quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Tatuagem, de Hilton Lacerda

[Comentário meu] Tatuagem, filme de Hilton Lacerda, é um filme que merece ser comentado, sobre o qual vale a pena conversar, escrever. Enquanto não elaboro minha própria escrita, deixo aqui uma que me agradou, me contemplou. É incrível como o filme de Hilton Lacerda instiga a percepção das pessoas, que, antes mesmo da sessão terminar, externam comentários sobre uma cena, uma imagem, um trecho do roteiro: é o sinal de que as pessoas gostam, sim, de ter sua inteligência presenteada, brindada com um bom roteiro, com um bom filme. Em tempos de "Crô", é uma alegria saber que Tatuagem tem lugar em nosso cinema. É uma alegria saber que alguns filmes estão, desde já, irremediavelmente condenados ao passado. E que Tatuagem formará sempre um círculo que, do passado, ampliará para sempre, o futuro do cinema brasileiro. 

Revolução Dionísiaca,
por José Geraldo Couto, do blog do IMS

O primeiro plano mostra o colorido e brilhoso cenário do cabaré Chão de Estrelas, definido por uma voz em off como “o Moulin Rouge do subúrbio, a Broadway dos pobres, o Studio 54 da favela”, que “faz tremer toda forma de autoridade”. Corta para um rapaz de camiseta regata sentado numa cama. A imagem se abre lentamente, mostrando as barras do beliche como se fossem as de uma prisão. Ele está, logo entendemos, num quartel, entre outros recrutas que prestam serviço militar.

Estamos em Recife, em 1978. É na oposição entre o cabaré e o quartel, entre a anarquia e a ordem, o desejo e a autoridade, que Tatuagem definirá a sua retórica e a sua estética. O amor entre o recruta Arlindo, vulgo Fininha (Jesuíta Barbosa), e o líder do Chão de Estrelas, Clécio (Irandhir Santos), conduzirá essa tripla tensão: afetiva, política, espacial.

Impossível ver Tatuagem e não lembrar imediatamente de outro filme recifense recente, A febre do rato, de Claudio Assis. Ambos focalizam comunidades libertárias à margem – e a contrapelo – da sociedade estabelecida, cada uma delas liderada por um artista visionário, encarnado nos dois casos por Irandhir Santos. E, claro, ambos foram roteirizados por Hilton Lacerda.

Mas as diferenças entre as duas obras são muitas e não se limitam à fotografia (o preto e branco de Febre em contraste com o colorido exuberante de Tatuagem), nem ao fato de uma delas se passar nos dias de hoje e a outra em 1978. A disparidade é sobretudo de tom, ou antes, de sentimento.

Deboche e amor

Se o filme de Claudio Assis é um manifesto furioso, em que o desafio à autoridade assume a forma da provocação agressiva, em Tatuagem a arma preferencial é o deboche, e o sentimento predominante é o amor, sob suas variadas formas: erótico, fraterno, familiar.

No centro de tudo está o inesperado romance entre o recruta e o artista (além de diretor do Chão de Estrelas, Clécio é ator, cantor, dançarino e coreógrafo). Duas sequências quase contíguas revelam com extrema sensibilidade o surgimento desse amor louco. A primeira é um plano sem cortes de Clécio cantando Esse cara, de Caetano Veloso, numa panorâmica que termina exatamente no final da música e flagra Fininha, de meio perfil, totalmente desconcertado. Pouco depois, Clécio põe na vitrola um disco de Dolores Duran e dança com o recruta ao som de A noite do meu bem. “Nunca dancei assim com um homem antes”, diz Fininha. “E eu nunca dancei assim com um soldado”, responde Clécio, numa estratégia recorrente do roteiro, que é a de temperar com humor os momentos mais sentimentais, e vice-versa. Só essas duas sequências já valeriam o filme.

Mas há muito mais. Há as cenas de sexo ao mesmo tempo delicadas e cruas – tão raras no cinema de hoje, no Brasil e no mundo –; há as breves e epifânicas inserções de imagens domésticas em super-8 (e do “filme dentro do filme” feito por um poeta do grupo); há a modulação sutil das arestas produzidas em cada uma das relações entre os personagens; há a figura encantadora do filho de Clécio e Deusa (Sylvia Prado), o menino Tuca (Deyvid Queiroz de Morais), encarnação da liberdade e da alegria de viver; há, além da atuação extraordinária dos dois protagonistas, a notável presença de Rodrigo Garcia como a esfuziante Paulete; há, por fim, a trilha sonora do DJ Dolores, que vai de Puccini ao cantor brega Johnny Hooker, passando por Dalva de Oliveira.


Pintura rupestre do futuro

Tudo isso sem perder de vista a caracterização do Chão de Estrelas como uma ilha de liberdade em meio a um contexto repressivo, um oásis regido pelo princípio do prazer, um lugar de produção de cultura a partir da precariedade dos meios e da ousadia das ideias. Cada cena condensa em si toda uma concepção de sociedade, de cultura e de relações humanas, em que o afeto é um agente químico que atravessa as classes, os gêneros e as gerações. Uma afirmação de utopia resumida na frase do poeta-cineasta Joubert (Silvio Restiffe): “Aqui começamos a fazer a pintura rupestre de um novo tempo”.

Quase quarenta anos depois, essa promessa dionisíaca ainda não se cumpriu. Por isso mesmo, no país dos Felicianos e Bolsonaros, Tatuagem é um filme violentamente atual.

domingo, 17 de novembro de 2013

Europa: vende-se

Europa vende até ilhas para pagar dívidas
Por Jamil Chade, do Estadão

O governo de Malta tomou decisão inédita na semana passada: está vendendo passaporte e cidadania europeia. Preço: € 650 mil. Do centro de Barcelona, dos prédios elegantes de Paris ao sul de Portugal, passando por Grécia, Espanha, Itália e Irlanda, governos europeus estão colocando tudo à venda, num esforço para atrair investidores. A meta é reduzir dívidas recorde. De casas a estradas, de portos a estádios, de montanhas e ilhas a empresas de infraestrutura, de tanques de guerra usados a correios. Hoje, tudo está à venda na Europa, inclusive o cobiçado passaporte estrelado.

Cinco anos depois de uma crise que abalou o continente, Bruxelas se deu conta de que superar a recessão não será trabalho fácil e que precisa encontrar investidores pelo mundo para ajudar o bloco a sair da crise. Nas capitais europeias e mesmo nas pequenas cidades, ninguém mais esconde: a Europa está em liquidação e a hora é a de vender.

Um dos casos mais polêmicos é o de Malta que, em troca da cidadania europeia e da autorização para trabalhar em qualquer país do bloco, exige que o interessado faça um investimento. O primeiro-ministro, Joseph Muscat, afirmou que seu plano atrairia "indivíduos de alto valor" e, por suas pesquisas, 45 deles poderiam aplicar € 30 milhões na ilha. A Henley & Partners, empresa que assessora o governo, estima que 300 pessoas poderiam ganhar a cidadania por ano.

Caso esse investidor tenha família, cada membro pagaria também pelo passaporte. Mas as taxas seriam menores: € 25 mil. A oposição na ilha rapidamente prometeu derrubar a lei. Mas pode ter problemas diante da proliferação de "vendas" como as de Malta. Em Chipre, um investidor ganha cidadania europeia ao aplicar US$ 3,2 milhões, enquanto no Reino Unido um visto de residência sai por US$ 1,6 milhão. Na Espanha, o governo quer dar o visto a qualquer um que compre uma casa por pelo menos US$ 215 mil.

Numa Europa que conhece sua pior crise em 70 anos, a ordem dada pela Comissão Europeia, FMI e Banco Central Europeu (a Troica) aos governos não foi apenas a de reduzir gastos ou vender passaportes. Mas principalmente de se desfazer de ativos, acabar com estatais e vender tudo o que poderia ser de atribuição do setor privado.

Na Irlanda, o governo pôs à venda a empresa de gás Bord Gais, a Aer Lingus, sua empresa florestal Coillte e até o Haras Nacional, de onde saem alguns dos melhores cavalos do mundo. No Reino Unido, o governo vende prédios de embaixadas, equipamentos militares usados, além de 72 aviões, helicópteros e veículos Land Rover.

No caso espanhol, a grande polêmica foi a privatização parcial de hospitais públicos, enquanto na França o governo vende 1,7 mil imóveis, inclusive castelos históricos e vinícolas. No total, Paris controla 1,5 mil estatais, que empregam 785 mil pessoas. Na Itália, 9 mil edifícios, praias, fortes, ilhas e palácios em Veneza estão à venda e a meta estabelecida ainda no governo de Mario Monti foi o de arrecadar 1% do PIB por ano com essas vendas até 2018.

Dados da ONU sustentam a tese de que, com a venda de ativos, altos investimentos entraram em alguns desses países. A Irlanda, por exemplo, registrou um salto de 34% no fluxo de investimentos externos entre 2012 e o primeiro semestre de 2013. No Reino Unido, o aumento foi de 87%, chegando a US$ 74bilhões. Uma das principais surpresas foi a Espanha, que viu a entrada de recursos crescer 88%, chegando a US$ 20 bilhões por estrangeiro no país apenas no primeiro semestre.

Parte do fluxo tem como explicação o desembarque de algumas das maiores fortunas do mundo que, como Bill Gates, optaram por aproveitar o momento de crise e adquirir empresas locais. Segundo uma recente publicação da ONU, o fluxo de dinheiro para a Espanha se explica pelo fato de que os "custos de trabalho estão atraindo as corporações transnacionais". Em outras palavras, a redução drástica de salários agora virou um fator positivo.

