sábado, 29 de junho de 2013

Dez pesos para a balança política brasileira

Agora que a Caixa de Pandora está aberta, cabem algumas questões e diferenças que pesam na balança da Reforma Política:

1) As vozes da oposição (seja a dos políticos ou os "especialistas" que os representam: tratam de desqualificar a iniciativa da Reforma Política): Gostariam que o Executivo Federal tivesse caído na armadilha de aceitar essa crise como uma crise exclusiva do governo. Seria um erro: a crise não é uma crise localizada a um projeto de governo: não é crise do bolsa família, não é crise do PAC, não é uma crise que se isole num setor de governo. É crise do sistema político. O que essa crise impacta no ritmo da redução da desigualdade, na corrupção, nos investimentos em infraestrutura, na educação, na saúde é importante, mas como está dito: já é o impacto. Os problemas localizados são consequência e não causa da crise. A crise do sistema político é a matriz. Por isso, as tais vozes da oposição, tendem a desqualificar a iniciativa da Reforma: visavam o emparedamento de um governo e não a busca de soluções reformadoras e republicanas.

2) As vozes do governo federal: decidiram avançar sobre o problema central que é uma crise da República. Com o esgarçamento político da aliança governista, porém, avançam às cegas sem uma dimensão exata da força política com que conta para dar início à reforma. Busca forças junto à sociedade civil organizada para capitalizar a iniciativa (a mudança radical da agenda de Dilma Rousseff na última semana de Junho é prova disso). Diferente da oposição, não contam com uma ressonância de sua posição na imprensa nacional.

3) A imprensa nacional: faz eco às vozes da oposição com a afirmação de que a Reforma Política foi a forma que o governo Dilma encontrou para fugir do problema e "jogá-lo para o Congresso".  Os efeitos dessa ressonância são imprevistos. Para uma parte da população o argumento parecerá justo. Para outra parte, haverá a consideração, no mínimo, sobre a necessidade de iniciar uma discussão sobre a Reforma Política. Mas por parte da imprensa, cada passo de Dilma será noticiado como tentativa de fugir da crise. A imprensa quer manchetes: um exemplo disso foi a abordagem dos jornalistas na coletiva de imprensa com as diversas representações da sociedade civil que Dilma recebeu ao longo da semana: fizeram longas explanações sobre suas demandas e sobre a conversa com a presidente, enquanto as perguntas dos jornalistas era uma só: "ela estava despreparada para o encontro?". O Movimento Passe Livre (primeiro movimento a ser recebido), num gesto arrogante, caiu no erro de dar a manchete que os jornais queriam: disseram que Dilma estava despreparada para a tarifa zero. Nada mais do que eles disseram mereceu atenção, apenas a manchete "MPL diz que Dilma é despreparada". As pesquisas sobre a avaliação do governo passarão a servir, mais do que antes, como confirmação de que a crise é do governo Dilma. 

4) As vozes dos Movimentos Sociais e da Sociedade Civil organizada: poderão ganhar consistência após esse movimento inicial que colocou a Reforma Política na pauta da sociedade brasileira. As primeiras reações foram diversas. Da parte dos sindicatos e centrais, alguns já defendem a Reforma Política, ao mesmo tempo que continuam com suas demandas específicas. Outros, menosprezaram a Reforma e querem ver a discussão imediata de suas demandas. Estes últimos colocam uma perspectiva economicista meramente (ganhos para os trabalhadores) e interessada na manutenção do atual jogo político (já que as centrais expressam ligações diversas com os partidos e, não necessariamente, à esquerda ou alinhadas ao petismo). Os movimentos da juventude, por paradoxal que pareça, tiveram reação muito mais madura do que certos líderes sindicais. O movimento LGBT tem motivos para considerar tardio esse diálogo direto com a presidenta (mesmo sabendo que o centro dos problemas de suas pautas encontra-se no Legislativo), mas sinalizaram positivamente ao encontro com Dilma.

5) Os setores que não tem tradição de mobilização popular, mas foram às ruas: não há conhecimento suficiente ainda. Há tentativas de categorizá-lo. Afirmar que é a classe média antipetista não é falso, mas não é toda a verdade. Há uma juventude despolitizada que pode ter participado pelos mais variados motivos: canalizaram no grito das ruas seu desencanto; foram atraídos pelo apelo acrítico à manifestação-espetáculo; aderiram às posições de direita apartidária (e muitas vezes fascistóide) que defenderam a hostilização de bandeiras e um apelo irracional a um sentimento de união nacional que elimina diferenças de classe, desigualdades sociais e a necessidade de democracia representativa. Essas diversas adesões deram-se paralelamente. E possivelmente há ainda outras mais. Soma-se aqui também setores mais tradicionais cujas posições não vinham sendo suficientes para gerar mobilizações massivas: Clube Militar, a antiga defesa à lá Tradição, Família e Propriedade. Até monarquistas parecem ter sentido um sopro de vitalidade. Os setores evangélicos não se confundem com a perspectiva TFP, mas sua mobilização tende a pender mais ao apelo de uma moral conservadora do que ao pertencimento de classe ou situação econômica (já que o discurso religioso se oferece como englobante destes dois últimos). Em suma, são setores que podem balançar para lados diversos, mas com uma pendência maior ao conservadorismo (o que prejudicaria uma avaliação da real dimensão de uma Reforma Política frente a esse contexto).

Balança estilizada do ceramista Luiz Olinto

6) Os partidos fisiológicos. Há que se fazer uma análise mais qualificada, mas é

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Armas desiguais





Quando o velho Karl Marx proclamou a luta de classes, vocês pensam que os patrões se alarmaram? Qual nada! Babaram-se de puro gozo.
Um lembrete de Mario Quintana




terça-feira, 25 de junho de 2013

Cura gay e PEC 37: um encontro


O deputado João Campos do PSDB de Goiás vem demonstrando uma forte relação com o sentimento que vem das ruas: além de ser o autor do famigerado projeto da "cura gay" foi um dos poucos (nove) resistentes que, mesmo diante de toda a pressão, votou a favor de outra famigerada, a PEC 37.




Pulgas atrás da orelha

Houve quem procurasse desqualificar a menção à destinação dos recursos do petróleo para a educação no discurso de Dilma. Chegaram a dizer que "não existe", que é megalomania. Foram reações muito desesperadas.

Todas as falas das lideranças tucanas à imprensa tem um ponto em comum: afirmar sua convicção contrária à gestão da Petrobrás no presente. Em suma, eles defendem mais abertura para os mercados do que a atual.
Fica a puga atrás da orelha: as recentes pesquisas sobre o Campo de Libra demonstraram a perspectiva de 8 a 12 bilhões de barris de petróleo (algo que representa mais de 2/3 do que a Petrobrás produziu em toda sua história). Qual a puga?

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Preguiça do plebiscito?

O episódio trágicômico do dia foi José Serra afirmando que um plebiscito é algo absurdo. Perguntaram a ele a razão do absurdo. Ao quê ele respondeu: porque o Congresso tem que aprovar, se aprovado tem que ser convocado, uma vez convocado tem que ser organizado, uma vez organizado, as pessoas terão que apresentar suas defesas em horário gratuito e, por fim, o cidadão terá que sair de casa para votar. É um absurdo.
Resumindo, ele descreveu o que é um plebiscito. E chamou de absurdo. É como se, para ele, o plebiscito fosse um absurdo em si mesmo. 

Ele chegou a falar que falaram para ele sobre levantar a ideia de que era um golpe. Aí, ele mesmo se repreendeu, dizendo que não pensa dessa forma. De qualquer forma, é preocupante: sinalizou, para mim, que entre os pensamentos do líder tucano, já corre a ideia de sabotar o proposta do plebiscito sob o argumento de que é um "golpe bolivariano" (argumento que poderia servir de argumento para um contra-golpe, o famoso golpe preventivo). De qualquer forma, a hora é para sensatez. 

