militar preocupante nas questões de segurança pública. 

A própria discussão doutrinária no Exército tem privilegiado a intervenção nos assuntos internos em detrimento das funções de defesa nacional. As notas de coordenação doutrinária mais recentes ressaltam operações de “amplo espectro”,ou seja, “pacificação”, operações GLO, atendimento a calamidades, e operações “interagências”, com entidades civis governamentais e não-governamentais, em monitoramento de fronteiras e segurança de grandes eventos.

Há  um clamor pela intervenção das forças armadas na segurança pública, principalmente por parte de governadores de estados com sérios problemas de segurança.

A incapacidade e a corrupção das polícias estaduais são usadas como justificativa da intervenção militar. O risco óbvio é a intervenção militar se tornar permanente com o componente de repressão política e aos movimentos sociais.

A doutrina do “amplo espectro” mantém a figura do “inimigo interno” da época da ditadura, de maneira sutil e teorizada.

Na Copa das Confederações e na Jornada Mundial da Juventude, o ator de maior destaque foi o exército, coordenando os demais órgãos – Polícia Federal, Polícia Rodoviária, Defesa Civil, polícias estaduais, guardas municipais, CET’s – e mantendo tropas como reserva para a repressão às manifestações.

O conceito do “inimigo interno” se mantém pelo fato das corporações militares não terem abandonado o culto à ditadura e ao histórico de intervenções na vida política. O golpe de 64 é comemorado nos quartéis nos dias 31 de março, com ordens do dia acerca da “Revolução Democrática” ainda hoje.

Presidentes-ditadores e expoentes da ditadura militar são homenageados constantemente.

A Escola de Comando e Estado Maior do Exército, a escola mais importante na formulação da doutrina, é a Escola Castelo Branco.

A 2ª Divisão do Exército, em São Paulo, é a Divisão Costa e Silva. Carrasco Azul Médici é patrono da turma de oficiais formados na Academia das Agulhas Negras em 2011, além de nomear o 3º Batalhão Logístico, em Bagé.

Walter Pires, ministro do Exército de Figueiredo e figura chave na execução do golpe de 64, nomeia o Centro de Instrução de Blindados, em Santa Maria. Rademaker, vice do Carrasco Azul, é nome de fragata na Marinha. Os exemplos são inúmeros.

A rejeição à Comissão da Verdade não se limita aos círculos da reserva, organizados nos clubes militares. Em 2010, o então Ministro da Defesa Jobim comprou a insatisfação dos comandantes militares em relação ao III Plano Nacional de Direitos Humanos.

Há uma sistemática recusa, por parte das Forças Armadas, em colaborar com a apuração efetiva dos crimes da ditadura. Sonega-se a abertura de arquivos. Há a alegação, comprovadamente falsa, que os arquivos teriam sido queimados. Os torturadores são defendidos com unhas e dentes. Alguns veteranos da repressão política dão palestras nas escolas militares e colaboram na formulação da doutrina.

Os militares fazem sua própria política. As autoridades civis apenas corroboram seus programas e planos. As visitas de comandantes e autoridades militares às Comissões de Defesa e Relações Exteriores da Câmara e do Senado se caracterizam pela ausência de questionamentos por parte dos parlamentares.

O ensino militar continua valorizando a ditadura e o intervencionismo, permanecendo ausentes a democracia e os direitos humanos. É reproduzida a ideologia do “inimigo interno” e a ideia do papel de árbitro da vida nacional exercido pelos militares.

A ditadura militar de vinte e um anos deixou marcas profundas no país. A tutela militar é uma das heranças mais significativas.

Para setores das classes dominantes, as Forças Armadas servem de reserva nos momentos de crise. Não faltam os áulicos e as vivandeiras de quartel.

Discutir o papel das forças armadas, superar a herança da ditadura, é tarefa fundamental para os setores que lutam por mudanças reais no Brasil.

terça-feira, 23 de julho de 2013

O propinoduto das obras do Metrô e dos trens em São Paulo

Republicando matéria da Istoé sobre o propinoduto de recursos públicos do transporte sobre trilhos no governo do estado de São Paulo.