Missões. Levantamento da Goldman Sachs apontou que, no primeiro semestre, investidores americanos aplicaram US$ 66 bilhões nas bolsas europeias, o maior valor desde 1977. Governos europeus têm realizado missões a Moscou, Pequim, Dubai ou São Paulo, em busca de compradores.

O resultado tem sido irônico estatais europeias sendo compradas por estatais de emergentes. A chinesa State Grid adquiriu 25% da transportadora energética portuguesa REN por € 400 milhões, enquanto a Three Gorges passou a ser a maior acionista da EDP, empresa do setor energético de Portugal. No setor privado, o número de compras de empresas chinesas na Europa com valor acima de US$ 1 milhão dobrou entre 2010 e 2011, chegando a 50. Hoje, só na Alemanha, empresas chinesas já adquiriram 146 locais.

Dieter Brauninger, autor de um estudo realizado pelo Deutsche Bank, confirma que o momento pode ser interessante para a onda de privatização e de compras. "Investidores internacionais voltam a se interessar pela Europa." Segundo dados oficiais, o volume de investimentos estrangeiros na zona do euro triplicou entre o segundo semestre de 2012 e o primeiro de 2013.

Ainda assim, o banco alemão diz que a Europa não pode "superestimar" o valor que governos conseguirão atrair com as privatizações. Segundo a ONU, a Europa e a América Latina receberam nos seis primeiros meses do ano exatamente o mesmo montante de investimentos: US$ 165 bilhões.

Um dos obstáculos, segundo Brauninger, é a forte oposição ainda existente entre sindicatos e partidos de oposição. Outro problema é que muitas dessas empresas, inclusive os prédios à venda, precisam passar por ampla reforma antes que o setor privado ofereça de fato muito dinheiro. "Políticos em países com altas taxas de desemprego terão dificuldades para transformar estatais em empresas mais competitivas, já que para isso teriam de demitir muita gente."

Uma polêmica ainda maior ocorre quando símbolos locais passam a ser comercializados. Na Áustria, o governo foi obrigado a rever seus planos depois que colocou à venda dois picos nos Alpes. Para um país cuja letra do hino começa com "Terra das Montanhas", a decisão de vender o Rosskopf, com 2,6 mil metros de altitude e o Grosse Kinigat, com 2,7 mil metros, causou comoção nacional. Cada um deles seria vendido por € 121 mil.

A histórica estátua de Cristóvão Colombo, no porto de Barcelona, também foi alvo de polêmica neste ano. Endividada, a prefeitura local alugou o corpo do navegador para que a Qatar Airways colocasse uma camisa do Barça e, por duas semanas, promovesse sua marca. Em troca, pagou € 100 mil para a prefeitura falida.

Muitos acreditam que isso seria o equivalente a alugar o Cristo Redentor para a Coca-Cola ou a Torre Eiffel para a Toyota. Mas, na prefeitura de Barcelona, todos dão o caso por encerrado e garantem que, em 2014, não apenas Colombo como outros símbolos da cidade poderão ser alugados. "A crise está fazendo a Europa repensar seus princípios", lamentou um político catalão, que pediu para não ser identificado.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A homenagem ao presidente João Goulart

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR


Com honras de chefe de Estado, corpo de Jango chega a Brasília
Do Globo

A cerimônia de honras militares em homenagem ao ex-presidente João Goulart, cujos restos mortais chegaram ontem para análise no Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, foi marcada pela comoção. A presidente Dilma Rousseff se emocionou, mas conteve o choro, amparando a ex-primeira-dama Maria Tereza Goulart, que foi às lágrimas durante boa parte da solenidade.

Para a presidente, foi "um encontro do Brasil com sua história" e a "afirmação da democracia". Para a viúva, demorou, mas o Estado brasileiro finalmente reconheceu a importância de Jango como presidente. — É muito importante esse momento, é um resgate da memória do meu marido. A presença de todo mundo aqui é muito, muito importante. Foi um momento que eu não vou esquecer mais na minha vida. Realmente, que faz a gente esquecer até um pouquinho do passado, porque foi um momento muito bonito — disse Maria Tereza, após a cerimônia, que durou 20 minutos.

Disse ainda que homenagem "demorou um pouco" e concordou que a dívida do Estado com Jango e a família foi quitada: — Demorou um pouco, mas nunca é tarde. Sempre há um momento em que a gente espera que aconteça alguma coisa importante. De coragem e de reconhecimento pelo presidente que ele foi. Porque acho que merecia. Os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva participaram do ato juntamente com familiares de Jango, ministros e parlamentares.

Pouco antes de ir para a cerimônia, Dilma, que instalou a Comissão da Verdade em maio do ano passado, disse no Twitter que Jango foi "o único presidente a morrer no exílio, em circunstâncias ainda a serem esclarecidas por exames periciais. A urna chegou a Brasília no fim da manhã, a bordo de um avião da Força Aérea Brasileira, e foi conduzida por militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Na chegada, os despojos foram recebidos com honras de chefe de Estado: salva de 21 tiros de canhão e execução do Hino Nacional. Sob a marcha fúnebre, o esquife foi colocado em um aparador de prata.

Em seguida, a presidente e a ex-primeira-dama depositaram uma coroa de flores sobre a urna. Maria Tereza se emocionou muito e foi carinhosamente abraçada pela presidente, também bastante emotiva. A ex- primeira-dama recebeu de Dilma a Bandeira do Brasil que cobria o caixão.A ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse que a homenagem, reunindo civis e militares, simboliza a valorização da democracia:— A democracia não é algo pronto, é algo que se constrói todos os dias, inclusive com momento como este, no qual homenageamos um presidente constitucionalmente estabelecido e que foi deposto em uma circunstância de golpe.

Filho de Jango, João Vicente Goulart disse que, quase 50 anos após a instalação da ditadura militar, o Brasil está no caminho certo para apurar e reparar as violações cometidas no período.— Estamos no caminho certo, não só pelo processo de averiguação da morte do presidente João Goulart. Temos aí a Comissão da Verdade e a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Mas é um processo lento de amadurecimento da sociedade brasileira. Vários documentos mostram a perseguição a Jango diuturnamente no exílio e esperamos documentos que mostrem perseguição a outros brasileiros também — afirmou.

Ou você combate e assume os riscos inerentes a esse combate, porque você está lidando com criminosos, ou você faz o que a tradição brasileira recomenda: “não mexe com isso que vai acabar pegando em você”.

[Comentário meu] O prefeito Haddad não tem se furtado a esclarecimentos sobre sua atuação e a reiterar a autonomia da Controladoria para investigar a "quadrilha do ISS". É o prefeito de turno e não poderia furtar-se a essa obrigação, embora a responsabilidade sobre essa ação criminosa tenha origem em cargos de confiança firmados por prefeitos anteriores, Kassab e José Serra. A mesma carga de questionamentos não parece recair sobre estes ex-prefeitos. O nome de Haddad tem ganhado capas da imprensa nacional. Outros nomes permanecem nas sombras.

Abaixo, a entrevista concedida a Bob Fernandes, para o Terra Magazine:

"Minha mãe (Norma Thereza) me liga todos os dias, preocupada, não entende como eu sigo tranquilo. Acha que eu estou alienado…" conta, relaxado e sorrindo, Fernando Haddad, o prefeito de São Paulo.

A mãe do prefeito se preocupa com o olho do furacão em que o filho de 50 anos se meteu ao criar uma Controladoria Geral do Município e, assim, destampar os esgotos do propinoduto na cidade.

Montada no setor de recolhimento de impostos como o ISS (Imposto Sobre Serviços) e, ao que parece, também do IPTU, a gatunagem é calculada em, pelo menos, meio bilhão de reais.

Por conta de investigação iniciada pela Controladoria criada por Haddad foram presos – depois soltos – quatro auditores fiscais.

São eles: Ronilson Bezerra de Rodrigues, ex-subsecretário da Receita e segundo na hierarquia do ex-secretário das Finanças Mauro Ricardo, isso no governo de Gilberto Kassab; Eduardo Barcelos, ex-diretor de arrecadação; Luis Alexandre Cardoso de Magalhães, ex-agente de fiscalização e Carlos Augusto Di Lallo do Amaral, ex-diretor da Divisão de Cadastro de Imóveis.

O furacão já engoliu, inclusive, o secretário de governo de Haddad, o vereador Antonio Donato (PT), que deixou o cargo na terça-feira (12), depois de acusado por um dos quatro fiscais presos de ter recebido R$ 200 mil para campanha.

Começo da manhã da quinta-feira (14). Posto diante dos fatos, a cada resposta o prefeito avança, avisa a quem quer que seja que não cederá, não mudará o rumo das investigações no que depender dele:

- (…) não há como recuar e não haverá recuo, porque é uma decisão que foi tomada ‘a priori’, não ‘a posteriori’ dos acontecimentos. Foi tomada no momento da criação da Controladoria. Acontecesse o que acontecesse, não haveria recuo [nos poderes e independência da Controladoria].
E os riscos embutidos? E se isso, por fato ou em meio à guerra de versões chegar a mais gente do partido, além de Donato?

