terça-feira, 20 de agosto de 2013

Retrato de Lota Macedo Soares, por Cândido Portinari

Por Cândido Portinari



1940

"Flores Raras"...

[Comentário meu] Graças à força da história e das personagens, "Flores Raras" consegue superar debilidades do ponto de vista cinematográfico e, apesar da preocupação em tornar essa história palatável ao consumo de massa (e não é essa a única preocupação mercadológica de Bruno Barreto: atento a carreira internacional, o filme é 99% falado em inglês e seu trailer brasileiro, temendo afastar o público, enfatiza os únicos trechos falados em português; forçou referências a filmes de grande bilheteria; e tenta fazer um cálculo preciso e exagerado sobre as chances de faturar alguma estatueta do Oscar 2014), o filme resulta interessante. De certa forma, isso está na própria fala do diretor, quando em entrevistas sobre "Flores Raras", aponta similaridades entre seu longa e "O Beijo da Mulher Aranha", afirmando que não é só a qualidade que faz o sucesso de um filme, mas também o momento. Assim como nos anos 1980, Barreto acredita que estamos num momento de forte (e ao mesmo tempo fraca, eu diria) discussão política sobre a homossexualidade. Mas, como todo diretor que teme ver seu filme ser visto, sobretudo, como um filme gay, ele se adianta dizendo que o filme é sobre algo muito maior: o amor. Há uma razão de mercado nisso tudo, para além das declarações deste ou daquele diretor. O chamariz de um possível "beijo gay" ainda costuma servir como alavanca para audiência de novelas decadentes. Mesmo a divulgação de "Flores Raras" (que não se limita a esse tipo de convenção) destaca que Glória-Pires-aparece-em-cenas-íntimas-com-outra-mulher-no-trailer. A caricata personagem Crodoaldo vai render uma das estreias mais alardeadas do cinema brasileiro neste ano: não importa a qualidade, mas sim o momento. E o momento, para quem tem uma sintonia fina com o Mercado, parece dizer que a representação da homossexualidade vende bem.

Enfim...

Ponto questionável é a representação do político udenista Carlos Lacerda, que surge estranhamente carismático na tela do cinema e tem seus equívocos políticos  (apóia a ditadura militar e mais tarde, frustadas suas expectativas presidenciais, tenta engrossar uma frente ampla contra ela) atenuados neste filme.

Chega a ser bizarro que o mesmo diretor que parece ter buscado livrar-se de estereótipos ao realizar "Flores Raras" tenha como próximo filme a ser lançado, nada mais nada menos que "Super Crô". Flores para o Mercado...

O filme é baseado no livro "Flores Raras e Banalíssimas" de Carmem L. Oliveira

A seguir, pequeno artigo publicado na Folha de São Paulo, enfatizando a questão política das mulheres lésbicas:

Esperado pela comunidade lésbica, filme 'Flores Raras' vai além disso, por Rita Quadros

Este poderia ser só mais um filme ansiosamente esperado pela comunidade lésbica e, embora seja, vai além. "Flores Raras" nos conta a história de duas mulheres vivendo os encontros e desencontros do amor e da vida, os traumas familiares e suas consequências e a maneira como, cada uma a seu modo, sobrevivem a tudo isso.

Estamos diante de um belo filme. A concretude e objetividade de uma, que explode um morro para proporcionar uma vista maravilhosa à amada, e a subjetividade de outra, que se liberta diante do estrangeiro que a acolhe.

A fortaleza e a assertividade se fundem com a insegurança e a sensação de não ter lugar no mundo: uma se fundindo com outra, vivendo a troca que torna surpreendente o final dessa história de amor intenso e denso.

A trama aguça a curiosidade pela poesia de Bishop e o papel de Lota na arquitetura carioca. Mas tem mais. Uma mulher muda a vida de outra. Empresto a frase de Norma, promotora legal popular, no documentário "Imagem Mulher", que dialoga com o papel da mídia na legitimação da violência contra a mulher (a ser exibido em setembro).

A militância lésbica está colocada diante dos desafios de romper com os padrões heteronormativos das relações entre mulheres e de participar na construção de um mundo onde mulheres não sejam menos que homens.

No filme, as duas transitam sem problema por salões, festas e reuniões, tratadas com respeito e admiração. Em tempos de debates sobre laicidade do Estado, concepções de cidadania e novos arranjos familiares, "Flores..." nos mostra o quanto o poder aquisitivo ainda é passaporte para acesso a direitos.

Tempos em que a intolerância religiosa interfere de maneira brutal na vida das pessoas, quando direitos podem se tornar moeda de troca em espaços que deveriam garantir acessibilidade e equidade nas políticas públicas e no Judiciário.

Uma mulher muda a vida de outra mulher. Mas, onde estão as mulheres? Onde estão as lésbicas? Há mais de 30 anos a participação política dessas mulheres tem contribuído para os avanços.