O vídeo abaixo é mera coincidência:


A presidenta Dilma abre a Caixa de Pandora da Política Brasileira

O governo Dilma tem sido visto por muitos como um governo tecnocrata. Um dos efeitos disso, seria a menor participação popular nas decisões. O anúncio desta segunda-feira de que enviará ao Congresso uma proposta de plebiscito para a realização de um processo Constituinte (que não necessariamente será uma Assembléia, podendo mesmo ficar à cargo do Legislativo) exclusiva para uma Reforma Política (sempre prometida e nunca realizada, graças a posições como essa que o Senador Agripino Maia sustentou em resposta ao anúncio: de que a reforma precisa ser feita com cuidado, que leva tempo) surpreendeu a todos. Surpreendeu porque fez Política com P maiúsculo. 

Atualmente, um dos principais problemas dos partidos brasileiros concentra-se no fato de que a maioria da sociedade desconhece os processos decisórios. Daí porque a frase "fulano não me representa" tornou-se popular nas ruas. Por isso, é tolice dizer que a proposta anunciada por Dilma não tem nada a ver com a insatisfação que veio das ruas. Hoje, no Brasil, figuras como o deputado Marco Feliciano são exemplo dessa insatisfação que tomou conta de muitos setores da sociedade, mas ninguém sabe exatamente a quem direcionar. Vamos por partes, usando este exemplo para explicitar a lógica do Congresso:

1) Inicialmente, ninguém sabe como Marco Feliciano foi parar na presidência da Comissão de Direitos Humanos;
2) a interpretação que impera é a de que nenhum partido priorizou as pautas que tramitam por essa Comissão, o que teria aberto espaço para o PSC de Feliciano;
3) o debate político é fraco: fulaniza-se a responsabilidade (não que Feliciano não seja responsável, mas não é o único), gera-se insatisfeitos com a omissão e, naturalmente, a cobrança maior cai sobre o PT, que além de ser o partido com a maior bancada, é o partido que tem lideranças que se elegeram defendendo bandeiras como a dos direitos GLBT;
4) no meio disso tudo, a responsabilidade real, que é compartilhada, desaparece das cobranças. Exemplo: pouco se fala que a autoria do projeto da "cura gay" é de um parlamentar do PSDB de Goiás. Não existe um "Fora João Campos". Existe um "Fora Feliciano". Nem é preciso de uma pesquisa para avaliar que a grande maioria da população contrária ao projeto responderia que a autoria é de Feliciano caso fosse questionada. Além disso,  impera a visão de que todos os partidos são iguais e de que todos fazem parte da mesma "onda conservadora";
5) o PT, a despeito de declarações individuais criticando o projeto, cai no silêncio. Quando atreve-se a criticar as ofensivas dos defensores do projeto, é ameaçado pelos partidos com o argumento da necessidade da "coalizão" que sustenta o governo.
6) Talvez, pelo acirramento das insatisfações sociais nas últimas semanas, o presidente do PT, Rui Falcão, deixou passar uma informação importante pelas fraturas que os últimos acontecimentos provocaram nas relações políticas: questionado pela reportagem de Carta Capital se o PT tinha abandonado a posição contra homofobia, ele disse que não. Respondeu que se trata da estratégia interna do partido no Congresso: o PT não poderia presidir todas as comissões que julgasse importantes. Preferiram a Comissão de Saúde e Seguridade Social porque ela é terminal: ou seja é a última comissão que tem poder de recusar propostas como as do projeto da "cura gay". Assim, reafirmou o compromisso do partido em combater tal projeto, mas com a mínima visibilidade possível, quando chegasse a essa comissão terminal.

Ou seja, é uma estratégia que joga apenas com a lógica interna do Congresso, como se o jogo democrático só fosse ser jogado lá dentro. É uma estratégia que se baseia no processo decisório interno do Legislativo. A miopia está no fato de imaginar que o processo decisório interno do Legislativo possa esgotar todos os problemas da vida democrática. O discurso do PT é o seguinte:

Divino, Maravilho




Uma máscara para os adultos

Até agora, são raras, raríssimas as vozes que tem analisado criticamente a participação dos jovens nas manifestações de massa. Pelo contrário: há um endosso quase geral que insiste em afirmar que, se emana dos jovens, só pode ser benéfico;  no máximo, com algum rompante, algum exagero "natural" da juventude. Como se não existissem diferenças.

Há um deslumbramento praticamente: não vou estranhar se começarem a aparecer adultos de todas as idades vestindo a máscara do V de Vingança e gritando para algum prefeito, governador ou presidenta: "Fulano, Beltrano, Vai tomá no cú!"

O problema de uma sociedade que apostou na despolitização, que apostou unicamente na inserção pelo consumo é outro fenômeno que tende a permanecer intocado.

Longe das ruas

Um resumo-análise da perspectiva de Fernando Henrique Cardoso sobre os rumos da sociedade brasileira pós-manifestações.
***
Li as declarações de Fernando Henrique Cardoso que saíram nos jornais e assisti à entrevista de domingo na televisão. Iniciou falando que os acontecimentos das últimas semanas são um "movimento social" e não um "movimento político". A proposta do programa era falar dessa sociedade em ebulição. Infelizmente, ele não falou como sociólogo. Ou quase não falou como sociólogo. Foi convidado sob essa insígnia, mas falou como um político ligado a uma estrutura partidária.

Ele e entrevistadores tangenciaram a falta de conhecimento da sociedade sobre decisões importantes para o país como a nova Lei dos Portos. Mas não se tratou verdadeiramente deste descolamento entre os poderes constituídos e a sociedade, da despolitização que resulta na manifestação em forma de panacéia.

Pelo contrário: exceto uma rápida menção à PEC 37, não se falou das "vozes das ruas". Aliás, interessante foi ver uma reportagem da Folha onde os jornalistas abordaram pessoas que carregavam cartazes contra o "PC 37". Uma jornalista perguntou: "você fala da PEC 37?". Uma mulher na Avenida Paulista, com aquele tom de quem sabe tudo, corrigiu a jornalista: "não, não, é o PC 37! É um negócio que, tipo, como vou te dizer? Dá privilégio aos poderosos, sabe?". Com um ativismo tão qualificado, não me espantará se daqui a uns dois, três meses, a votação do "PC 37" entre de novo na pauta de votações do Congresso.

Mas voltando às falas de Fernando Henrique. Concentraram-se nas velhas diferenças entre PT e PSDB, que ambos os partidos tem tocado na última década, os dois com um certo distanciamento da sociedade no que diz respeito ao anseio de participar dos processos decisórios, tão levantado nos últimos dias. 

Elogiou as medidas anticíclicas do governo Lula em 2008, mas criticou a persistência dos estímulos ao consumo. O problema do caos urbano deve-se ao fato de que as pessoas passaram a comprar mais carros. Resposta precária que apenas demonstra que, de sua parte, não há disposição de superar o Fla X Flu de tucanos e petistas que ele próprio critica. 

Falou que, na sua visão, a tentativa de estimular a industrialização do atual governo é equivocada, pois concentra-se em subsídios e financiamentos que favorecem certos setores da indústria. O equívoco residiria no fato de que as cadeias de produção são transnacionais e que, portanto, esse tipo de estímulo padece de um protecionismo atrasado. O que ele propõe em substituição é algo muito igual à nada nova teoria do desenvolvimento dependente: as cadeias transnacionais automaticamente promoveriam o crescimento do país.

Elogiou a qualidade das universidades privadas. Disse que antigamente a qualidade das universidades privadas era inferior à das públicas e que hoje há uma maior equiparação. (Interpretações livres. Me abstenho).