Haddad, por mais de uma vez na conversa lembra que Donato foi um dos responsáveis pela criação da Controladoria e que, portanto, o próprio secretário poderia ter freado as apurações. E segue em frente:

- O combate a corrupção, que todos dizem desejar, fica numa condição subalterna às conseqüências imprevisíveis e não controláveis do processo, que pode envolver nome de pessoas, inclusive, inocentes, próximas ou não…

- O combate a corrupção no Brasil não é sincero… não existe combate a corrupção que seja indolor. Você imaginar que o crime não vai reagir? Imaginar que eu, por exemplo, não sabia que o crime reagiria? É ingenuidade…

O prefeito foi surpreendido pela extensão da teia de corrupção? Pela pronta resposta, não, e a Controladoria nasceu também como consequência do que já se sabia e se imaginava:

- (…) a situação de descalabro me foi relatada ainda durante a campanha…
Como agir diante de duas frentes?

Em uma das frentes se plantam dúvidas sobre quem investiga e quem é investigado, sobre o que se passou nas gestões anteriores e o que se passa nos 11 meses da atual gestão. Em outra frente, as críticas, quase sempre nos bastidores, plantadas por setores do próprio partido, o PT. Murmura-se “ingenuidade”, “açodamento”, vaza-se a significativa expressão “cuspir para cima”. O prefeito não escapa do tema, e avança mais uma vez:

- Uma afirmação como essa desmerece o próprio jornalismo. Um analista ou jornalista que diz isso desmerece, de certa maneira, a própria profissão. Porque é tão claro que há efeitos colaterais imprevisíveis de uma determinação de apurar fatos escandalosos como esse… E como se sabe, também, no curso das investigações até mesmo pessoas que não estão envolvidas podem pagar um preço alto até demonstrarem que não tem nada a ver com o episódio (…)

-(…) das duas uma: ou você combate e assume os riscos inerentes a esse combate, porque você está lidando com criminosos, ou você faz o que a tradição brasileira recomenda: ‘não mexe com isso que vai acabar pegando em você’.

Tenho notado nos discursos do senhor uma queixa entre o descompasso do que está sendo apurado e o que tem sido divulgado em parte da mídia. Estou equivocado?
Desde que bem situada a afirmação, ela tem procedência. Na verdade, o que às vezes eu noto é que o combate à corrupção, que todos dizem desejar, fica numa condição subalterna às conseqüências imprevisíveis e não controláveis do processo, que pode envolver nome de pessoas, inclusive, inocentes. Próximas ou não.

Leio em jornais, ouço que “o prefeito está cuspindo para cima", e que isso "vai acabar envolvendo alguns dos seus"…
Acho que uma afirmação como essa desmerece o próprio Jornalismo. Um analista ou jornalista que diz isso desmerece, de certa maneira, a própria profissão. Porque é tão claro que há efeitos colaterais imprevisíveis de uma determinação de apurar fatos escandalosos como esse… E, como se sabe também, no curso das investigações até mesmo pessoas que não estão envolvidas podem pagar um preço alto até demonstrarem que não tem nada a ver com o episódio… Então, das duas uma: ou você combate e assume os riscos inerentes a esse combate, porque você está lidando com criminosos, ou você faz o que a tradição brasileira recomenda: “não mexe com isso que vai acabar pegando em você”.

Ou seja: ao mesmo tempo se cobrar investigação contra a corrupção e apontar para os riscos políticos da operação?
O combate a corrupção no Brasil não é sincero. Não existe combate a corrupção indolor. Você imaginar que o crime não vai reagir? Imaginar que eu, por exemplo, não sabia que o crime reagiria? É ingenuidade. A reação pode ser uma armação, uma retaliação, pode ser uma ilação. Nós sabemos de tudo isso. Sabemos que quando o crime é coagido ele vai disparar sua defesa. Não vão ser balas de chumbo, mas serão balas simbólicas, que podem ferir reputações. Qual é a alternativa a isso? A alternativa é fazer o que a péssima tradição brasileira recomenda, o que recomendam as chamadas raposas: não mexer!

Mas, lemos, ouvimos, e também se sabe que setores do seu próprio partido, o PT, têm recomendado “cautela”, porque “esse escândalo pode sair do controle”. Isso é fato? E o senhor pretende contrariar o partido e continuar avançando nas investigações?
Primeiro: quando você toma a decisão de criar uma Controladoria é um caminho sem volta. Por quê? Porque você sinaliza para sociedade que tem um órgão de fiscalização 100% autônomo, o que não é comum na tradição da política brasileira.

Mas há quem crie a Controladoria e controle o controlador…
Mas aí eu não teria chamado quem chamei. Que era o Secretário Nacional de Combate à corrupção, o Mário Vinicius Spinelli, e que foi indicado pela Controladoria Geral da União (CGU), por ter mais de dez anos de serviços prestados de combate à corrupção no País. A CGU deve ser considera um dos grandes legados do governo Lula em relação ao tema corrupção. Não criar a Corregedoria à imagem e semelhança da CGU seria negar um dos valores que nós defendemos na esfera federal.

Não há como recuar?
Não há como recuar. Porque é uma decisão que foi tomada ‘a priori’, não ‘a posteriori’ dos acontecimentos. Ela já foi tomada no momento da criação. Acontecesse o que acontecesse, não haveria recuo [nos poderes e independência da Controladoria]. A decisão de que não haveria recuo foi tomada antes das investigações. Agora é o seguinte: ou se chega a conclusão que a Controladoria é uma coisa boa para um Estado, uma cidade ou um País, ou o que vai acontecer, sobretudo se os analistas continuarem avançando na direção incorreta? Ao invés da Controladoria ser tido como um bom exemplo para ser disseminado pelo país, será considerado um gesto de “ingenuidade política”. E não recomendável para as “raposas tradicionais”. Só os “ingênuos” vão seguir o exemplo de São Paulo. É um paradoxo que a própria imprensa esteja fomentando esse próprio tipo de análise.

É inevitável que isso esbarre em financiadores de campanha tradicionais como, por exemplo, grandes construtoras. E aí, como é que vai ser?
Essas coisas precisam ser bem discernidas. Uma coisa é, diante da lei eleitoral, cuja mudança eu defendo. Sou contra o financiamento empresarial para campanha. Acho que o financiamento tem que ser ou do cidadão, ou do fundo partidário. Com a lei em vigor, isso se torna uma espécie de ‘Lei Rouanet da Política”. Os aportes são das empresas privadas. Ou seja, você ganha em relacionamento e acesso. Mas isso não tem nada a ver com uma empresa que buscou acesso para se beneficiar e pagar menos, como aconteceu nesse episódio do ISS.

O público, os cidadãos terão acesso aos nomes das empresas beneficiadas pelo esquema dos fiscais do ISS?
Há um calendário da Secretaria de Finanças, que é o pedido de reapresentação dos documentos emitidos por essa quadrilha. E que pode resultar em prejuízos para o erário. E imagina-se que deve ter tido todo tipo de situação, desde empresas que pagaram o imposto devido e continuaram sendo chantageadas pela quadrilha para ter o processo agilizado, até a empresa que, diante das circunstâncias, se aproveitou [do esquema] para pagar menos.

Quase todos principais assessores do ex-secretário Mauro Ricardo foram ouvidos ou citados em gravações. Há justeza de tratamento em relação a isso, inclusive na mídia?
O Ministério Público tem sido muito correto no tratamento dispensando ao tema. Hoje mesmo li uma entrevista do promotor Bodini que quer ouvir o ex-secretário, em função dos fatos revelados. Já que era aqui, no prédio da Prefeitura, que o dinheiro chegava. Ele age corretamente. Porque tem que ouvir todo mundo. Não posso dizer que esse é o maior escândalo, porque em São Paulo não se sabe. Mas…

O Senhor sabe onde isso vai chegar? O IPTU seria outro tanto?
Acho que a relação de R$500 milhões está correta, não iria muito além disso. Porque tem relação com o patrimônio dos acusados revelado até aqui, que é na ordem de R$80 milhões, fora as contas no exterior. O prejuízo não pode ser, ao menos, menor que R$300 e R$400 milhões. Entendo que seja uma quadrilha que se formou para enriquecer. Ainda acho que o vínculo dessa quadrilha com a Política não foi esclarecido. Pode ser uma quadrilha que quis enriquecer se valendo de amizades e relacionamentos.

Há um ano e meio eu mesmo, um repórter, recebia informações de comerciantes e empresários sobre a esculhambação nas subprefeituras. Eles reclamavam que não conseguiam nada sem ter que pagar propina. É possível o ex-prefeito não ter tomado conhecimento disso?
Essa situação foi relatada ao longo da campanha, de que havia uma situação de degradação na Prefeitura. Não estou dizendo quem está envolvido, não é isso, porque nós criamos a Controladoria para tentar resolver. Esse é o marco.

Não é muito ampla a corrupção? O sehor não tem medo que a administração municipal fique paralisada?
Você tem que ter método para isso. Qual foi a ação da Controladoria esse ano? Nós efetuamos algumas prisões em flagrante até junho. E não havia como controlar isso. Porque o empresário chegava aqui dizendo que estava sendo achacado. E era o caso de fazer o flagrante com o apoio da Polícia Civil. Foram feitos, se não me engano, cinco flagrantes. São casos pequenos, mas simbólicos e paradigmáticos. Porque é aquela corrupção miúda, que degrada todo o ambiente da cidade. Então, houve uma ação forte e, desde março, nós estamos focados nessa quadrilha [do ISS], porque era uma situação grave. Dinheiro grosso e não miúdo.

O que tem de fato, de verdadeiro, na tentativa do PT, ou mesmo do ex-presidente Lula, de intervir nesta crise?
O presidente Lula só conversou comigo sobre isso uma vez. Ele fez um comentário, único, de ‘nós reclamamos da Corregedoria que paralisa o governo, mas ela faz muito bem para o Brasil’, se referindo à CGU. No Ministério da Educação tive o privilégio de conviver com a Controladoria, que parece dificultar a administração num primeiro momento, mas você sabe que, no médio e longo prazo, os ganhos são inestimáveis. Tendo vindo da experiência federal e tendo ouvido o que se ouvia na cidade, não tinha como não criar a Controladoria Municipal.