Um propinoduto criado para desviar milhões das obras do Metrô e dos trens metropolitanos foi montado durante os governos do PSDB em São Paulo. Lobistas e autoridades ligadas aos tucanos operavam por meio de empresas de fachada
Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas


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PROTEÇÃO GARANTIDA
Os governos tucanos de Mario Covas (abaixo), Geraldo Alckmin
e José Serra (acima) nada fizeram para conter o esquema de corrupção


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Ao assinar um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a multinacional alemã Siemens lançou luz sobre um milionário propinoduto mantido há quase 20 anos por sucessivos governos do PSDB em São Paulo para desviar dinheiro das obras do Metrô e dos trens metropolitanos. Em troca de imunidade civil e criminal para si e seus executivos, a empresa revelou como ela e outras companhias se articularam na formação de cartéis para avançar sobre licitações públicas na área de transporte sobre trilhos. Para vencerem concorrências, com preços superfaturados, para manutenção, aquisição de trens, construção de linhas férreas e metrôs durante os governos tucanos em São Paulo – confessaram os executivos da multinacional alemã –, os empresários manipularam licitações e corromperam políticos e autoridades ligadas ao PSDB e servidores públicos de alto escalão. O problema é que a prática criminosa, que trafegou sem restrições pelas administrações de Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin, já era alvo de investigações, no Brasil e no Exterior, desde 2008 e nenhuma providência foi tomada por nenhum governo tucano para que ela parasse. Pelo contrário. Desde que foram feitas as primeras investigações, tanto na Europa quanto no Brasil, as empresas envolvidas continuaram a vencer licitações e a assinar contratos com o governo do PSDB em São Paulo. O Ministério Público da Suíça identificou pagamentos a personagens relacionados ao PSDB realizados pela francesa Alstom – que compete com a Siemens na área de maquinários de transporte e energia – em contrapartida a contratos obtidos. Somente o MP de São Paulo abriu 15 inquéritos sobre o tema. Agora, diante deste novo fato, é possível detalhar como age esta rede criminosa com conexões em paraísos fiscais e que teria drenado, pelo menos, US$ 50 milhões do erário paulista para abastecer o propinoduto tucano, segundo as investigações concluídas na Europa.

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SUSPEITOS
Segundo o ex-funcionário da Siemens, Ronaldo Moriyama (foto menor),
diretor da MGE, e Décio Tambelli, ex-diretor do Metrô, integravam o esquema

As provas oferecidas pela Siemens e por seus executivos ao Cade são contundentes. Entre elas, consta um depoimento bombástico prestado no Brasil em junho de 2008 por um funcionário da Siemens da Alemanha. ISTOÉ teve acesso às sete páginas da denúncia. Nelas, o ex-funcionário, que prestou depoimento voluntário ao Ministério Público, revela como funciona o esquema de desvio de dinheiro dos cofres públicos e fornece os nomes de autoridades e empresários que participavam da tramoia. Segundo o ex-funcionário cujo nome é mantido em sigilo, após ganhar uma licitação, a Siemens subcontratava uma empresa para simular os serviços e, por meio dela, realizar o pagamento de propina. Foi o que aconteceu em junho de 2002, durante o governo de Geraldo Alckmin, quando a empresa alemã venceu o certame para manutenção preventiva de trens da série 3000 da CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos). À época, a Siemens subcontratou a MGE Transportes. De acordo com uma planilha de pagamentos da Siemens obtida por ISTOÉ, a empresa alemã pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$ 2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por representantes da MGE para serem distribuídos a políticos e diretores da CPTM, segundo a denúncia. Para não deixar rastro da transação, os saques na boca do caixa eram sempre inferiores a R$ 10 mil. Com isso, o Banco Central não era notificado. “Durante muitos anos, a Siemens vem subornando políticos, na sua maioria do PSDB, e diretores da CPTM.