Criticou a imagem da atual presidente de uma pessoa dura, que pune seus subordinados. Disse que o Brasil - e afirmou que vem trabalhando isso nas reuniões de seu partido - precisa encontrar algo que traduza uma imagem que o povo quer ver como Obama fez valer com o seu "Yes, We Can". Para Fernando Henrique (fiz força para não rir, quero manter a seriedade do texto), o que colaria no Brasil seria um "Yes, We Care". Mas isso esbarraria no problema da tradução, que em português precisaria de uma frase longa demais para passar a mesma ideia: "Sim, nós cuidamos de você". Disse que o que o povo brasileiro quer é carinho. É o problema de alguém que fala para uma audiência cativa

sábado, 22 de junho de 2013

Depois da fala: primeiras impressões


Que o governo Dilma não espere de Globo e afins a mesma disposição "cívica" para dar consequências verdadeiras às respostas que a sociedade espera. 

Pelo contrário: vai ser preciso muita competência para virar o jogo. A resposta de ontem foi um bom sinal. 

Mas, por exemplo, a chamada que Dilma fez aos três poderes, e aos governadores e prefeitos: isso exige uma força política que mesmo em início de mandato muitos governos não possuem. E agora não adianta fingir que os setores interessados em prejudicar unicamente o governo federal, não conseguiram o que queriam. Quem acreditar no espírito cívico da Globo, talvez ainda não conheça a história de Poliana.

Então, voltando ao ponto: depois de tudo, quais dos sujeitos políticos convocados a participar deste esforço em responder aos anseios legítimos estarão dispostos verdadeiramente a colaborar? 

Os movimentos e partidos de esquerda que estiveram no início das manifestações foram pegos de surpresa com os rumos das manifestações. Tentaram colocar suas pautas à frente de tudo, mas já foram relegados pela imprensa nacional. São dispersos. Alguns preocupam-se com a reação conservadora. Alguns querem ganhar eleitoralmente. Alguns fazem o jogo do quanto pior melhor.

O PMDB ninguém sabe, ninguém viu. A resposta do prefeito Eduardo Paes

Contrabandos autoritários em boa fé alheia

Um pequeno artigo de Wanderley Guilherme dos Santos, publicado pelo blog O Cafezinho, em pleno olho do furacão. De fato, a exaltação reiterada pelas organizações Globo de que era um movimento "espontâneo" foi das coisas mais estranhas que já presenciei. Reiteravam o caráter "espontâneo" quando eles próprios estavam incitando as manifestações (algo que não cabe a um veículo de imprensa). Afirmavam que tudo estava pacífico, mesmo com sinais de instabilidade,  descontrole e destruição. Repetiam que tudo estava tranquilo, quando a violência já assumia proporções grandiosas. Segue o texto:


É frenética a competição pela atribuição de sentido a manifestações deste junho que já não possuem sentido unívoco algum. Da tentativa de apropriação pela mídia conservadora, que obteve sucesso em pautar as demandas e insinuar o roteiro das caminhadas, às solenes reflexões sobre o aprofundamento da participação popular e o esgotamento da democracia representativa, nada faltou para obscurecer o já espinhoso desafio de compreender o sucesso e eventuais explosões de coletividades. Até mesmo a subserviente beatificação da juventude pelos velhotes assustados com o estigma de superados, caso não adotem o corte de cabelo à moicano, compareceu. Mas em seu tempo, a bem da verdade, nenhum deles foi preservado de cometer sandices pela juventude de que desfrutavam.

É razoável atribuir ao aumento nas tarifas dos transportes coletivos a força causal que pôs em movimento as primeiras manifestações. A repressão bruta, na cidade de São Paulo, à passeata de quinta-feira, 13 de junho, forneceu uma razão suficiente para a velocidade inédita com que manifestações semelhantes se disseminassem horizontalmente em várias capitais. Ao saírem às ruas, na segunda-feira, dia 17, o que as marchas conquistaram em adesão extensa perderam em unidade reivindicatória. Do mesmo modo, a causalidade que mobilizava o povaréu tornou-se múltipla e não automaticamente coerente. A lista de reivindicações avolumou-se, fragmentando os grupos de interesse e anunciando o óbvio: é impossível atender completa e instantaneamente a todas as deficiências do país. Insistir nisso é torcer por um impasse sem negociação crível. O clima ficou grávido de sinais disparatados, com a ausência de coordenação de legitimidade reconhecida. Paraíso para todos os oportunismos, charlatanices, além dos equívocos de boa fé.

Nada a ver com os “cara pintadas” do “Fora Collor”. À época, todos foram às ruas com o mesmo e único propósito: o impedimento do presidente . Princípio causal único do movimento, indicava o que era apropriado e o que não era apropriado fazer. Não havia sentido, para o objetivo comum, promover depredações, alienar aliados ou desrespeitar adversários. Muito menos aproveitar a audiência para fazer propaganda de algum interesse faccioso. Agora, a que vem a PEC 37, por exemplo, nas manifestações sobre aumento de passagens de coletivos? – Trata-se de um aprofundamento do processo decisório, dirão alguns de meus colegas. Sim, e por conta disso lá virá a mídia conservadora sugerir que as manifestações não parem, apenas substituam as bandeiras, quem sabe sabotar as próximas licitações ferroviárias, rodoviárias e aeroviárias fundamentais para o país? Ou, ainda melhor, alterar o sistema de partilha do pré-sal e revogar a exigência de participação da Petrobrás? As suaves apresentadoras do sistema golpista de comunicação passaram a perguntar ao repórter que cobria manifestação na cidade de Niterói se os protestos não iriam se dirigir à ponte Rio-Niterói, justo depois dos prefeitos do Rio e de Niterói revogarem o aumento nos transportes. Em qualquer democracia que se preze essa incitação à desordem não ficaria sem conseqüência.

Ao contrário de ser uma beleza de movimento sem líderes, o espontaneísmo infantil se revela um desastre na confissão de alguns de que não conseguem impedir a violência de sub-grupos. Nem por isso deixam de ser responsáveis por ela na medida em que continuarem recusando a adesão cooperativa das instituições com alvará de estabelecimento reconhecido, instituições capazes de assegurar a virtude pacífica das manifestações. É politicamente primitivo, nada vanguardista, impedir a associação de movimentos organizados e, inclusive, de partidos políticos, desde que submetidos ao objetivo central da manifestação. Em movimentos de boa fé democrática há a hora de desconfiar e a hora de convergir. Ou estão sub-repticiamente provocando o descrédito de legítimas instituições democráticas a pretexto de alargar a esfera de liberdade do espaço público?

Não são só os de boa fé e bem intencionados que se manifestam e pautam o “espontâneo” alheio. Reconheço o odor fétido dessa teoria de longe.


sexta-feira, 21 de junho de 2013

Resposta certa

       A mensagem da presidenta à sociedade foi muito positiva. Os críticos de seu governo prenunciavam o pior: a resposta de Dilma seria populista, seria equivocada, mal direcionada, pura peça de marketing. Enganou-se quem apostou nisso. A resposta procurou cobrir um amplo arco de questões que se passaram nos últimos dias (sem deixar de lado a truculência e as posições autoritárias que surgiram nas manifestações). O conteúdo, em suma, foi o seguinte: mais democracia. 
      Se o governo Dilma terá força política para levar a diante a resposta que acaba de oferecer à sociedade brasileira, é assunto para uma análise mais detida. Mas a pessoa Dilma Rousseff pode alegrar-se pela coragem com que enfrentou o momento mais difícil de seu mandato e por ter honrado seu compromisso com a democracia.

O silêncio do PMDB

Onde está o PMDB nessa história toda? 

O PSDB já decidiu que não vai às ruas. Até porque não precisa: o PSDB vai às redações dos jornais e à Globo News.

O PT realizou uma tentativa frustrada de ir às ruas: tornou-se presa fácil da retórica anti-partidária que se espalhou.