Mas há conversas no partido sobre isso. Esses que o senhor chama de “as velhas raposas” não querem colocar panos quentes?
Para mim nunca foi feita nenhuma referência direta. As pessoas que mais deram impulso à criação da Controladoria, criando condições materiais para que isso acontecesse, foram, antes de mais ninguém, o próprio Donato e …havia três pessoas na administração que poderiam colocar fim nessas investigações: o Controlador, eu e o ex-secretário Donato. Eram as únicas três pessoas que poderiam comprometer o sucesso. E o Donato não o fez. A Controladoria era hospedada na Secretaria de Governo, a dele, antes de virar lei.

Mas, do ponto de vista político, o senhor não acha que ele poderia ter se afastado antes que a crise crescesse? O custo para o senhor e seu governo não seria menor?
Não acho… É difícil saber. Futuro do pretérito é difícil em política.

Uma porção importante de integrantes do partido, o PT, está sendo presa nesses dias, por envolvimento no chamado “mensalão”. Enquanto outra, está que o senhor representa, está agora investigando e levando às prisões. São dois movimentos distintos. O PT não teria que apoiá-lo acintosamente?
O que mais me entristece é ver um jovem rejeitar a política por considerações de natureza moral e ética. Para mim, as Artes, a Ciência e a Política são as três áreas em que o ser humano consegue inovar. A vida inteira acreditei nessa três esferas de valor, que são expedientes de grandes transformações sociais que têm repercussão universal. Quando vejo alguém rejeitar a política, me causa um desconforto enorme. Então, nós devemos isso. Sem entrar em julgamentos, nós, da nova geração da política, devemos isso, o resgate dos valores éticos, morais.

Diante dos fatos, sem fazer julgamentos, como diz o senhor, essa ação do PT, do prefeito aqui em São Paulo seriam um momento e movimento contrários, opostos ao de setores do PT que foram julgados na prática?
Vamos abstrair um pouco os indivíduos e pensar no governo Lula do ponto de vista institucional. O impulso que o governo Lula deu para a autonomia da Polícia Federal, do Ministério Público e da Controladoria Geral, ninguém fez. O Lula não nomeou nenhum engavetador. Sempre o primeiro da lista tríplice da própria carreira. A Polícia Federal chegou a investigar o próprio irmão dele. A autonomia que o Jorge Hage (CGU) tem, assim como o nosso controlador… Ele, Hage, não despacha com a presidente. O plano de trabalho dele é totalmente independente e não discute com o executivo, como se fosse um plano de governo. Não se cobra satisfações do Hage ou do Spinelli. Isso não existe. O impulso que foi dado. Os próprios ministros do STF, gostem deles ou não, foram em maioria indicados pelos governos Lula e Dilma. E estão fazendo trabalhos independentes.

O que se pretenderia seria o combate a corrupção sem ‘erros políticos’?
É a máxima brasileira de todos os tempos. ‘Nós exigimos de você uma revolução, desde que você não mexa em nada’. Essa é a máxima do Brasil. Existe um pensamento conservador de que tudo tem que mudar para que tudo permaneça como está.

Giuseppe Tomasi di Lampedusa?
Isso mesmo. Mudar tudo para que tudo fique como está.

Já tem algum substituto para o Donato?
Vou esperar até o final de semana para conversar com algumas pessoas. É um cargo muito chave para a Prefeitura.

O mundo político espera que, em algum momento, as ações da Corregedoria parem. Até onde o senhor vai com um ano eleitoral pela frente?
Nós colocamos um processo em andamento. Ele tem uma dinâmica própria e não haverá recuo. O grande mérito da Controladoria é que ela não pode ser controlada por mim. E não será. Todo mundo tem interesse que a verdade venha a tona.

O que lhe causou espanto no descompasso dessa cobertura?
Se o que se deseja mesmo é chegar aos esclarecimentos dos fatos, há procedimentos que precisam ser corrigidos. Como por exemplo, a capa da Folha da última sexta-feira. Entra para a história das “grandes capas”, junto com a ficha falsa da Dilma. Vai se situar na história na mesma configuração, do mesmo capítulo do que é possível se produzir no Brasil em termos de distorção. A própria ombudsman do mesmo jornal, e é bom e justo que isso também seja ressaltado, analisou isso no último domingo.

O ex-governador e ex-prefeito José Serra disse, na semana passada, que “foram descobertas denúncias gravíssimas” e que “é inegável que há confronto entre partidos, na tentativa de usar isso como marketing político”. O senhor acha que é isso que ocorre?
Se isso estiver acontecendo, eu só lamento. Porque numa “batalha de marketing”, a única vítima é a verdade.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Adeus jornais impressos

Por Cynara Menezes

Caí de amores pela Folha de S.Paulo aos 17 anos, em 1984, quando entrei na faculdade e o jornal apoiou a campanha pelas Diretas-Já. Até então, menina do interior da Bahia, não conhecia bem a grande imprensa. O jornal que estampava em sua primeira página o desejo de todos nós, brasileiros, de votar para presidente, me cativou. Como para vários da minha geração, trabalhar na Folha se tornou um sonho para mim.

E de fato trabalhei no jornal, entre idas e vindas, quase 10 anos. Tive espaço, ótimas oportunidades, conheci de perto figuras incríveis: Ulysses Guimarães, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Leonel Brizola, Lula. E principalmente: na Folha escrevi como quis –ninguém nunca mudou meu texto e jamais adicionaram nem uma frase sequer que eu não tenha apurado, ao contrário do que viveria nos oito meses que passei na Veja (leia aqui).

Em 2009 meu respeito pela Folha morreu. Naquele ano, o jornal publicou um artigo absolutamente execrável acusando Lula de ter tentado estuprar um companheiro de cela, um certo “menino do MEP” (antiga organização de esquerda), quando esteve preso, em 1980. Qualquer pessoa que lê o texto percebe que Lula fez uma brincadeira (de mau gosto, ok), mas o autor do artigo não só levou a sério, ou fez de conta que levou a sério, como convenceu o jornal a publicar aquele lixo.

Como eleitora de Lula, aquilo me incomodou. Por que nunca fizeram algo parecido com outro político? Por que o jornal jamais desceu tão baixo com ninguém? Apontar erros, incoerências, fazer oposição ao governo, vá lá. Dizer que Lula estuprou uma pessoa! Por favor. Me pareceu que alguém na direção do jornal estava sob surto psicótico ao permitir que algo assim fosse impresso. Vários amigos da Folha me confidenciaram vergonha e indignação com o texto.

Continuei a ler o jornal nestes últimos quatro anos mais por hábito do que por outra coisa. Quando veio o editorial em que a ditadura foi chamada de “ditabranda” não fiquei surpresa. Quando a Folha publicou a ficha falsa da candidata Dilma Rousseff no DOPS quando atuou na luta armada, tampouco. A minha própria ficha já tinha caído, lá atrás. O jornal a favor das Diretas-Já deixara de existir –ou será que nunca existiu? Afinal, antes disso a Folha havia apoiado o golpe militar. Terei eu caído num golpe –de marketing?
Hoje, 24 de outubro de 2013, tomei a iniciativa de cancelar minha assinatura da Folha de S.Paulo. O jornal acaba de contratar dois dos maiores reacionários do País para serem seus “novos” colunistas. Não é possível, para mim, seguir assinando um jornal com o qual não tenho mais absolutamente nenhuma identificação. Pouco importa que minha saída não faça diferença para o jornal: é minha grana, trabalho para ganhá-la, não vou gastá-la em coisas que não valem a pena. O mundo não é capitalista? Pois não quero, com meu dinheiro, ajudar a pagar gente que me causa vontade de vomitar.

O mais triste é que, ao deixar de assinar a Folha, deixo também de ler jornais impressos. Nenhum deles me representa. Esta é literalmente uma página que viro, dá a sensação de que perdi um amigo querido. Mas a vida é assim mesmo: às vezes amigos tomam rumos diferentes. Sem rancores.

Proibir desabrochar


De Gabriela Mureb, de seu blog

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Menos, médicos... menos arrogância.

Médicos são orientados a pedir votos de pacientes contra Dilma

Associação insiste em proibir trabalho de profissionais estrangeiros
Leticia Fernandes, de O Globo


Em reação à aprovação da medida provisória que criou o programa Mais Médicos, as entidades que representam esses profissionais de Saúde preparam uma ofensiva nacional na campanha de 2014 contra a presidente Dilma Rousseff, sobretudo na população de baixa renda. Segundo o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Florentino Cardoso, a maior parte dos médicos vai influenciar o eleitorado de forma indireta, sem recorrer à participação partidária. Para ele, o importante é marcar uma posição antigoverno.

— Um número muito grande de médicos que nunca se envolveu em eleições está determinado a se envolver, mas influenciando, não se candidatando. É muito comum os pacientes perguntarem para a gente, em período eleitoral, em quem vamos votar, principalmente nas regiões menos favorecidas. Há um movimento grande da classe médica para participar da política dessa forma. Não é o candidato A ou B, o sentimento é escolher um candidato que, certamente, não será a presidente Dilma — disse.

Além de criticarem a possibilidade de médicos formados no exterior trabalharem no país sem o Revalida (exame que comprova a capacitação profissional), as entidades médicas são contra a possibilidade de o governo conceder registros provisórios aos médicos, o que antes era atribuição dos Conselhos Regionais de Medicina.