Tem mais. Precisamos superar a violência física e/ou psicológica que pode ser impingida pelo simples fato de a pessoa ser mulher, por usar roupa "inadequada" ou pelo "despudor" de se relacionar com alguém do mesmo sexo.

Glória Pires e Miranda Otto são dignas de homenagens. Assim como Bias e Roses, Célias e Camilas, Érides e Anas Cleides e Telmas, Silvias e Cris. E tantas outras anônimas que em seu dia a dia, se comprometem e transformam a vida de tantas outras mulheres. Todas podem ser flores, mas nada banais.

RITA QUADROS, feminista, integra a coordenação do Cinemulher e coordena a área de controle social da Secretaria de Política para Mulheres de São Paulo.


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Samba e Sambistas, de Portinari

Por Cândido Portinari


1956



1935

Cinema americano... Baby Got Back, por Thais Gulin






Entrevista de Guido Mantega... à Veja

O ministro da Fazenda reconhece que a alta nos preços reduziu a confiança na economia, declara intolerância ao mal inflacionário e diz que agirá para destravar investimentos. "A inflação é a pior coisa"
Giuliano Guandalini

Guido Mantega é um dos poucos integrantes do primeiro escalão que se mantêm no governo desde 2003, quando o PT assumiu o poder. Foi ministro do Planejamento e presidente do BNDES, até ser nomeado, em março de 2006, para a Fazenda, depois da queda de Antonio Palocci. Seu temperamento contemporizador e sua fidelidade, tanto ao ex-presidente Lula como à presidente Dilma Rousseff, asseguraram a ele uma longevidade rara na Esplanada dos Ministérios. Mantega, de 64 anos, está à frente do programa federal de concessões de obras de infra-estrutura dado como prioridade no governo Dilma neste ano. Ele tem andado ocupado, discutindo com a presidente detalhes da apresentação que o governo brasileiro fará a investidores chineses de projetos de construção de ferrovias no Brasil. O ministro recebeu VEJA em seu gabinete, em Brasília, e manteve-se fiel a sua marca registrada de fama internacional, o otimismo: "Não posso dizer que cresceremos 1,5% e dizer que está bom. Nossa meta é buscar uma taxa de crescimento de 5%.”


Em 2011, o Ministério da Fazenda trabalhava com a expectativa de crescimento médio superior a 5% para os quatro anos do governo Dilma Rousseff. A realidade, no entanto, é que o ritmo de avanço do PIB não será muito superior a 2%, nesse período. O que explica essa reversão de expectativas?

Nossa perspectiva, naquele momento, decorria do resultado obtido nos anos anteriores. De 2006 a 2010, crescemos 4,5% ao ano em média. Foium ritmo superior ao de países como o Chile, por exemplo. A verdade é quesaímos muito bem da crise de 2008 e 2009. Além disso, a percepção geral nomundo era que o pior da crise internacional havia sido superado, o que abria boas perspectivas para o Brasil. O país colhia resultados favoráveis, com aumento dos investimentos e do consumo. Havia um otimismo realista no ar. Em 2011 no entanto, começamos o ano com pressões inflacionárias. Tivemos de tomar medidas para controlar a inflação. Ainda assim, a taxa ficou em 6.5% naquele ano. no limite superior da meta inflacionária. A pior coisa que existe para o Brasil é a inflação, e por isso decidimos fazer um ajuste em 2011. mesmo ao custo de reduzir o crescimento. Se tivéssemos deixado de agir, a economia teria crescido muito mais que os 2,7% registrados. Imaginamos que haveria uma reação a partir de 2012. Acabamos, no entanto, surpreendidos com o agravamento da crise europeia. O panorama mudou.


Como o governo reagiu a essa nova crise?

A crise obriga os países a fazer reformas. Foi o que fizemos. Implantamos uma política para dar mais competitividade à indústria, reduzindo alguns dos principais custos das empresas. Em primeiro lugar, o custo financeiro, diminuindo as taxas de juros dos bancos públicos. Fizemos também um ajuste cambial. Com o excesso de dólares nos mercados internacionais, o Brasil despontava como um destino atraente para esses recursos. Estávamos numa situação delicada, com o real extremamente valorizado. O dólar chegou a ser cotado a 1.60 real. Colocamos o câmbio em um novo patamar, tornando a indústria nacional mais competitiva. Se não tivéssemos feito isso, intervindo no câmbio, uma parte da indústria teria perecido. As empresas não suportariam o boom de importações. Fomos inundados por importações. A importação de carros estava crescendo ao ritmo de 30% ao ano. Começamos também a reduzir tributos. Com esse conjunto de medidas, buscamos preparar o Brasil para ser mais competitivo no pós-crise.


Com a resistência da inflação, contudo, não deveria ter sido feito um ajuste mais duro, tanto nas contas públicas como na taxa básica de juros, a Selic?

