O site Viomundo entrevistou o professor de sociologia Todd Gitlin, cujo livro mais recente trata do movimento "Occupy Wall Street", suas potencialidades e suas limitações. O professor arrisca ainda traçar alguns pontos em comum entre as manifestações massivas que tem ocorrido em diversos países: uma percepção de que a classe política está indisponível para a população, mas, por outro lado, uma incapacidade desses movimentos tornarem-se uma força instituída que dure e seja capaz de alcançar vitórias.
Por Heloisa Villela, de Nova York
Não foi a partir dos atentados de setembro de 2001 que o governo norte-americano passou a investigar seus próprios cidadãos, desrespeitando a Constituição do país.
Invasão de privacidade nos Estados Unidos, por parte do Estado, é prática antiga, conta o professor de jornalismo e sociologia da Universidade de Columbia, Todd Gitlin.
No fim dos anos 60, ele participou do movimento contra a guerra do Vietnã. Na época, morava em São Francisco. Ressalta: “Eu não era uma liderança do movimento”.
Ainda assim, anos depois, através de um amigo advogado que tinha contato com o serviço de espionagem das Forças Armadas, Gitlin passou uma manhã inteira conversando com um agente que fora encarregado de seguir de perto os passos dele.
Na conversa, o professor ficou espantado. O ex-espião ainda sabia todos os endereços nos quais Gitlin morou, para quem trabalhava, onde ía…
Os métodos se sofisticaram e a espionagem se tornou ampla, geral e irrestrita, como as recentes denúncias de Edward Snowden sobre a National Security Agency (NSA) estão deixando cada vez mais claro.
Todd Gitlin analisou o aparato de espionagem, o crescimento da indústria de arapongagem e sua conhecida incompetência em recente artigo publicado no site TomDispatch.
Em entrevista, disse ao Viomundo que desde a publicação do artigo passou a receber novas denúncias sobre o trabalho dos agentes secretos. No texto, conta que enquanto o FBI recebia dicas a respeito dos irmãos Tsarnaev, aqueles que colocaram bombas caseiras na maratona de Boston, os agentes estavam mais preocupados em vasculhar a vida dos ativistas do Occupy.
Essa indústria de vigilância permanente, que trabalha de mãos dadas com as grandes corporações, está mais preocupada com o controle da população que com os terroristas? “Provavelmente”, diz Gitlin.
“Eles podem até achar que estão preocupados com os terroristas, mas o que sabemos a respeito das ações deles mostra que não entendem quase nada de terroristas. Qualquer pessoa que pensou em encontrar terroristas no Occupy é uma besta. Não tem nem graça”, diz.
Todd Gitlin é autor do livro “Occupy Nation”, publicado no ano passado, uma análise dos movimentos que por um período chacoalharam a política dos Estados Unidos.
Uma observação dele nos chamou especialmente a atenção, considerando eventos estranhos que aconteceram recentemente nas ruas brasileiras, especialmente em São Paulo.
Todd conta que na véspera do primeiro de Maio de 2012, um grupo associado ao Occupy de São Francisco seguiu, em passeata, até um bairro chamado Mission — onde não moram ricos, nem representantes do 1% mais rico dos Estados Unidos. Lá, o grupo destruiu lojas e carros. Um médico, que fazia parte do movimento Occupy e testemunhou a cena, garantiu que um grupo de rapazes atléticos, bem barbeados e movidos à testosterona, liderou o quebra-quebra. Acrescentou: “Não sou um desses fanáticos por teorias de conspiração. Mas já li a respeito de agentes provocadores e tenho que dizer que, sem dúvida, acredito 100% que as pessoas que começaram os eventos de hoje à noite eram exatamente isso”.
Gitlin também conta que a vigilância do aparato de segurança já existia quando o movimento Occupy nasceu. No dia 17 de setembro de 2011, um grupo de ativistas de Nova York decidiu seguir em passeata até a sede do banco JPMorgan Chase.
Chegando lá, os ativistas encontraram o quarteirão todo cercado. Muitos deram como certo que a polícia soube, de antemão, através do monitoramento da troca de e-mails do grupo, para onde pretendiam ir. Por isso, decidiram mudar de rumo na última hora. Seguiram para o Parque Zuccotti, no baixo Manhattan, e ali ficaram — dando início ao que se tornou, depois, o Occupy Wall Street.
Todd Gitlin acredita que os métodos policiais foram empregados por mais de um ano para enfraquecer, com sucesso, o movimento. Mas não atribui o desaparecimento do Occupy a essa interferência.
Ele enxerga na gênese do Occupy a origem da dispersão, mais tarde: ausência de uma agenda política mais ampla e desinteresse e/ou a falta de capacidade organizacional para participar do processo político.
A seguir, a entrevista que nos foi concedida pelo autor:
Viomundo – Quais foram os resultados concretos do movimento Occupy?