Além disso, há um movimento de filiações em massa dos médicos a partidos de oposição, principalmente ao PSDB e ao DEM. Segundo a AMB, pelo menos 300 médicos já se filiaram ao PSDB do Ceará, a convite do ex-senador tucano Tasso lereissati (CE). No Mato Grosso do Sul e em Goiás, o DEM já articula um número grande de filiações até novembro. O deputado Luiz Henrique Mandetta (MS) trabalha junto ao líder do partido na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), para fazer um ato político e filiar, em um dia, cerca de mil profissionais.

— A gente está preparando uma data para fazer um bloco, a gente quer fazer um barulho num dia só. Estou preparando um ato político, para fazer essa marca histórica, estamos numa agenda política muito intensa. Ele (o governo federal) acabou fazendo um favor, que é unir politicamente a classe médica, algo impensável anos atrás — afirmou Mandetta.

Segundo avaliações do presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fe-nam), Geraldo Ferreira Filho, a classe médica tem capacidade de movimentar 40 milhões de votos em 2014, partindo do cálculo de que cada um dos 400 mil desses profissionais no país influencie cem pessoas, entre pacientes e familiares:

— Claro que o sentimento dos médicos é antigoverno, isso é visível. Hoje, a olhos vistos, 90% dos médicos são oposição ao governo. A impressão é que os médicos têm influência de até 40 milhões de votos. Claro que não é obrigado a transformar em voto, mas é área de influência.

Sobre a disputa em São Paulo, que tem o ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT), como pré-candidato ao governo do estado, Cardoso afirma que haverá oposição direta ao nome dele:

— Em relação ao candidato de São Paulo, é (contra) a pessoa dele, Alexandre Padilha, rejeição absoluta à pessoa dele e ao partido. Quando conversamos com ele, foi um monólogo, uma conversa de surdo e mudo, eles não levam em consideração nada do que falamos.

Por e-mail, Padilha comentou as declarações do presidente da AMB:

— Lamento a truculência e a arrogância de grupos isolados que se posicionam contra o programa, e a atitude do presidente de uma entidade médica de fazer esse movimento após o debate do Mais Médicos, que foi pedido por prefeitos de todos os partidos, inclusive do PSDB. Sou médico, tenho orgulho da minha profissão, mas estou ministro da Saúde e tenho de agir com foco nas necessidades da população brasileira.

O líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), ironizou a articulação das entidades médicas e disse que o PSDB no Ceará é "uma espécie em extinção":

— Você acha que o Ceará vai votar em médico contra o programa? O PSDB no Ceará é uma espécie em extinção.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A luta do Teatro Oficina

Deputados pedem reconsideração da decisão sobre Oficina

Os deputados João Paulo Rillo (PT), Beto Trícoli (PV), Leci Brandão (PCdoB), Carlos Neder (PT) e Carlos Giannazi (PSOL), membros da Comissão de Educação e Cultura, apresentaram à presidência do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), em 3/10, requerimento para que o órgão reconsidere a decisão favorável à instalação de empreendimento imobiliário no entorno do Teatro Oficina.

No requerimento, os parlamentares pedem “a adoção de critérios de maior relevância para que se resguarde ou garanta efetiva proteção a um patrimônio cultural não apenas da cidade e Estado de São Paulo, mas também do Brasil, que é o Teatro Oficina. Tais critérios (de maior relevância) repousam na própria história do Teatro Oficina, desde o seu nascedouro até o presente momento, e ainda nos reflexos que o mesmo produziu e ainda produz no meio cultural, artístico, político e social de nosso país”.

O fundador do Teatro Oficina, José Celso Martinez Corrêa, e o deputado Rillo conseguiram o apoio da Comissão de Educação e Cultura para debater o tema em audiência pública. Rillo, junto com outros deputados, é autor de dois projetos sobre o Oficina: um (com Giannazi) declara o teatro patrimônio cultural imaterial do Estado de São Paulo; o outro, com Giannazi e Leci, autoriza o Poder Executivo a desapropriar o terreno anexo ao oficina para fins socioculturais.

Atrizes de luto? Viva Norma Bengell!



As atrizes Tônia Carreiro, Eva Vilma, Odete Lara, Norma Bengell e Ruth Escobar em passeata contra a censura (atrás de Ruth, o crítico de arte Mário Pedrosa), Correio da Manhã, 1968

Em tempo, nota do portal GGN: trata-se da "famosa foto de uma passeata contra a ditadura militar, utilizada pela presidente Dilma quando em campanha eleitoral. A atriz aceitou o uso da imagem e considerou como normal, já que fazia parte de um grande movimento em que todos participaram".

O derrubador brasileiro (1879), de Almeida Júnior


Museu Nacional de Belas Artes

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Chico Buarque, Maria Bethânia e... Nara Leão, interpretando "Cantores do rádio"





Marilena Chauí: defendendo a política para além do cartaz

Trecho de entrevista da Marilena Chauí, de agosto, falando sobre Reforma Política, manifestações, governo e redes sociais.

Juvenal Savian Filho – O que você diz sobre as críticas ao governo do PT?