PSOL, PSTU, PCO, assim como o PT, foram violentamente hostilizados, juntamente com outros movimentos sociais.

E o PMDB? Onde está? O que pensa? O que tem a dizer nesse momento inédito de nossa democracia? Ninguém sabe, ninguém viu. O Partido do Movimento Democrático Brasileiro não se move. Está parado, porém pronto para apoiar o próximo governo seja ele lá de qual partido for.

Helena Chagas, demita-se!

Escrevi um texto há mais ou menos um mês no qual argumentava como a questão da Comunicação Social do governo federal estava muito aquém das necessidades. Mas fatos e argumentos até agora não vinham sendo suficientes. A população desconhece o sentido das políticas do governo federal: desde aquelas que  exigem uma visão de longo prazo até aquelas que beneficiam a população em demandas do presente.  Se isso ajuda a engrossar as manifestações (agora dominadas por uma perspectiva conservadora e anti-democrática)? Talvez. Os problemas (os verdadeiros e os falsos) do governo são hiper-dimensionados pela imprensa nacional. Se isso ajuda a aumentar a mobilização que nem preciso mais colocar parênteses para chamar de direita nas ruas? Talvez. Os erros concretos são criticados na internet. Se isso ajuda a um movimento que se inicia num grupo de esquerda a desencadear uma manifestação de massa que se tornaria conservadora a ponto de expulsar estes mesmos que a desencadearam? Talvez. 

De ponto a ponto, portanto, além de fatos e argumentos, cabe um pedido intransigente de demissão da ministra Helena Chagas. No texto, Rui Martins, além de pedir a saída da ministra, avalia os estragos que as manifestações descontroladas geraram na imagem que o Brasil projetou internacionalmente.

PS: A transmissão da Globo primou por exaltar a "festa linda" que tomou conta da Avenida Paulista. Apenas fez menções a pequenos atritos "isolados" entre grupos. Deixou de dizer que os manifestantes que levaram bandeiras de esquerda foram violentamente hostilizados por manifestantes que defendem um Brasil sem partidos (que Brasil seria este?). Entre os manifestantes que foram hostilizados na "linda festa" encontravam-se inclusive os representantes do Movimento Passe Livre, que desencadeou a coisa toda (e também tem sua dose de responsabilidade sobre as consequências que agora acompanhamos). Segue o texto.


Berna (Suiça) - A ministra da Comunicação Social,  Helena Chagas,  não previu, com sua incompetência, os riscos de financiar o monopólio da informação pela grande imprensa.

Ministra Helena Chagas, antes de tudo, quero lhe transmitir meus mais efusivos cumprimentos por sua inédita e vitoriosa campanha publicitária – nunca, digo bem, nunca, o Brasil mereceu tanto destaque na mídia internacional.

Durante dias, não só aqui na Europa, como em todos os países do mundo, o Brasil foi manchete. Bandeiras, verde e amarelo, fogos, manifestações de rua como num enorme carnaval, polícia brincando de pega-pega com jovens maratonianos, brindes ousados com coquetéis molotov, nenhuma pré-estréia da Copa do Mundo poderia ter sido melhor do que essa armada, na maior discrição, por seu Ministério.

Parabéns Helena Chagas ! Como alguém tão recatada, embora participe de todos os trens da alegria nunca se vê na imprensa e nem nas imagens dos seus amigos do Jornal Nacional, seu rosto de sorriso superior com óculos escuros, conseguiu tão grande façanha ?

Imagine Helena que, aqui na Europa, muitos jornais e canais de televisão compararam a explosão juvenil em São Paulo, no Rio e outras capitais, numa versão Iphone moderna, movimentada e nada fiel à Ópera dos 20 Vintens de Bertold Brecht, com o rebentar da primavera árabe na orla africana mediterrânea !

Acho que aí você exagerou, porque sua fiel amiga, a presidenta, que lhe reserva sempre um lugar nas comitivas, foi comparada com Ben Ali, Khadafi, Hosni Mubárak, como se os jovens no Brasil quisessem se descartar da ditadora Dilma Rousseff.

Provavelmente não foi culpa sua, acredito mesmo na sua inocência, mas seus amigos, aos quais você concede mais de 70% da verba de publicidade da União e, recentemente, uma isenção de pagamentos sociais, que lhes permite economizar quase um bilhão e meio de reais, ainda estão cagando de rir dessa troça passada na imprensa internacional.

Em apenas dois dias, a imagem do Brasil foi para o brejo e vale agora o que o Globo

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Olhar indiscreto

Uma observação: engraçado ver como surgiram pessoas dispostas a contemporizar com cenas como as dos ataques à prefeitura de São Paulo e de outros estabelecimentos. Há alguns dias atrás, uma outra manifestação de massa foi rapidamente condenada pela população: eram os beneficiários do bolsa família. Mas naquele caso foi selvageria e não a "primavera brasileira", o "despertar da moçada". 

Diferença de classe?

Enquanto representantes do Movimento Passe Livre pedem que "seus presos sejam libertados", o jovem "estudante de arquitetura de uma universidade privada e filho de um empresário da área de transportes", que protagonizou os ataques à prefeitura de São Paulo, foi detido, mas já se encontra em liberdade, graças ao serviço de eficientes advogados: irá responder em liberdade pela depredação do patrimônio público.

Opção quantitativa: o MPL quer aumentar o contingente de mobilizados, mas livrando-se do discurso da responsabilidade como se este fosse um argumento politicamente conservador. Não se trata do festejado debute na vida civil da cidade (estamos deitados em berço esplêndido desde 1992 afirmam alguns)? Pois bem: bem vindos ao mundo adulto. 

Oportunidade à vista

     Não vejo oportunidade política melhor para o governo petista começar a romper com o lado obscuro da lógica da coalizão: que se comece com o PSC (que além de ser o mais obscuro dos aliados, é o mais irrelevante do ponto de vista da representação no Congresso).
      Escusado dizer que a fala do deputado sobre negros e indígenas é pura peça retórica.


O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), subiu o tom e ameaçou o governo nesta quarta-feira 19. O pastor alertou que uma interferência do Executivo no projeto de decreto legislativo da “cura gay” seria "perigoso", pois 2014 é um ano eleitoral e

Não é a rapaziada de Gonzaguinha. É a direita mesmo.

Tem sido estranho, pra dizer o mínimo. Concordo com o testemunho do jornalista Rodrigo Vianna. O relato que ele publicou ontem nos informa de manifestantes que querem "mudar tudo", mas o tudo deles não tem a ver com mais democracia, com uma visão do transporte público como direito, com o repúdio à violência (muito pelo contrário). Foi o relato de alguém que presenciou uma parte dos acontecimentos (e ele próprio adverte que, apesar de muito preocupante, reconhece que seu relato é parcial). Agora, soma-se a este relato, o ponto de vista de Paulo Motoryn, militante do MPL. É outra pessoa que presenciou as manifestações e que expõe em seu relato os "perigos" que ele detectou. Tenta advertir, contra a apropriação conservadora, o seguinte:

"O grito dos jovens está longe de bradar contra os “mensaleiros”, contra a inflação, contra as políticas sociais de transferência de renda".

Ou seja, estamos falando de relatos não de pessoas que ficaram a mercê da cobertura telejornalística repleta de narrativas tendenciosas, que poderiam gerar uma preocupação exagerada com a conotação conservadora que os acontecimentos estão assumindo. Não estamos falando de pessoas que ficaram reféns da lógica do espetáculo. Estamos falando de pessoas que perceberam que, ao menos em São Paulo, há uma apropriação conservadora das mobilizações. Por parte daqueles que querem ver a inflação como vilã do momento, daqueles que são contrários às políticas de transferência de renda.

