Em dois trechos de discurso feito pela presidenta Dilma Rousseff, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, houve uma tomada de posição marcando diferença em relação àqueles que vem interpretando que os protestos brasileiros expressariam uma insatisfação com os rumos da economia, que por sua vez demandaria atender as exigências do Mercado, que por sua vez resultaria numa política de austeridade fiscal recessiva. A fala de Dilma destacou o seguinte:
"Ninguém, neste último mês de várias manifestações, pediu a volta ao passado. Pediram, sim, o avanço para um futuro de mais direitos, mais democracia e mais conquistas sociais"
(...)
" As despesas do governo com o pagamento de juros estão em 4,6% do PIB e são hoje 40% menores que há dez anos atrás, quando este Conselho teve início".
Concordo que falas como "as ruas não pediram a volta ao passado" expressam uma determinação de Dilma em não compactuar com aqueles que querem que o Brasil volte a ser o "último peru de Ação de Graças" do planeta. Foi justamente esse modelo que resultou na incapacidade de investimentos em serviços públicos de qualidade. Dilma nega a fórmula "austeridade + recessão" como solução para a inflação. Ok.
Mas, ao mesmo tempo, continua havendo uma postura algo vacilante (não só por parte do governo) na crítica, na discussão pública e política, e na alternativa a este receituário. Estabilidade fiscal não se faz apenas contingenciando gastos, mas se faz, sobretudo, com um patamar de juros que não comprometa parcelas cada vez maiores dos recursos públicos. Cortar gastos e ao mesmo tempo elevar juros é o mesmo que enxugar gelo com o freezer ligado na potência máxima. Nas entrelinhas, Dilma dá a entender isso. Ao longo de suas entrevistas, fica claro que ela tem essa noção. Mas nem ela, nem o BC e nem a Fazenda (por motivos que provavelmente extrapolam simplesmente a "vontade política") formulam isso explicitamente, em alto e bom som, tranquilamente.
O resultado é isso: uma sociedade que tem uma legião de indignados contra programas de transferência de renda como o Bolsa Família, que consome uma parcela pequena do orçamento, mas, estranhamente, essa mesma sociedade reage passivamente à defesa diuturna que o Mercado faz em relação à elevação da SELIC, que corrói muito mais o orçamento. Há praticamente um didatismo em todas as instâncias dos meios de comunicação no sentido de convencer aos seus públicos de que a elevação da SELIC é um remédio necessário. E um silêncio absurdo em relação àqueles que afirmam que a elevação da SELIC é um veneno, e não um remédio.
Faz parte disso toda a discussão sobre as medidas macroprudenciais como alternativas no combate à inflação, etc.
Outro ponto do discurso de Dilma foi sobre os royalties para a Educação. Ela mantém o mesmo discurso de quando enviou a proposta pela primeira vez ao Congresso. A proposta vem sofrendo vários reveses, mas Dilma não sintoniza o discurso com o tamanho dos reveses. O Congresso, inclusive a base "aliada", faz reclamações pesadas contra Dilma. E Dilma evita publicamente de fazer cobranças mais diretas ao Congresso, acreditando que ao fazer isso está respeitando a autonomia dos poderes. Sua fala costuma ser: não cabe a mim comentar decisões dos outros poderes. Respeitar a autonomia não significa não ter posição. Até o sociólogo Manuel Castells, que não deve entender nada dos meandros da política brasileira, comentou em sua entrevista que "Dilma está sendo esfaqueada pelas costas pelos políticos". Não se trata de declarar guerra ao Congresso. Mas apelos diretos, firmes e públicos aos parlamentares deveriam, ao meu ver, estar mais presentes na atuação política do governo. Até para que não se repita o episódio da MP dos portos, quando o governo deixou a situação chegar a seu limite, levando Dilma a fazer um apelo com apenas poucos dias faltando para a MP perder sua validade (embora a Medida tivesse sido enviada há meses ao Congresso). O resultado foi aquele: a sessão mais longa da história da Câmara com um festival de deputados ligando para outros deputados voltarem ao Congresso porque os colegas já tinham ido para casa dormir, "achando" que a sessão já tinha terminado.
As posições do governo são conhecidas daqueles que se opõe a elas, como no caso de juros, mudanças nos contratos de concessões públicas, royalties, etc. Não reiterá-las e compartilhá-las com toda a sociedade, não diminuirá a animosidade daqueles que não querem mudanças, mas sim a "volta ao passado". Pelo contrário: o silêncio só fará aumentar a sensação de isolamento do governo.
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