Marilena Chaui - Vamos começar pela questão da moralidade. Quando houve a crise do Mensalão, escrevi um artigo para a página 3 da Folha de São Paulo (foi meu último artigo para a Folha), em que eu dizia o seguinte: uma visão moralista fala de ética na política. Uma visão efetivamente ética tem que falar em ética da política. A ética na política é a transposição de valores privados para o espaço público; a ética da política é a criação de instituições que tenham valores democráticos e republicanos. Faz mais sentido defender a ética da política, porque se há boa qualidade das instituições, não vai poder haver corrupção, pois a corrupção decorre das péssimas qualidades das nossas instituições, que não são verdadeiramente republicanas nem verdadeiramente democráticas. Eu dizia, naquele artigo, algo que tenho dito desde 1994: que era necessário fazer uma reforma política. Nós herdamos da ditadura o pacote de abril de 1975 do general Golbery (do Couto e Silva). Esse pacote, que transformou os territórios em estados, dividiu o Mato Grosso, dividiu o Piauí, o Pará, enfim, rearrumou o país, tinha como finalidade garantir a maioria para a ARENA e impedir a ação política do MDB. Dessa decisão vieram os casuísmos, o sistema eleitoral e a forma completamente absurda da representação dos estados que não leva em conta a densidade demográfica de cada estado da federação. Um dos articulistas da Folha respondeu, dizendo que eu era fisiológica com relação ao PT e que eu era uma comadre do governo. Nunca mais escrevi na Folha. Então, desde 1994 e 2004 eu bato na tecla da reforma política. Por outro lado, me chamar de fisiológica é muito engraçado, porque nunca tive cargo no partido. Ocupei a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo no governo da Erundina (aliás, eu havia recusado, explicando a ela que não podia, não devia nem queria o cargo; mas ela foi mais persuasiva…). Quando me perguntam: “Você tem uma ideia do que poderia ser o inferno?”, digo: “Sim. A Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo”. Essa experiência foi para mim uma violência metafísica. Não tenho cargo em governos. Não tenho cargos no PT. Não represento nenhum político de coisa nenhuma. Eu sou fisiológica no quê? Isso é o que eu chamo de abominação cognitiva, que significa ausência de análise e uso de uma expressão qualquer que não designa realidade nenhuma. Quer dizer, fisiológica no quê? Nas surras políticas que eu levo? Porque o que eu apanho por ser petista e defender o PT e o governo não está no gibi! Já me chamaram de tudo. Só não fui chamada de santa, querubim e duende. Então, é fisiologismo que eu tenha princípios políticos e que os defenda como tais? A minha questão com relação à moralidade é: o sistema gerado pelo general Golbery, que organiza os sistemas partidário e eleitoral, impede que qualquer governante eleito para o poder executivo possa governar só com o seu partido e o obriga a fazer coalizões que destroem a estrutura partidária, os programas e metas, levando a uma perda de identidade. O exemplo que eu costumo dar é o caso da Luiza Erundina. Era um governo do PT e do PCdoB. Só. Não tinha coalizões nem “base aliada”. Mas, quando ela deixou a Prefeitura, haviam ficado parados na Câmara Municipal 325 projetos de lei, a tarifa zero não passou, e uma série de propostas que foram votadas não foram aprovadas. Alguns políticos influentes pagavam os vereadores. Eu não vou dizer o nome deles, mas vou contar um episódio: quando Erundina apresentou seu primeiro projeto, o José Eduardo Martins Cardoso (atual ministro da Justiça), que era o chefe de gabinete, foi negociar com os vereadores. Havia um vereador, tradicional na casa, que falava pelos outros… Ele fez a seguinte pergunta: “Mas, secretário, o senhor não trouxe a maleta?”. O secretário disse: “Qual maleta?”. Ele falou: “A maleta para a gente negociar. Tem um cara aí que já ofereceu para cada um de nós 10 mil dólares. A prefeita cobre?”. Evidentemente, como a prefeita não “cobria”, tivemos 325 projetos de lei que não foram discutidos nem votados. Nós governamos com a cara e a coragem. Ela não conseguiu nenhum empréstimo federal, nenhum empréstimo estadual e bloquearam os pedidos de empréstimos internacionais. Ela governou com os impostos de uma prefeitura que tinha sido quebrada pelo Jânio Quadros. O atual sistema partidário e eleitoral faz com que nenhum eleito para o executivo disponha de maioria no legislativo. Ora, a maioria de projetos e programas precisa de um legislativo que os aprove. Com o sistema atual você é forçado às coalizões. Então, precisamos fazer a reforma política. Mas quando alguém propõe uma Constituinte Específica para isso, o que o PSDB diz? Que é golpe! Ele não quer que mude o sistema político! Vem dizer que a corrupção está do nosso lado quando eles não querem a mudança do sistema político? Além do que, com esses legislativos que estão aí, quem vai fazer a reforma política? Tem de haver uma Constituinte Específica. A arrogância moralista não faz uma análise de por que o sistema partidário e o sistema eleitoral são como são. Por que a classe média não saiu às ruas numa manifestação nacional para derrubar o general Golbery e o Pacote de Abril, já que ela quer a ética na política?  Não vi nenhum deles na rua. Não ouvi um só grito da parte deles. E agora eles gritam contra o efeito daquilo que o Golbery fez como se fosse obra do PT. E não querem que eu fale em abominação política e cognitiva?
Um outro aspecto é a crítica que a esquerda também faz ao governo e ao PT. Por que há, por exemplo, tanta crítica do PSTU, do PSOL e de outros partidos de esquerda?
Vou fazer uma distinção entre pensamento mágico e situação efetiva de vários partidos de esquerda. Começo pelo pensamento mágico. Estive em um debate em que uma participante propôs o programa mínimo para os próximos dias: tirar todos os evangélicos dos legislativos, tirar a Dilma, estatizar os bancos, estatizar as empresas multinacionais e aproveitar a crise mundial do capitalismo, que possivelmente é a última. No caso dos mais velhos, porém, o pensamento mágico é irresponsabilidade política. É importantíssimo que a sociedade faça críticas e leve o governo em direção à esquerda. O Lula e a Erundina diziam isso: “Para poder governar eu preciso dos grandes movimentos sociais puxando para a esquerda”. Ora, com uma ação e um pensamento mágicos, em vez de você puxar para a esquerda e forçar os governos a ir nessa direção, você levanta uma barreira que faz com que ninguém queira ir na sua direção porque ela é tão absurda, irresponsável e ingênua, que ninguém leva a sério. Passo à questão dos vários partidos de esquerda menores (em termos de número de filiados e de representantes eleitos). Esses partidos não possuem uma base social sólida que lhes dê uma clara representação nacional. Por isso, existem principalmente sob a forma do discurso intempestivo. Se você perguntar qual é a ação política efetiva que eles realizaram ou que estão realizando, e de alcance nacional, não há nenhuma. Se estivéssemos numa ditadura e eles não pudessem agir, eu calaria minha boca imediatamente. Mas nós estamos numa democracia; portanto, eles podem agir. Mas sua ação é pontual, fragmentada e tem a finalidade (justa e necessária) de marcar presença. Por que isso? Porque é a única forma de aparecer no cenário nacional. Se você tomar os meios de comunicação, vai ver uma coisa interessantíssima. Quando, em termos eleitorais, se achou que Heloísa Helena tinha alguma possibilidade de impedir a eleição da Dilma, os meios de comunicação a promoveram de todas as maneiras, até o instante em que ela fez bobagem, porque ela é despolitizada. Passaram então para Marina. Tentaram usá-la. E quando perceberam que a Marina não ia dar conta, a abandonaram também. Então, há uma espécie de exército político de esquerda que funciona como um exército de reserva que as oposições e a mídia instrumentalizam e, depois de usar, esvaziam.
Como você vê o elogio dos movimentos sociais e das lideranças individuais, feito por alguns intelectuais que defendem a superação do modelo partidário?
Eu acho que falta uma verdadeira análise econômica, uma verdadeira análise de classe e uma verdadeira análise do que seja a democracia. Se você não faz uma análise da forma da propriedade, com base na qual você pode pensar a divisão social; se não pensa a sociedade como contraditória e conflituosa; e, sobretudo, se não pensa como exercício de poderes tácitos e implícitos, nunca vai poder operar no campo político. Porque vai operar no campo político sob a forma da explosão espontânea disto ou daquilo. Como é que se garante a vida de coletividades inteiras, a vida de um país inteiro, à espera de que aqui e ali, como cogumelo, brote um líder que fale isso, outro que fale aquilo? Mas não é só isso! Quem vai realizar o que deve ser realizado? Eu posso sair pela rua e dizer: “É o seguinte: amanhã não quero latifúndio no Brasil, não quero agronegócio e quero o fechamento dos bancos. Ponto”. Aí, eu vou nas redes sociais e conclamo o país para ouvir a minha voz nessa direção. OK. Todo mundo aprova. Mas quem executa? Esses elogios são de uma cegueira muito grave, porque há um universo que é composto pela propriedade, pelas classes sociais e pelas institucionalidades. Como é que se vai operar sem isso? Você pode transformar tudo isso numa outra direção, mas não pode dizer que você vai operar sem isso. Você não está em Atenas! Você não está em Roma! Até Roma virou Império e Atenas teve os 30 tiranos! Eu insisto que precisamos compreender o sistema planetário de controle e vigilância postos pela web e pela internet, no qual o centro está em toda parte e a circunferência em nenhuma, disseminado numa infinidade de máquinas pelo mundo, formando, como explica Paul Mathias, uma nebulosa informacional amplamente insondável, diversamente organizada, às vezes aberta e disponível, mas frequentemente fechada e secreta. A internet nasce numa infraestrutura econômica que ela mantém invisível, aparecendo como um ambiente universal de informação e comunicação globalmente uniforme. Ora, nossa experiência reticular está circunscrita a um número restrito de programas aplicativos que permitem as múltiplas operações desejadas em um número limitado de gestos previstos e uniformes em todo o planeta, sem que tenhamos a menor ideia do que são e significam os protocolos informáticos que empregamos. Ignoramos os procedimentos operatórios que a criaram e a conservam, as leis de sua formação e configuração, sua arquitetura funcional. Por isso, não é possível celebrar as redes sociais como libertárias em si e por si mesmas, dispensando as mediações políticas.

domingo, 6 de outubro de 2013

Menino sentado (1945), de Portinari



25 anos da nossa Constituição

Iolando Lourenço e Ivan Richard, da Agência Brasil

Brasília - “Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil”, disse há 25 anos o então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, ao promulgar a nova Constituição Federal, em vigor até hoje. O Brasil rompia de vez com a Constituição de 1967, elaborada pelo regime militar que governou o país de 1964 até 1985.

O trabalho que resultou na “Constituição Cidadã” começou muito antes da Assembleia Constituinte e o fim da ditadura. A luta para acabar com o chamado “entulho autoritário” ganhou força com a derrota da Emenda das Diretas-Já, ou Emenda Dante de Oliveira, rejeitada por faltarem 22 votos, no dia 25 de abril de 1984.


Passadas duas décadas dos militares no Poder, com a restrição de vários direitos e depois da derrota na votação que instituiria o voto direto para presidente da República, lideranças políticas, como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Luiz Inácio Lula da Silva, Miguel Arraes, Fernando Henrique Cardoso e muitos outros percorreram o Brasil para tentar unir a sociedade com o ideal de pôr um fim ao regime autoritário.

Com a impossibilidade de eleições diretas, o então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, passou a articular a disputa da eleição presidencial no Colégio Eleitoral, formado por deputados e senadores. Até então, só os militares participavam do processo. Tancredo convenceu os aliados, deixou o governo de Minas e se tornou o candidato das oposições. Uma das suas promessas de campanha era a convocação da Constituinte. Na disputa, o ex-governador mineiro venceu Paulo Maluf, candidato oficial dos militares.

Com a eleição de Tancredo, estava cada vez mais próxima a possibilidade do país deixar para trás os anos de ditadura e avançar para o regime democrático. Mas o sonho, no entanto, se viu ameaçado com a impossibilidade de Tancredo tomar posse em 15 de março de 1985, em virtude de uma crise de diverticulite. Internado às pressas no Hospital de Base do Distrito Federal, o presidente eleito fez uma cirurgia de emergência. No dia seguinte à sua internação, subiu a rampa do Palácio do Planalto o vice-presidente José Sarney. Com a morte de Tancredo, em 21 de abril de 1985, Sarney foi efetivado e deu andamento ao processo de transição.

Em 28 de junho de 1985, Sarney cumpriu a promessa de campanha de Tancredo e encaminhou ao Congresso Nacional a Mensagem 330, propondo a convocação da Constituinte, que resultou na Emenda Constitucional 26, de 27 de novembro de 1985. Eleitos em novembro de 1986 e empossados em 1º de fevereiro de 1987, os constituintes iniciaram a elaboração da nova Constituição brasileira. Ao todo, a Assembleia Constituinte foi composta por 487 deputados e 72 senadores.

A intenção inicial era concluir os trabalhos ainda em 1987. No entanto, as divergências entre os parlamentares, especialmente os de linha conservadora e os considerados progressistas, quase inviabilizaram o resultado da Constituinte e provocaram a dilatação do prazo. Foram 18 meses de intenso trabalho, muita discussão e grande participação popular até se chegar ao texto promulgado em 5 de outubro de 1988, por Ulysses Guimarães. Foi a primeira vez na história do país que o povo participou efetivamente da elaboração da Constituição. Além da apresentação direta de sugestões, a população acompanhou da galeria do plenário da Câmara os trabalhos dos constituintes.