São Paulo tem um classe média contraditória, que se diz apolítica, mas vibra ante a possibilidade de ver um governo que "imponha respeito" e que, se possível, elimine o PT do mapa. Ontem eu ouvi relatos que expressam essa contradição: de pessoas que não apoiam o Passe Livre e nem mesmo concordam com a redução da tarifa, dizendo que condenavam esse tipo de manifestação, que consideravam que a demanda por passe livre é coisa de vagabundo, de gente que não quer trabalhar e tem tempo de sobra para estar na rua se manifestando. Onde está a contradição? Está no fato de que essas mesmas pessoas que não apoiam a causa do MPL tinham um "mas" preparado: "Mas o problema é esse! Aqui em São Paulo ninguém que eu converso assume ter votado nesse PT! Mas não sei o que acontece que eles tão sempre aí, há tanto tempo! Agora tá aí. Não são eles que gostavam de arruaça? Bem feito, estão pagando! Sabe, tá tudo muito errado! Alguma coisa tinha que acontecer!". Um outro lembra a ditadura. A fala continua: "Pois é, naquela época eles impunham respeito. Era muito melhor!". 

Isto é o seguinte: é mentalidade conservadora tentando encontrar soluções para seus medos. Não apoia mobilização popular, vamos frisar. Não apoia mobilização popular, mas já que as coisas estão acontecendo, torce para que tudo isso pelo menos sirva para "alguma coisa acontecer". O alguma coisa da classe média paulistana não é "o outro mundo possível" do Fórum Social Mundial, locus de origem do MPL. Houve quem achasse a descrição de Marilena Chauí, da classe média paulistana (como fascista, violenta e ignorante) um exagero. Não é. Exagero seria achar que tais valores são exclusivos da classe média, o que não é verdade. Mas que estão fortemente presentes em grande parte dela, não há como negar.

O que está em questão é que entraram em cena, nas manifestações, sujeitos políticos que não estão preocupados com conquistas democráticas, muito menos que estão contrários à “onda conservadora” que preocupa a muitos. Isso está expresso na manifestação de ontem. O MPL não teve sua demanda atendida, mas conseguiu uma mudança no discurso do prefeito e respaldo no Conselho da Cidade. A depender dos interesses do MPL, os ataques à prefeitura ontem não se justificariam. A eles interessa manter a mobilização popular, mas erguer uma frente de guerra que inviabilize o canal aberto pela negociação seria um erro. Acontece que o MPL já não tem mais condições de se responsabilizar por manifestações como a de ontem.

Podemos concordar que democracia não se faz somente nas disputas eleitorais. Mas nossa última disputa nacional deixou lições a não serem esquecidas: um discurso moral direitista disposto a sair do subterrâneo; partidos políticos dispostos a endossar esse tipo de discurso se isso sinalizar para uma vitória nas urnas; uma sociedade divida em torno de visões distintas para os problemas do país. Muito se disse que o governo Dilma assumiu posições que apostavam na possibilidade de arrefecer tais divisões, de arrefecer os tensionamentos. Mas isso não aconteceu, ou melhor, não funcionou. Ou alguém acha que, ontem, a presidenta da república se deslocou de Brasília a São Paulo simplesmente para tomar um chá e saber como anda a saúde do companheiro Lula?

A atual onda de mobilizações, em sua origem, não tinha nada a ver com um “Fora Dilma!”. Estava muito mais próxima do “contra tudo que aí está”. Os problemas concretos que visavam eram (são) de responsabilidade de todos os governos (petista e tucano). Não permitia a praticamente nenhum partido ficar, de camarote, assistindo, aplaudindo e fazendo cálculos eleitorais. Mas essa situação mudou. Uma parte da sociedade que não ficou satisfeita com a vitória de Dilma Rousseff é alimentada diariamente com um discurso de ódio ao governo petista. Não é que antes não estivessem dispostos a bradar contra este governo. Mas veem agora, com outros setores da sociedade mobilizados, a possibilidade de tornarem-se maioritários, com autoridade para questionar a legitimidade da presidenta, de “tudo que aí está”, inclusive, fazendo circular uma petição de impeachment.

Há sinais de que esta mobilização já está bem distante daquela rapaziada cantada por Gonzaguinha, aquela “que sabe que é negro o coro da gente”.  




terça-feira, 18 de junho de 2013

Estranho - pra dizer o mínimo

Por Rodrigo Vianna (do seu blog),

A chegada ao viaduto do Chá foi surpreendentemente rápida. Trabalhadores e lojistas tinha ido embora mais cedo, deixando o centro de São Paulo estranhamente vazio às seis horas da tarde. Contornei o Teatro Municipal, e segui a pé, para cruzar o viaduto rumo à Prefeitura – onde os manifestantes se concentravam. Estava acompanhado da equipe de gravação da TV.

No sentido contrário, a massa marchava. Pareciam estudantes razoavelmente organizados: carregavam faixas de diretórios acadêmicos, bandeiras da UJS, mas também muitos cartazes desenhados a mão: “O Brasil acordou”, “Fora FIFA”, entre outros. Um rapaz me informou: ”estamos indo pra Paulista porque o Haddad nem está mais aí na Prefeitura”. Haddad tinha seguido ao encontro da presidenta Dilma, para uma reunião no Aeroporto de Congonhas. Pensei em tomar o rumo da Paulista, mas meu chefe de reportagem avisou pelo rádio: “acho melhor você ficar por aí, porque um grupo pequeno resolveu ficar pra atacar a Prefeitura”.

Dazzle... Before your eyes. It's a glittering prize.







É chato dizer...