A MGE é frequentemente utilizada pela Siemens para pagamento de propina. Nesse caso, como de costume, a MGE ficou encarregada de pagar a propina de 5% à diretoria da CPTM”, denunciou o depoente ao Ministério Público paulista e ao ombudsman da empresa na Alemanha. Ainda de acordo com o depoimento, estariam envolvidos no esquema o diretor da MGE, Ronaldo Moriyama, segundo o delator “conhecido no mercado ferroviário por sua agressividade quando se fala em subornar o pessoal do Metrô de SP e da CPTM”, Carlos Freyze David e Décio Tambelli, respectivamente ex-presidente e ex-diretor do Metrô de São Paulo, Luiz Lavorente, ex-diretor de Operações da CPTM, e Nelson Scaglioni, ex-gerente de manutenção do metrô paulista. Scaglioni, diz o depoente, “está na folha de pagamento da MGE há dez anos”. “Ele controla diversas licitações como os lucrativos contratos de reforma dos motores de tração do Metrô, onde a MGE deita e rola”. O encarregado de receber o dinheiro da propina em mãos e repassar às autoridades era Lavorente. “O mesmo dizia que (os valores) eram repassados integralmente a políticos do PSDB” de São Paulo e a partidos aliados. O modelo de operação feito pela Siemens por meio da MGE Transportes se repetiu com outra empresa, a japonesa Mitsui, segundo relato do funcionário da Siemens. Procurados por ISTOÉ, Moriyama, Freyze, Tambelli, Lavorente e Scaglioni não foram encontrados. A MGE, por sua vez, se nega a comentar as denúncias e disse que está colaborando com as investigações.

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Além de subcontratar empresas para simular serviços e servir de ponte para o desvio de dinheiro público, o esquema que distribuiu propina durante os governos do PSDB em São Paulo fluía a partir de operações internacionais. Nessa outra vertente do esquema, para chegar às mãos dos políticos e servidores públicos, a propina circulava em contas de pessoas físicas e jurídicas em paraísos fiscais. Uma dessas transações contou, de acordo com o depoimento do ex-funcionário da Siemens, com a participação dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira, através de suas respectivas empresas Procint E Constech e de suas offshores no Uruguai, Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Neste caso específico, segundo o denunciante, a propina foi paga porque a Siemens, em parceria com a Alstom, uma das integrantes do cartel denunciado ao Cade, ganhou a licitação para implementação da linha G da CPTM. O acordo incluía uma comissão de 5% para os lobistas, segundo contrato ao qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade, e de 7,5% a políticos do PSDB e a diretores da área de transportes sobre trilho. “A Siemens AG (Alemanha) e a Siemens Limitada (Brasil) assinaram um contrato com (as offshores) a Leraway e com a Gantown para o pagamento da comissão”, afirma o delator. As reuniões, acrescentou ele, para discutir a distribuição da propina eram feitas em badaladas casas noturnas da capital paulista. Teriam participado da formação do cartel as empresas Alstom, Bombardier, CAF, Siemens, TTrans e Mitsui. Coube ao diretor da Mitsui, Masao Suzuki, guardar o documento que estabelecia o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados por empresa na licitação.

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Além de subcontratar empresas que serviram de ponte para o desvio
de dinheiro público, o esquema valeu-se de operações em paraísos fiscais

Os depoimentos obtidos por ISTOÉ vão além das investigações sobre o caso iniciadas há cinco anos no Exterior. Em 2008, promotores da Alemanha, França e Suíça, após prender e bloquear contas de executivos do grupo Siemens e da francesa Alstom por suspeita de corrupção, descobriram que as empresas mantinham uma prática de pagar propinas a servidores públicos em cerca de 30 países. Entre eles, o Brasil. Um dos nomes próximos aos tucanos que apareceram na investigação dos promotores foi o de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) nomeado pelo então governador tucano Mário Covas. No período em que as propinas teriam sido negociadas, Marinho trabalhava diretamente com Covas. Proprietário de uma ilha paradisíaca na região de Paraty, no Rio de Janeiro, Marinho foi prefeito de São José dos Campos, ocupou a coordenação da campanha eleitoral de Covas em 1994 e foi chefe da Casa Civil do governo do Estado de 1995 a abril de 1997. Numa colaboração entre promotores de São Paulo e da Suíça, eles identificaram uma conta bancária pertencente a Marinho que teria sido abastecida pela francesa Alstom. O MP bloqueou cerca de US$ 1 milhão depositado. Marinho é até hoje alvo do MP de São Paulo. Procurado, ele não respondeu ao contato de ISTOÉ. Mas, desde que estourou o escândalo, ele, que era conhecido como “o homem da cozinha” – por sua proximidade com Covas –, tem negado a sua participação em negociatas que beneficiaram a Alstom.