A participação popular neste momento histórico da política brasileira pode ser traduzido em números: foram apresentadas 122 emendas, dessas 83 foram aproveitadas na íntegra ou em parte pelos constituintes na elaboração do texto final da Constituição. As emendas foram assinadas por 12.277.423 de brasileiros.

sábado, 5 de outubro de 2013

Brasil, por Timothy Cummings




2013

AIDS, preconceito e política

Ao ler esta matéria, lembrei-me de alguns relatos sobre os anos 1980 no Brasil, em relação à AIDS. Primeiro, um impressionante relato presente nas correspondências de Caio Fernando Abreu: ele já apresentava sinais de adoecimento e seu médico (infectologista!), mas também amigos, o recomendavam  a não fazer o teste de HIV, como se fosse desnecessário (uma ignorância ativa). Segundo, da figura de Herbert Daniel, ativista de muito tempo, que esteve entre aqueles que perceberam que a epidemia de preconceito tinha potencial tão destrutivo quanto o próprio vírus. Contra o pano de fundo da condenação moral, a importância de Herbert Daniel (e outros) foi a de trazer o assunto para a dimensão política (ou, pelo menos, não deixar que ela fosse totalmente jogada na sombra).

AIDS in New York: The First Five Years
For those who lost partners, children, siblings, parents, and friends to HIV/AIDS in the later years of the twentieth century, the memory of grief, fear, and mystery which pervaded New York at the beginning of the epidemic remains vivid. But for many New Yorkers and others today, this early period from 1981 to 1985 is virtually unknown. The activist movements that changed the nation’s approach to catastrophic disease have overshadowed the panic of this period when a new and fatal enemy to public health was in its earliest stages and no one knew how to combat it.

A group advocating AIDS research marches down Fifth Avenue during the 14th annual Lesbian and Gay Pride parade in New York, June 27, 1983. Mario Suriani/Associated Press



terça-feira, 20 de agosto de 2013

Retrato de Lota Macedo Soares, por Cândido Portinari

Por Cândido Portinari



1940

"Flores Raras"...

[Comentário meu] Graças à força da história e das personagens, "Flores Raras" consegue superar debilidades do ponto de vista cinematográfico e, apesar da preocupação em tornar essa história palatável ao consumo de massa (e não é essa a única preocupação mercadológica de Bruno Barreto: atento a carreira internacional, o filme é 99% falado em inglês e seu trailer brasileiro, temendo afastar o público, enfatiza os únicos trechos falados em português; forçou referências a filmes de grande bilheteria; e tenta fazer um cálculo preciso e exagerado sobre as chances de faturar alguma estatueta do Oscar 2014), o filme resulta interessante. De certa forma, isso está na própria fala do diretor, quando em entrevistas sobre "Flores Raras", aponta similaridades entre seu longa e "O Beijo da Mulher Aranha", afirmando que não é só a qualidade que faz o sucesso de um filme, mas também o momento. Assim como nos anos 1980, Barreto acredita que estamos num momento de forte (e ao mesmo tempo fraca, eu diria) discussão política sobre a homossexualidade. Mas, como todo diretor que teme ver seu filme ser visto, sobretudo, como um filme gay, ele se adianta dizendo que o filme é sobre algo muito maior: o amor. Há uma razão de mercado nisso tudo, para além das declarações deste ou daquele diretor. O chamariz de um possível "beijo gay" ainda costuma servir como alavanca para audiência de novelas decadentes. Mesmo a divulgação de "Flores Raras" (que não se limita a esse tipo de convenção) destaca que Glória-Pires-aparece-em-cenas-íntimas-com-outra-mulher-no-trailer. A caricata personagem Crodoaldo vai render uma das estreias mais alardeadas do cinema brasileiro neste ano: não importa a qualidade, mas sim o momento. E o momento, para quem tem uma sintonia fina com o Mercado, parece dizer que a representação da homossexualidade vende bem.

Enfim...

Ponto questionável é a representação do político udenista Carlos Lacerda, que surge estranhamente carismático na tela do cinema e tem seus equívocos políticos  (apóia a ditadura militar e mais tarde, frustadas suas expectativas presidenciais, tenta engrossar uma frente ampla contra ela) atenuados neste filme.

Chega a ser bizarro que o mesmo diretor que parece ter buscado livrar-se de estereótipos ao realizar "Flores Raras" tenha como próximo filme a ser lançado, nada mais nada menos que "Super Crô". Flores para o Mercado...

O filme é baseado no livro "Flores Raras e Banalíssimas" de Carmem L. Oliveira

A seguir, pequeno artigo publicado na Folha de São Paulo, enfatizando a questão política das mulheres lésbicas:

Esperado pela comunidade lésbica, filme 'Flores Raras' vai além disso, por Rita Quadros

Este poderia ser só mais um filme ansiosamente esperado pela comunidade lésbica e, embora seja, vai além. "Flores Raras" nos conta a história de duas mulheres vivendo os encontros e desencontros do amor e da vida, os traumas familiares e suas consequências e a maneira como, cada uma a seu modo, sobrevivem a tudo isso.

Estamos diante de um belo filme. A concretude e objetividade de uma, que explode um morro para proporcionar uma vista maravilhosa à amada, e a subjetividade de outra, que se liberta diante do estrangeiro que a acolhe.

A fortaleza e a assertividade se fundem com a insegurança e a sensação de não ter lugar no mundo: uma se fundindo com outra, vivendo a troca que torna surpreendente o final dessa história de amor intenso e denso.

A trama aguça a curiosidade pela poesia de Bishop e o papel de Lota na arquitetura carioca. Mas tem mais. Uma mulher muda a vida de outra. Empresto a frase de Norma, promotora legal popular, no documentário "Imagem Mulher", que dialoga com o papel da mídia na legitimação da violência contra a mulher (a ser exibido em setembro).

A militância lésbica está colocada diante dos desafios de romper com os padrões heteronormativos das relações entre mulheres e de participar na construção de um mundo onde mulheres não sejam menos que homens.

No filme, as duas transitam sem problema por salões, festas e reuniões, tratadas com respeito e admiração. Em tempos de debates sobre laicidade do Estado, concepções de cidadania e novos arranjos familiares, "Flores..." nos mostra o quanto o poder aquisitivo ainda é passaporte para acesso a direitos.

Tempos em que a intolerância religiosa interfere de maneira brutal na vida das pessoas, quando direitos podem se tornar moeda de troca em espaços que deveriam garantir acessibilidade e equidade nas políticas públicas e no Judiciário.

Uma mulher muda a vida de outra mulher. Mas, onde estão as mulheres? Onde estão as lésbicas? Há mais de 30 anos a participação política dessas mulheres tem contribuído para os avanços.

Tem mais. Precisamos superar a violência física e/ou psicológica que pode ser impingida pelo simples fato de a pessoa ser mulher, por usar roupa "inadequada" ou pelo "despudor" de se relacionar com alguém do mesmo sexo.

Glória Pires e Miranda Otto são dignas de homenagens. Assim como Bias e Roses, Célias e Camilas, Érides e Anas Cleides e Telmas, Silvias e Cris. E tantas outras anônimas que em seu dia a dia, se comprometem e transformam a vida de tantas outras mulheres. Todas podem ser flores, mas nada banais.

RITA QUADROS, feminista, integra a coordenação do Cinemulher e coordena a área de controle social da Secretaria de Política para Mulheres de São Paulo.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Samba e Sambistas, de Portinari

Por Cândido Portinari


1956



1935

Cinema americano... Baby Got Back, por Thais Gulin






Entrevista de Guido Mantega... à Veja

O ministro da Fazenda reconhece que a alta nos preços reduziu a confiança na economia, declara intolerância ao mal inflacionário e diz que agirá para destravar investimentos. "A inflação é a pior coisa"
Giuliano Guandalini

Guido Mantega é um dos poucos integrantes do primeiro escalão que se mantêm no governo desde 2003, quando o PT assumiu o poder. Foi ministro do Planejamento e presidente do BNDES, até ser nomeado, em março de 2006, para a Fazenda, depois da queda de Antonio Palocci. Seu temperamento contemporizador e sua fidelidade, tanto ao ex-presidente Lula como à presidente Dilma Rousseff, asseguraram a ele uma longevidade rara na Esplanada dos Ministérios. Mantega, de 64 anos, está à frente do programa federal de concessões de obras de infra-estrutura dado como prioridade no governo Dilma neste ano. Ele tem andado ocupado, discutindo com a presidente detalhes da apresentação que o governo brasileiro fará a investidores chineses de projetos de construção de ferrovias no Brasil. O ministro recebeu VEJA em seu gabinete, em Brasília, e manteve-se fiel a sua marca registrada de fama internacional, o otimismo: "Não posso dizer que cresceremos 1,5% e dizer que está bom. Nossa meta é buscar uma taxa de crescimento de 5%.”


Em 2011, o Ministério da Fazenda trabalhava com a expectativa de crescimento médio superior a 5% para os quatro anos do governo Dilma Rousseff. A realidade, no entanto, é que o ritmo de avanço do PIB não será muito superior a 2%, nesse período. O que explica essa reversão de expectativas?

Nossa perspectiva, naquele momento, decorria do resultado obtido nos anos anteriores. De 2006 a 2010, crescemos 4,5% ao ano em média. Foium ritmo superior ao de países como o Chile, por exemplo. A verdade é quesaímos muito bem da crise de 2008 e 2009. Além disso, a percepção geral nomundo era que o pior da crise internacional havia sido superado, o que abria boas perspectivas para o Brasil. O país colhia resultados favoráveis, com aumento dos investimentos e do consumo. Havia um otimismo realista no ar. Em 2011 no entanto, começamos o ano com pressões inflacionárias. Tivemos de tomar medidas para controlar a inflação. Ainda assim, a taxa ficou em 6.5% naquele ano. no limite superior da meta inflacionária. A pior coisa que existe para o Brasil é a inflação, e por isso decidimos fazer um ajuste em 2011. mesmo ao custo de reduzir o crescimento. Se tivéssemos deixado de agir, a economia teria crescido muito mais que os 2,7% registrados. Imaginamos que haveria uma reação a partir de 2012. Acabamos, no entanto, surpreendidos com o agravamento da crise europeia. O panorama mudou.