  Há mais de um século, quando intelectuais tentavam definir o caráter do povo brasileiro, não faltaram figuras que apontassem para o desânimo fácil do brasileiro em relação às suas próprias (raras) iniciativas. Sílvio Romero deixou seu testemunho. Eis que numa segunda-feira de junho de 2013, quando a frase feita ganhou novo valor graças às hashtags, algo foi repetido aos milhares: “agora tudo vai mudar”, “o gigante acordou” e outras palavras. Algum desses intérpretes do Brasil atreveria-se a ver nesse movimento a nossa decantada tendência de “imitação ao estrangeiro”? Talvez. O que não seria toda a verdade. Afinal, há um verdadeiro enraizamento local (que não começou hoje) do Movimento Passe Livre no Brasil. Mas o fato é que, segundo declarações do próprio movimento em conversa com a imprensa, conta-se quarenta representantes do MPL na capital paulistana. E estima-se que os que foram às ruas protestar a partir do mote do aumento das tarifas de transporte, apenas em São Paulo, aproximam-se dos cem mil.
      O MPL vive um impasse. Ao mesmo tempo que quer defender sua pauta (com um tema bem direcionado) de interesses alheios que tentaram dar outra conotação aos protestos, reconhecem a impotência de quarenta representantes diante de uma mobilização popular que alcançou cem mil pessoas. Um dos jornalistas que interpelou dois dos representantes questionou se eles não estavam pretendendo ficar com o bônus sem arcar com o ônus das manifestações. Já durante o dia, os preparativos para o movimento davam a impressão de que o que viria a seguir seria uma grande panacéia. Não encontro expressão melhor para preparativos que animaram desde a militância de partidos como o PSTU até a personalidades como Arnaldo Jabor, convocando seus ouvintes da rádio CBN. Todos queriam uma manifestação de massa para chamar de sua.
Viu-se, nas manifestações, a presença de jovens que estariam fazendo seu debute na vida cívica. Na imprensa, da mais sensacionalista à mais pretensamente intelectualizada, a explicação era a de que, desde os caras pintadas, em 1992, os jovens brasileiros não encontravam oportunidade de ir às ruas expressar seus anseios. É um exagero. Não é verdade que nossa sociedade civil vive um sono de duas décadas. Mas aproveitando a comparação, vale lembrar que a manifestação nas ruas contra o presidente Collor foi só o corolário de um processo, digamos assim, subterrâneo. É sabido que o fim da presidência de Collor deveu-se ao isolamento político em que seu governo colocou-se em relação ao Congresso e não a qualquer clamor irresistível das ruas.
Apesar da insistência do MPL na manutenção da coerência com a origem do movimento, já não há como segurar as visões que estão enxergando de tudo e mais um pouco nos protestos de segunda-feira. Mais do que nunca, os partidos políticos encontram-se mal vistos pela sociedade: parece que nunca os políticos foram todos tão iguais. Assim, qualquer manifestação vista como “espontânea” é prontamente elogiada como mais natural, mais bonita mesmo. Apenas gente “do bem” numa manifestação limpa, não contaminada pela política tradicional. Embora as vozes que detestam “baderneiros” tenham-se mantido alertas para denunciar exceções.
Avatares com a máscara do personagem V de Vingança são facilmente vistos na internet acusando a velhice das interpretações do tipo direita versus esquerda, governo versus oposição. Defendem “algo muito maior”, já que “tudo vai mudar”. Mas há uma distância entre o que a máscara quer ver e aquilo que a realidade expressa. Os velhos partidos estão sim preocupados com essa nova mobilização popular. Partidos como o PSTU enfraqueceram-se nas últimas eleições federais e perderam representação no Congresso: querem voltar à cena e, para isso, precisam de adeptos. O PSOL, que cresceu mas continua nanico, quer sair da casa do 1% do eleitorado e também quer seu quinhão da mobilização popular. Aliás, quem observar alguns parlamentares do PSOL irá descobrir uma atuação muito mais disposta a contemporizar com a direita do que sinaliza a manifestação das ruas. O PT teme perder ainda mais terreno nos movimentos sociais. No auge do conflito entre manifestantes e polícia, o prefeito petista estava junto com o governador tucano em Paris, acompanhados do vice-presidente do PMDB: um retrato emblemático. Pegou mal para um PT que já é visto como um partido que, das causas sociais, mantém-se fiel apenas à do combate à pobreza e à desigualdade racial. A participação da Juventude do PT nas manifestações significa muito pouco nesse quadro mais geral em que o partido que governa o país encontra-se. Em nome da  governabilidade, o partido tem sido conivente com interesses conservadores e perdido simpatizantes. O PSDB sequer vai às ruas: a máxima de que a massa tucana distingue-se do restante do país por ser uma “massa cheirosa” custará a desaparecer de nossas memórias. Mas mesmo assim quer tirar proveito das mobilizações populares. Como contam com uma aliança estável com a imprensa nacional, os tucanos conseguem, sem sair de seus gabinetes, colar sua imagem à das manifestações: a foto de Aécio Neves estampada nos principais veículos de comunicação com uma fala singela sobre o sentimento que vem das ruas não é mera coincidência. Imagem que rivaliza com a do Palácio dos Bandeirantes, habitado pelos tucanos, um dos alvos principais dos manifestantes.
Ou seja: velha ou não, a lógica partidária é uma das grandes interessadas com os rumos da atual mobilização popular. Os que hoje estão dispostos a mobilizar-se não deveriam ignorar o poder que os partidos detém. Manifestantes têm toda a liberdade de dizer que uma saída às ruas “irá mudar tudo”. Mas mesmo a história recente tem valiosas lições nesse sentido: a parada organizada pelo movimento de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros tem quase duas décadas no Brasil. Em alguns anos já colocava seu primeiro milhão de manifestantes nas ruas. E, isso tudo, muito antes de ter-se imposto ao calendário das cidades, quando o que predominava não era exatamente o caráter festivo da manifestação. Como dizia uma amiga minha, numa época em que não era moda e que era preciso uma dose de coragem para manifestar-se numa parada desse tipo. Pois bem: quase duas décadas passadas e a pauta que diz respeito aos direitos GLBT não só não avançou como ainda corre o risco de sofrer fortes retrocessos. Os setores sociais que apoiam o movimento e a própria população GLBT não dão a devida importância à lógica partidária? Talvez. Em contraposição, setores religiosos demonstram uma articulação política cada vez maior: presidem a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, pautam o Estatuto do Nascituro e defendem um projeto que permite às Igrejas entrarem no Supremo Tribunal Federal com ações diretas de inconstitucionalidade, para ficar com apenas alguns exemplos. Se, daqui a um ano, a bancada religiosa no Congresso Nacional for ainda maior do que é hoje, ninguém poderá espantar-se dizendo: “mas como foi possível isso acontecer?”. São setores que trabalham diariamente com este objetivo. Um evento organizado recentemente em Brasília pelos evangélicos atacou a tudo e a todos: cobram uma complacência ainda maior do governo federal diante da retirada de direitos, criticam a atuação do Judiciário por reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo e elogiam o “Manifesto do Nada na Terra do Nunca”! Dão repercussão a todos estes apelos em rede nacional de televisão, já que, diante da ausência de regulamentação constitucional, as empresas de comunicação seguem desrespeitando as concessões públicas e vendendo grande parte de seus horários para as igrejas. Querem interferir aqui e no além, pairando acima dos direitos constitucionais. Se passassem, em rede nacional de televisão, as mesmas mensagens que as igrejas evangélicas têm passado, os partidos políticos seriam penalizados (afinal, existe legislação que limita sua atuação). Com tais igrejas nada acontece no sentido de assumirem responsabilidades legais. Atuam partidariamente, mas não são partidos. Ocupam o horário nobre nas telecomunicações, mas não são imprensa. E sobretudo: têm uma atuação política em todos os espaços, seja ela nos vagões dos trens, seja ela no Congresso Nacional. 
É chato dizer isso quando as manifestações ainda brilham em nossos olhos, mas as ruas sozinhas não irão mudar tudo.

domingo, 16 de junho de 2013

Efeitos imorais

      Reblogando o comentário do Jânio de Freitas sobre as responsabilidades diante da violência repressiva face às manifestações em São Paulo. Jânio, pelo que tenho acompanhado, tem sido uma das poucas vozes que não tem cedido nem ao endosso integral a todas as ações dos manifestantes, nem à crítica repressiva (defendida pelo editorial do jornal para o qual ele escreve suas colunas). Num momento de exacerbação de oportunismos (midiáticos, partidários, sensacionalistas) e de partidarização das responsabilidades, vale a pena lê-lo:

Por Jânio de Freitas

      Já na passeata de terça-feira, alguém levava um cartaz bem visível para os PMs e mostrado várias vezes na TV: "Bala de borracha cega". Não era novidade para os soldados, era um lembrete. Não só para os soldados. Também para os meios de comunicação, dos quais, que me conste, nenhum fez alguma advertência contra o uso dessa arma. E cartaz dirigido também ao governador Geraldo Alckmin.

      Um caso, entre tantos. Por um centímetro ou apenas milímetros, a repórter Giuliana Vallone, que não estava nas ruas como manifestante na quinta-feira, não perdeu um olho ao ser atingida por bala de borracha. Isso, no mínimo. Se uma dessas "balas não letais" atingir o flácido globo ocular, perfura-o e o cérebro está ao seu alcance. O resultado provável é a morte. Outras partes do corpo são também vulneráveis e tornam a vida vulnerável às balas de borracha. Agora mesmo um torcedor morreu, na Argentina, atingido por bala de borracha.

      Qual é a finalidade dessa arma? É ferir, com todos os riscos de consequências além disso. Armas para afugentar, dispersar, conter à distância, sem o contato corpo a corpo do cassetete, são as bomba de gás lacrimogêneo e de gás de pimenta.

      Em razão do seu cargo, o governador Geraldo Alckmin é o responsável pelo uso das balas de borracha e pelos riscos que impõem à integridade e até à vida de civis desarmados. Ainda que nem sejam participantes de atos vistos pelo governador como hostis ao seu governo.