Todd Gitlin – O Occupy teve efeito considerável na condução das eleições [legislativas] e mudou o centro de gravidade da política norte-americana. A classe política teve que tratar da questão da desigualdade. Isso roubou a vitória do Tea Party e reorientou o eixo da política norte-americana. Eles [integrantes do Occupy] tornaram mais concretos os desafios da democracia estadunidense diante da desigualdade, mas não conseguiram se sustentar. O movimento enfrentou problemas quando ainda estava nos acampamentos. Quando foram fechados, as forças centrífugas foram fortíssimas. Na superfície, ao menos, tenho que dizer que o Occupy, como movimento, foi bem sucedido enquanto fracassava. Não sei como demonstrar isso, mas muito da energia gerada pelo Occupy foi redirecionada para outros movimentos. É o que ainda está acontecendo com lutas em defesa do meio ambiente, liberdades civis e outras. Mas a habilidade de influenciar a classe política foi muito limitada.
Viomundo – No fim, vimos o Presidente Barack Obama usar a retórica do movimento, falar na defesa dos 99% [contra o 1% no topo da pirâmide], sugerir aumento de impostos para quem ganha mais de US$ 250 mil por ano. Mas foram tomadas medidas concretas para atender as demandas que o movimento trouxe à tona?
Todd Gitlin – Não! É o problema de movimentos como esse, de energia difusa. O problema é como fazer a classe política se mexer. Se o movimento acreditasse nisso, teria se juntado ao Partido Democrata — como o Tea Party fez com o Partido Republicano — e tomado controle de várias áreas do partido, o que não seria difícil.
Viomundo – Para promover mudanças efetivas, eles teriam que entrar no jogo político? Não seria suficiente ter reivindicações mais específicas?
Todd Gitlin — Eu faço uma distinção entre o núcleo do movimento, mais anarquista, que começou com os acampamentos, e a parte de fora, mais convencional, organizada, os sindicalistas, os progressistas, a classe média. Essa parte era bem maior. Mas o núcleo dirigia o processo. E não dava para esperar que eles buscassem isso porque não são assim. Na minha visão, a parte de fora do movimento, se houvesse chance para alguma continuação e canalização da energia em prol de reformas, teria que vir de acordos dos grupos de fora do movimento em torno de um programa mínimo. Mas isso nunca aconteceu. O impulso gerado pelo Occupy se dissipou. Esses grupos organizados teriam de ter formado uma grande coalizão, de sindicatos e movimentos sociais, para ter um acordo coletivo.
Viomundo – Por que não aconteceu?
Todd Gitlin – Pelo lado dos sindicatos, porque eles estão se sentindo vencidos, estão envolvidos em divisões internas, chegaram ao movimento com outra mentalidade. Sabem o que fazer quando tem eleição: eleger democratas. Mas só conseguem acordo para isso. Entram com mentalidade defensiva. Não têm uma mentalidade rebelde. Sentem-se fracassados. As outras organizações progressistas estão envolvidas em suas próprias causas – ação afirmativa, aborto, etc. Não têm ideia coerente a respeito da transformação de forma geral.
Viomundo – O Occupy acabou?
Todd Gitlin – Da forma que vimos em 2011 acho que sim. Mas existe um repositório mais ou menos permanente e subterrâneo, um poço de dissidentes, de anarquistas, de contracultura. E de tempos em tempos ele emerge com preocupações que tocam muitas outras pessoas. De certa forma, o Occupy foi o ressurgimento de um espírito que apareceu primeiro em 1999, durante as demonstrações antiglobalização em Seattle. Agora, esse espírito, que é horizontalista e anarquista, voltou para o subsolo e não sabemos quando virá à tona novamente.
Viomundo – O senhor vê uma correlação entre os movimentos populares recentes no Egito, na Turquia e no Brasil?
Todd Gitlin – Existem muitas distinções entre Tunísia e Egito, depois Espanha e Grécia, Estados Unidos, depois Turquia e Brasil. Mas o elemento comum, ou um deles, é o sentimento de boa parte da população de que a classe política está indisponível para eles. Que vive trancada em um universo que está aquém da influência deles.
Essa é a mensagem que veio da Espanha, da Grécia, dos EUA, da Turquia e parece vir do Brasil. E não é por razões desconectadas que sentem a necessidade de ir às ruas. É porque a politica oficial não é adequada para os problemas que enfrentam.
Mas esses movimentos têm um problema em comum. Eles nasceram entendendo que a classe política falhou com eles. E têm neles mesmos a força para gerar um novo segmento ou substituto para a classe política? Em outras palavras, você não pode governar sendo apenas oposição. A pergunta para todos esses movimentos é: eles podem se transformar, ao menos em parte, em uma máquina, uma espécie de força instituída que dure, que possa alcançar vitórias?
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