Como o governo reagiu a essa nova crise?

A crise obriga os países a fazer reformas. Foi o que fizemos. Implantamos uma política para dar mais competitividade à indústria, reduzindo alguns dos principais custos das empresas. Em primeiro lugar, o custo financeiro, diminuindo as taxas de juros dos bancos públicos. Fizemos também um ajuste cambial. Com o excesso de dólares nos mercados internacionais, o Brasil despontava como um destino atraente para esses recursos. Estávamos numa situação delicada, com o real extremamente valorizado. O dólar chegou a ser cotado a 1.60 real. Colocamos o câmbio em um novo patamar, tornando a indústria nacional mais competitiva. Se não tivéssemos feito isso, intervindo no câmbio, uma parte da indústria teria perecido. As empresas não suportariam o boom de importações. Fomos inundados por importações. A importação de carros estava crescendo ao ritmo de 30% ao ano. Começamos também a reduzir tributos. Com esse conjunto de medidas, buscamos preparar o Brasil para ser mais competitivo no pós-crise.


Com a resistência da inflação, contudo, não deveria ter sido feito um ajuste mais duro, tanto nas contas públicas como na taxa básica de juros, a Selic?

Foi exatamente isso que fizemos em 2011, aumentando o custo do crédito e contraindo o consumo. Foi duríssimo. Mas, com a crise europeia, foi o momento de voltar a diminuir os juros. Todo mundo fez isso. Na seqüência, tivemos de lidar com pressões inflacionárias advindas de quebras de safras internacionais. Não existe pressão inflacionária originada no consumo, como muitos dizem. Pelo contrário. O ritmo de crescimento nas vendas do comércio está em queda. As pressões inflacionárias não vieram do aumento do consumo interno. Elas vieram da quebra de safras agrícolas em diversos países, além da pressão exercida pela valorização do dólar. Entramos em 2013 com a inflação mais elevada. Felizmente, a inflação no preço dos alimentos, a mais forte, perdeu intensidade. Hoje os dados mostram que a inflação brasileira já está recuando para um patamar mais confortável.


Diversos indicadores revelam queda da confiança dos brasileiros, tanto entre consumidores como entre empresários. Por quê?

 O consumidor, de fato, sentiu os efeitos do aumento da inflação e também as restrições ao crédito. Para as pessoas de baixa renda, o aumento dos alimentos teve um peso importante. Mas os indicadores mais recentes mostram que a confiança começa a ser restabelecida. Além disso, há um impacto dos humores externos. A alta do dólar sempre causa preocupação. No que diz respeito aos investidores externos, a confiança no Brasil permanece alta, apesar de algumas análises em contrário. Fechamos o primeiro semestre com mais de 30 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros diretos, recursos destinados ao setor produtivo. Foi um número superior ao registrado em igual período do ano passado. Se isso não é confiança, eu não sei o que é. Não acredito que os investidores tenham um instinto suicida. Eles estão vindo porque têm confiança. O Brasil foi, no ano passado, o terceiro principal destino de investimentos diretos, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.


Diferentes analistas, externos e internos, veem uma perda de credibilidade na condução da economia brasileria, em decorrência de fatorescomo o aumento na inflação e também de incertezas com relação ao resultado das finanças públicas...

O governo jamais deixará a inflação sair do controle, mesmo que isso signifique reduzir a taxa de crescimento. Com relação ao resultado fiscal, o superávit primário foi reduzido porque consideramos necessário edesejável conceder desonerações, ou seja, redução de impostos, principalmente para os investimentos. Sem essas desonerações, a meta fiscal seria cumprida tranquilamente. Fazemos uma política anticíclica. Quando a economia desacelera, estimulamos a economia, reduzindo impostos. A chamada “contabilidade criativa", muito criticada, é como capitalizamos o BNDES, ou como emprestamos dinheiro ao BNDES por meio de títulos públicos. Tudo isso está perfeitamente dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal. É absolutamente transparente. Temos um dos orçamentos mais transparentes do mundo. Começamos com essa política em 2009, quando houve um travamento dos financiamentos ao investimento. Infelizmente, o setor privado não tem condições de fazer esses financiamentos. Adoraria que ele tivesse. Colocamos 100 bilhões de reais no BNDES nos últimos anos. Sem isso, os investimentos das empresas não teriam se recuperado. É uma balela dizer que demos incentivos apenas ao consumo e não aos investimentos. Os investimentos estavam crescendo acima do PIB. Mas, quando veio a crise, os investimentos se retraíram.


O BNDES receberá novos aportes?

Vamos continuar colocando dinheiro no BNDES, ainda que em ritmo menor. Os bancos privados começam a entrar no financiamento de longo prazo, e com o tempo isso deverá diminuir o papel do BNDES.


O Banco Central afirmou em ata recente que o governo tem mantido uma política fiscal expansionista. Para auxiliar no combate à inflação e evitar uma alta ainda elevada nos juros, o correto não seria apertar o orçamento público?

Neste momento a política fiscal é neutra, ela não é expansionista. Nossos gastos estão contidos. Ela foi expansionista em 2012, porque o PIB estava crescendo menos. Mas foi expansionista sobretudo com desonerações. Neste ano deverão ser 50 bilhões de reais. Pergunte ao empresariado se é desejável que o governo interrompa as desonerações.


Para conter a alta maior da inflação, o governo decidiu evitar repasses do aumento do custo do petróleo para os preços dos combustíveis. A Petrobras amarga grandes prejuízos com essa política. Não é um contrassenso?

Se analisarmos os últimos cinco ou seis anos, os preços dos combustíveis ficaram acima dos preços internacionais na maior parte do tempo. A Petrobras tem uma política de não conceder reajustes automáticos, conforme as oscilações internacionais. Ela trabalha com uma média. No passado, os preços ficavam mais tempo acima que abaixo das médias internacionais. Ela estava guardando caixa, podemos dizer. Neste momento de inflação mais aguda, todo mundo precisa colaborar.


A taxa de investimentos do país, medida em relação ao tamanho da economia, é muito baixa. O que falta para destravar os investimentos?

Em primeiro lugar, os investimentos públicos em infraestrutura vêm crescendo, talvez menos do que gostaríamos. Não é fácil elevar o investimento, eu reconheço. O limite atual não é de recursos, mas de projetos. No passado, não havia recursos. Agora o problema passou a ser de falta de projetos benfeitos para ser executados. Por isso somos totalmente favoráveis à participação privada nos investimentos. É essa parceria que elevará a taxa de investimentos. É o que vamos fazer com as concessões. Serão licitados, ainda neste ano, 7 500 quilômetros de rodovias.


Essas licitações já deveriam ter sido feitas e foram adiadas. Agora é para valer?

Em abril, quando as licitações seriam lançadas, houve resistência dos investidores porque, de fato. a rentabilidade oferecida nos projetos estava muito baixa. Os estudos eram antigos, a rentabilidade não chegava a 5%. A pedido da presidente Dilma, atualizamos todos os cálculos. Posso dizer que o setor privado, agora, está satisfeito. As rodovias terão uma taxa de rentabilidade excelente, que deverá ser de 7.2% ao ano. Considerando os financiamentos dos bancos públicos, chega-se a uma rentabilidade de 15% em termos reais. Existem poucos casos no mundo de rendimento como esse. Teremos concorrência. A nossa prioridade hoje são os investimentos em infraestrurura, porque temos um gargalo em todo o país, decorrente de vários anos sem investimentos apropriados. Essa é uma grande oportunidade para os próximos anos.


O senhor costuma ser criticado por esbanjar otimismo em previsões que, mais tarde, não se confirmam. Isso não reduz a credibilidade da política econômica?

São metas para as quais precisamos trabalhar. Precisamos nos colocar desafios. Não posso dizer que cresceremos 1.5% e dizer que está bom. Nossa meta é buscar uma taxa de crescimento de 5% com aumento dos investimentos da infraestrutura e manutenção do nível de emprego, permitindo uma alta sustentável na oferta de crédito. Eu estabeleço metas e desafios a ser alcançados, não apenas para o setor público, mas também para o setor privado. Agora, não podemos nos esquecer de que sofremos com a pior crise da história do capitalismo em oitenta anos. Nós a estamos atravessando muito bem. Não me lembro de termos enfrentado uma crise dessas, no passado, mantendo a taxa de desemprego em patamares tão baixos como os atuais.


Muito se fala da sua eventual saída do ministério. Há algum fundo de verdade nesses boatos?

Nesse longo período em que aqui estou, já houve ocasiões em que alguns lançaram esses boatos, e todos se verificaram infundados. Da mesma forma que no passado, assim o são hoje. É normal. Quando começou o governo Dilma, dizia-se que eu não era escolha dela, e sim do Lula, e eu poderia sair na primeira revisão ministerial. Isso nunca aconteceu.


Na semana passada, VEJA trouxe uma reportagem sobre uma conspiração do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, para tirá-lo do ministério. O senhor teve conhecimento dessa conspiração?

Fiquei perplexo ao ler a matéria, e não acredito que o meu colega Aloizio Mercadante, que conheço há mais de trinta anos, pudesse ter arquitetado algo que desestabilizaria o governo.