      Mas Geraldo Alckmin não é só governador. É médico. Tem ciência plena do que armas como as balas de borracha podem causar. E como médico tem o dever e o compromisso de servir à integridade e à vida de todo ser humano. É sua, no entanto, a responsabilidade pelo porte, pela autorização de uso e, portanto, pelas consequências das armas tão perigosas. Na linguagem convencionada, a sua é a posição de mandante do que quer que ocorra. E do que tenha ocorrido e venha a ocorrer às vítimas dos tiros com balas de borracha.

      É no mínimo indecente que ainda hoje, sob o que consideramos regime democrático, chamemos os gases lacrimogêneo e de pimenta, os revólveres de choque e os tiros de borracha de armas de efeito moral. Denominação adotada pelos regimes de opressão policial-militar.

      A volta de manifestações na semana entrante é mais provável do que uma solução para os protestos. Perspectiva idêntica fez aparecer na manhã de quinta-feira, nesta coluna, um trecho assim: "Quem lhes dá [aos oportunistas da arruaça] a oportunidade é sempre a polícia. As bombas de gás, os tiros, os cassetetes incitam as respostas desafiadoras: é a hora dos arruaceiros". À noite isso se confirmava, com reconhecimento até dos que afirmavam o oposto. É o que tende a ser visto outra vez, se as ordens dos mandantes da violência inicial não as retirarem. Ou até que haja morte. Com decorrências imprevisíveis.

      O vídeo, posto na internet, do soldado quebrando vidros de um carro da PM, pode ficar como símbolo fiel dos acontecimentos em que um médico autoriza e avaliza o uso de armas perigosas contra pessoas em manifestação pacífica, a PM é que incita a desordem, e tudo é imoral nesses efeitos morais ao estilo das ditaduras, disfarçadas ou não.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Arruaça policial

Por Jânio de Freitas

      Estupidez é palavra de diferentes sentidos. A polícia paulista quer adotar todos para caracterizar seu fracassado papel contra os protestos que perturbam o centro paulistano.


      Depois da estupidez dos tiros de balas de borracha e das bombas de gás lançadas a esmo contra os manifestantes, em enorme quantidade, vem o indiciamento por formação de quadrilha de dez detidos na terça-feira. Uma polícia que não distingue entre os que se valem de um momento caótico para fazer baderna, mesmo com vandalismo, e os que se organizam com a finalidade de ganhar pelo crime, não pode se impor nem a arruaceiros.


      É inacreditável que as polícias, não só as nossas, jamais pensem em ações mais simples diante de manifestações coletivas. Ou, ao menos, desprovidas de violência. Com a quantidade de policiais, carros e motos postos no centro de São Paulo terça-feira, é incrível que à PM não tenha ocorrido alguma coisa como um cerco à manifestação em determinadas quadras. Para depois estreitar o aperto, fora das ruas necessárias ao trânsito intenso. Em vez da tentativa de desmontar a manifestação a poder de gás e balas de borracha.


      Aqui ou fora, as manifestações são sempre as mesmas, com dificuldade de variação maior. E as polícias são sempre as mesmas na estupidez inútil da sua violência armada e da irracionalidade. Logo, os oportunistas estarão sempre prontos, entre os manifestantes, para entrar em ação. E quem lhes dá a oportunidade é sempre a polícia. As bombas de gás, os tiros, os cassetetes incitam as respostas desafiadoras: é a hora dos arruaceiros.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Desonera, mas não cai. E o samba continua.

      Estou de acordo com WG: em lugar de beneficiar o conjunto da economia (como deveria ser), as desonerações têm sido embolsadas pelas empresas. Desonerou-se os itens da cesta básica e não houve repasse aos consumidores. Desonerou-se o transporte coletivo e, exceto uma ou outra cidade, houve elevação das tarifas (levando à situação que São Paulo vive neste momento). O governo parece esperar uma parceria espontânea, baseada apenas na boa fé das empresas. Tolice. Deveria contar sim com instrumentos que garantissem o cumprimento do que foi planejado.

Do blog O Cafezinho

Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político

      A Medida Provisória 617, editada em 31/5/13, reduziu a zero os tributos PIS/PASEP e COFINS sobre as receitas das empresas de transporte coletivo de passageiros. Com este novo item, o Ministério da Fazenda estima que as desonerações aceleradas desde 2012 alcancem o total de R$ 72 bilhões no corrente ano. Reduções ou extinções tributárias podem contribuir para a queda da inflação, com repercussões na estabilidade da renda das famílias e do emprego, e servir de incentivo ao investimento privado. Ao fim e ao cabo, se tudo o mais permanece constante, produzem mesmo tais resultados. As interrogações imediatas dizem respeito ao final de quanto tempo e ao cabo de quantos outros eventos os favores tributários trarão as prendas esperadas. Nunca é tarde para boas notícias, mas a propagação de seus benefícios será tanto mais lenta quanto mais longa for a duração da expectativa antecedente.

      Só agora a velocidade inflacionária parece ceder de forma consistente às diversas medidas do governo.

Nós e o mundo

      Um artigo interessante que sintetiza a discussão principal de um seminário (Repensando a Política Macroeconômica) realizado pelo FMI. Estariam chegando a um novo consenso: que a inflação não deve ser a única meta dos Bancos Centrais e que a taxa básica de juros não é o único instrumento. De acordo com o debate, os BCs devem levar em conta o nível de atividade econômica e a estabilidade financeira. Coisa parecida com o que o BC, no período Dilma, vem fazendo. Com a atual crise, até o FMI se vê impelido a rever o receituário que pregou ao menos nas duas últimas décadas. No Brasil, talvez pelo complexo de vira-lata, o fato de o BC ter adotado essa nova direção antes do endosso do Fundo foi (e ainda é) tratado como suprema heresia: teríamos abandonado o compromisso com a estabilidade, o BC teria perdido a suposta autonomia. Desfazer a armadilha do Crescimento versus Inflação parece tarefa impossível até mesmo para a presidente da república, economista de formação.

      
      Dilma parece ter recuado de qualquer tentativa de explicitar publicamente o sentido e a fundamentação da política econômica de seu governo. Após uma fala mal interpretada a respeito do assunto, passou a dizer que não se manifestará mais para que suas palavras não sejam deturpadas. Temos uma presidenta economista, cujas pessoas próximas atestam ser alguém muito inteligente, mas que, de uns tempos pra cá, deu para se manifestar somente sobre amenidades: o programa Sai de Baixo, os velhos personagens de Jô Soares. É certo que o consenso, no Brasil, está muito conformado e ainda distante desse novo consenso do FMI. O resultado é que o governo só demonstra desenvoltura quando se trata de agir de acordo com o velho consenso. Quando inova, age com o máximo silêncio possível. 
      Poderíamos ter nos orgulhado de ter estado à frente das mentes que lapidam o pensamento econômico do FMI. Mas não. O que há é inibição pública! Ah, esse complexo de vira-lata...


Muitos são aqueles que vêm argumentando que, nos últimos dois ou três anos, o tripé de política macroeconômica estabelecido no Brasil em 1999 teria sido ferido letalmente ou até abandonado.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Acordes (muito importante é saber quando estar)

      Em solidariedade ao Zé Celso e todos os atores do Teatro Oficina, que no ano passado encenaram Acordes, de Bertold Brecht, e aceitaram o convite de estudantes da PUC-SP para transformar uma das cenas em uma intervenção, dentro de um contexto autoritário que a universidade vivia/vive. Por conta disso foram denunciados (provavelmente com base em alguma interpretação, digamos, criativa das leis civis) e a polícia intimou Zé Celso a depor. O processo está rolando.
      O Acordes do Oficina é digno de muitos elogios. Foi uma criação de uma potência artística incrível. Fez jus ao histórico do Oficina e, ao mesmo tempo, muito conectada com a atualidade. Essa denúncia, por mais absurda que seja, não deixa de ser também uma prova dessa atualidade.
      Abaixo, o vídeo que foi feito da intervenção:


Ugabuga feelings!!!