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Entre as revelações feitas pela Siemens ao Cade em troca de imunidade está a de que ela e outras gigantes do setor, como a francesa Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui, reuniram-se durante anos para manipular por meios escusos o resultado de contratos na área de transporte sobre trilhos. Entre as licitações envolvidas sob a gestão do PSDB estão a fase 1 da Linha 5 do Metrô de São Paulo, as concorrências para a manutenção dos trens das Séries 2.000, 3.000 e 2.100 da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a extensão da Linha 2 do metrô de São Paulo. Também ocorreram irregularidades no Projeto Boa Viagem da CPTM para reforma, modernização e serviço de manutenção de trens, além de concorrências para aquisição de carros de trens pela CPTM, com previsão de desenvolvimento de sistemas, treinamento de pessoal, apoio técnico e serviços complementares.

Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam
a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação superfaturada

Com a formação do cartel, as empresas combinavam preços e condicionavam a derrota de um grupo delas à vitória em outra licitação também superfaturada. Outra estratégia comum era o compromisso de que aquela que ganhasse o certame previamente acertado subcontratasse outra derrotada. Tamanha era a desfaçatez dos negócios que os acordos por diversas vezes foram celebrados em reuniões nos escritórios das empresas e referendados por correspondência eletrônica. No início do mês, a Superintendência-Geral do Cade realizou busca e apreensão nas sedes das companhias delatadas. A Operação Linha Cruzada da Polícia Federal executou mandados judiciais em diversas cidades em São Paulo e Brasília. Apenas em um local visitado, agentes da PF ficaram mais de 18 horas coletando documentos. Ao abrir o esquema, a Siemens assinou um acordo de leniência, que pode garantir à companhia e a seus executivos isenção caso o cartel seja confirmado e condenado. A imunidade administrativa e criminal integral é assegurada quando um participante do esquema denuncia o cartel, suspende a prática e coopera com as investigações. Em caso de condenação, o cartel está sujeito à multa que pode chegar a até 20% do faturamento bruto. O acordo entre a Siemens e o Cade vem sendo negociado desde maio de 2012. Desde então, o órgão exige que a multinacional alemã coopere fornecendo detalhes sobre a manipulação de preços em licitações. 

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Só em contratos com os governos comandados pelo PSDB em São Paulo, duas importantes integrantes do cartel apurado pelo Cade, Siemens e Alstom, faturaram juntas até 2008 R$ 12,6 bilhões. “Os tucanos têm a sensação de impunidade permanente. Estamos denunciando esse caso há décadas. Entrarei com um processo de improbidade por omissão contra o governador Geraldo Alckmin”, diz o deputado estadual do PT João Paulo Rillo. Raras vezes um esquema de corrupção atravessou incólume por tantos governos seguidos de um mesmo partido numa das principais capitais do País, mesmo com réus confessos – no caso, funcionários de uma das empresas participantes da tramoia, a Siemens –, e com a existência de depoimentos contundentes no Brasil e no Exterior que resultaram em pelo menos 15 processos no Ministério Público. Agora, espera-se uma apuração profunda sobre a teia de corrupção montada pelos governos do PSDB em São Paulo. No Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse que espera rigor nas investigações e cobrará o dinheiro que tenha sido desviado dos cofres públicos.

Montagem sobre foto de: Carol Guedes/Folhapress (abre); FOTOS: RICARDO STUCKERT; Folhapress; EVELSON DE FREITAS/AE