Faz-me rir!                                                                                                              
 Um cheiro aqui 

                                                           Faço de conta que não         
                                                                      Rolo no chão
Eu olho pro teto e diga Aai, ajuda!                                                              

Queimando chaleiras      Mas o calor é meu 


Ei, moço, da cara boa
Um amasso lá




Tudo é Brasil!!!

      Em São Paulo, nesses dias, pensam que estão revivendo o espírito de maio de 1968. O contexto absolutamente justificava os acontecimentos de 1968. Aliás, por aqui, dias piores viriam com o AI-5. E agora? R$ 0,20 centavos? Nada? Se tentarmos encontrar uma justificativa para a violência, encontraremos um festival de frases inconclusas incapazes de se relacionar com o mundo ao redor.
      A resposta violenta já começou, e nem sempre vem daqueles que detém o monopólio da violência: vemos um motorista avançar deliberadamente sobre os corpos nas ruas, como se não passassem de obstáculos físicos.
      Alguns jovens irritaram-se com a divulgação, pela imprensa, de que seus familiares pagaram as fianças de milhares de reais imediatamente, que vieram tirá-los do meio do distúrbio, levando-os de volta para o lar. Teria passado a imagem de jovens burgueses mimados. Mas é mentira?
      Tampouco é possível sustentar uma comparação que fique em pé com o Occupy Wal Street. Qualquer um se lembrará que dois de seus importantes porta-vozes, Naomi Klein e Slavoj Žižek, enunciaram o compromisso daquele movimento com a não-violência.
      Mas aqui, é tudo Brasil!, como já se surpreendia Orson Welles. A violência é a forma de render homenagens a todos os erros que nos formam e deformam.


terça-feira, 11 de junho de 2013

sábado, 8 de junho de 2013

Semelhantes e diferentes

      Uma sessão de cinema dupla: Vestido de Laerte (Claudia Priscilla e Pedro Marques, 2012)e Olhe para mim de novo (Claudia Priscilla e Kiko Goifman,2011). A exibição destes dois filmes conjuntamente não é aleatória. Ambos ostentam personagens que trazem a experiência de gênero para o primeiro plano, e de forma talvez desconcertante. E, muito embora o primeiro seja um curta metragem e o segundo uma espécie de documentário road movie, o diálogo possível entre os dois não deixa Vestido de Laerte em nenhuma desvantagem.

    Talvez Laerte Coutinho já dispense apresentações, mesmo quando o assunto não seja a carreira do quadrinista, mas sim a experiência como transgênero. Desde que passou a viver publicamente uma identidade feminina, Laerte tem provocado algumas discussões entre pessoas que, comumente, não dedicam muito tempo de suas vidas a refletir sobre os significados do gênero, do ser travesti, do ser transexual. E mesmo do ser homem e ser mulher, diga-se de passagem. Para inquietação dos caretas, Laerte tem a oferecer um discurso muito bem formulado, digamos assim, bastante razoável sobre essas questões. Por exemplo, ao afirmar que a questão do vestuário impõe-se de forma muito mais rígida para os homens, justamente porque as mulheres, há algumas décadas, foram protagonistas de uma “conquista do vestuário”. Ou seja, elas, ao adotarem peças de roupa, cortes de cabelo (e mesmo formas de conduta exigidas no espaço público, eu acrescentaria) até então tidos como masculinos, conquistaram, ao menos para as mulheres, modos mais plurais para essas expressões aparentes do gênero. Uma mulher de calça é uma mulher de calça. Um homem de saia ainda é visto como um homem vestido de mulher.
      Embora o que salte aos olhos, no caso de Laerte, seja a opção pelo feminino, o caminho para o qual Laerte aponta não me parece ser, simplesmente, o do “isso ou aquilo”. A graça de Laerte é estar na linha de uma afirmação pouco explorada em nossa sociedade: a de que uma expansão das possibilidades de experienciar o gênero tende a colocar em questão a importância de uma linha divisória tão excludente entre o feminino e o masculino.
      Nesse sentido, a outra história, a de Syllvio Luccio de Olhe para mim de novo, reserva diferenças importantes. Syllvio Luccio “nasceu mulher, tornou-se lésbica e agora é homem”. Vive essa experiência no contexto de um sertão nordestino que preza muito o valor da virilidade como algo que é central para os homens. A esse aspecto tradicional soma-se a forte presença das igrejas evangélicas nas classes populares, inclusive, sendo esta a confissão religiosa da filha

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Eduardo Coutinho


      Tem pessoas que dizem assim: como é possível viver sem ter uma utopia? Eu digo: é possível viver sem ter uma utopia. Ou pelo menos a utopia de que se fala, que foi criada por Thomas More, ou sei lá eu quem, entende?
      Eu não sei o que vai ser, eu não sei as coisas como são, eu não sei o quanto vai durar. Agora, eu não preciso de uma grande ideia pra viver. Estar vivo já é um negócio importantíssimo.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Verborragias, desagravos e uma "boa assessoria técnica"

      O senador Randolfe Rodrigues, do PSOL (aquele partido que é a verdadeira esquerda porque considera que, fora o próprio PSOL, só existe fascismo mundo afora) deu uma entrevista em que, além das palavras que não dizem nada de sempre, também renovou a fé de seu partido em lançar candidatura às eleições presidenciais de 2014. Não é preciso dizer que os deputados e senadores que frequentemente têm votado junto com o PSOL em diversas matérias têm sido os da direita, de hoje e de antes. Bastante curioso para quem se apresenta como a verdadeira esquerda. Mas, sem grandes análises, vale resgatar três fatos que ajudam a colocar as coisas em seus devidos lugares:


  • Se houve alguma atuação de destaque do Randolfe na CPMI do Cachoeira, foi só ao fazer caras e bocas ao formular as perguntas mais pueris com ares de grande investigador. Aliás, à época da CPMI, até mesmo um jornalista veterano do Estadão (!) reconheceu, digamos assim, a lentidão intelectual dos atuais representantes do Congresso, lembrando saudosamente (!) a atuação de figuras como José Dirceu.
  • Não custa lembrar que, assim como TODOS os senadores, o senador Randolfe também subiu à tribuna para participar do desagravo ao senador Demóstenes. 
  • E uma última lembrança: o último candidato do PSOL à presidência da república, o Plínio de Arruda, que não é o príncipe dos sociólogos, mas é considerado um intelectual, foi incapaz de responder a uma pergunta sobre a Petrobrás, o Pré-Sal e a diferença entre o regime de concessão e o regime de partilha. A então candidata Dilma até surpreendeu-se com a ignorância de Plínio e disse que acreditava estar passando a bola para Plínio marcar um gol ao endereçar a ele uma questão sobre Petróleo e interesses nacionais. Mas Plínio saiu-se dessa com a seguinte justificativa: "sou candidato à presidente da república, não preciso conhecer os detalhes, para isso terei uma boa equipe de assessores técnicos! Cabe ao presidente da república defender a soberania do país". E bateu no peito, ufanista. Uma referência interessante: o argumento de que contaria com "bons assessores técnicos" era cansativamente usado pela candidata ao governo do DF, a sra. Weslian Roriz, sacrificada pelo marido, impedido de concorrer ao cargo. Weslian, graças a essa atuação, foi facilmente ridicularizada, como uma palhaça, devido a respostas assim. Mas o candidato do PSOL, não! Bateu no peito, ufanista, não respondeu nada, mas ainda assim saiu fazendo pose de grande intelectual. 
      Exceto a atuação coerente do deputado Jean Wyllys, eu não tenho dúvida que, diante dessa atuação precária da esquerda que o PSOL pretende representar, serão, mais uma vez, os candidatos da bancada evangélica mais raivosa que irão fazer a cabeça de muitos eleitores na disputa de 2014.