Foi exatamente isso que fizemos em 2011, aumentando o custo do crédito e contraindo o consumo. Foi duríssimo. Mas, com a crise europeia, foi o momento de voltar a diminuir os juros. Todo mundo fez isso. Na seqüência, tivemos de lidar com pressões inflacionárias advindas de quebras de safras internacionais. Não existe pressão inflacionária originada no consumo, como muitos dizem. Pelo contrário. O ritmo de crescimento nas vendas do comércio está em queda. As pressões inflacionárias não vieram do aumento do consumo interno. Elas vieram da quebra de safras agrícolas em diversos países, além da pressão exercida pela valorização do dólar. Entramos em 2013 com a inflação mais elevada. Felizmente, a inflação no preço dos alimentos, a mais forte, perdeu intensidade. Hoje os dados mostram que a inflação brasileira já está recuando para um patamar mais confortável.


Diversos indicadores revelam queda da confiança dos brasileiros, tanto entre consumidores como entre empresários. Por quê?

 O consumidor, de fato, sentiu os efeitos do aumento da inflação e também as restrições ao crédito. Para as pessoas de baixa renda, o aumento dos alimentos teve um peso importante. Mas os indicadores mais recentes mostram que a confiança começa a ser restabelecida. Além disso, há um impacto dos humores externos. A alta do dólar sempre causa preocupação. No que diz respeito aos investidores externos, a confiança no Brasil permanece alta, apesar de algumas análises em contrário. Fechamos o primeiro semestre com mais de 30 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros diretos, recursos destinados ao setor produtivo. Foi um número superior ao registrado em igual período do ano passado. Se isso não é confiança, eu não sei o que é. Não acredito que os investidores tenham um instinto suicida. Eles estão vindo porque têm confiança. O Brasil foi, no ano passado, o terceiro principal destino de investimentos diretos, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.


Diferentes analistas, externos e internos, veem uma perda de credibilidade na condução da economia brasileria, em decorrência de fatorescomo o aumento na inflação e também de incertezas com relação ao resultado das finanças públicas...

O governo jamais deixará a inflação sair do controle, mesmo que isso signifique reduzir a taxa de crescimento. Com relação ao resultado fiscal, o superávit primário foi reduzido porque consideramos necessário edesejável conceder desonerações, ou seja, redução de impostos, principalmente para os investimentos. Sem essas desonerações, a meta fiscal seria cumprida tranquilamente. Fazemos uma política anticíclica. Quando a economia desacelera, estimulamos a economia, reduzindo impostos. A chamada “contabilidade criativa", muito criticada, é como capitalizamos o BNDES, ou como emprestamos dinheiro ao BNDES por meio de títulos públicos. Tudo isso está perfeitamente dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal. É absolutamente transparente. Temos um dos orçamentos mais transparentes do mundo. Começamos com essa política em 2009, quando houve um travamento dos financiamentos ao investimento. Infelizmente, o setor privado não tem condições de fazer esses financiamentos. Adoraria que ele tivesse. Colocamos 100 bilhões de reais no BNDES nos últimos anos. Sem isso, os investimentos das empresas não teriam se recuperado. É uma balela dizer que demos incentivos apenas ao consumo e não aos investimentos. Os investimentos estavam crescendo acima do PIB. Mas, quando veio a crise, os investimentos se retraíram.


O BNDES receberá novos aportes?

Vamos continuar colocando dinheiro no BNDES, ainda que em ritmo menor. Os bancos privados começam a entrar no financiamento de longo prazo, e com o tempo isso deverá diminuir o papel do BNDES.


O Banco Central afirmou em ata recente que o governo tem mantido uma política fiscal expansionista. Para auxiliar no combate à inflação e evitar uma alta ainda elevada nos juros, o correto não seria apertar o orçamento público?

Neste momento a política fiscal é neutra, ela não é expansionista. Nossos gastos estão contidos. Ela foi expansionista em 2012, porque o PIB estava crescendo menos. Mas foi expansionista sobretudo com desonerações. Neste ano deverão ser 50 bilhões de reais. Pergunte ao empresariado se é desejável que o governo interrompa as desonerações.


Para conter a alta maior da inflação, o governo decidiu evitar repasses do aumento do custo do petróleo para os preços dos combustíveis. A Petrobras amarga grandes prejuízos com essa política. Não é um contrassenso?

Se analisarmos os últimos cinco ou seis anos, os preços dos combustíveis ficaram acima dos preços internacionais na maior parte do tempo. A Petrobras tem uma política de não conceder reajustes automáticos, conforme as oscilações internacionais. Ela trabalha com uma média. No passado, os preços ficavam mais tempo acima que abaixo das médias internacionais. Ela estava guardando caixa, podemos dizer. Neste momento de inflação mais aguda, todo mundo precisa colaborar.


A taxa de investimentos do país, medida em relação ao tamanho da economia, é muito baixa. O que falta para destravar os investimentos?

Em primeiro lugar, os investimentos públicos em infraestrutura vêm crescendo, talvez menos do que gostaríamos. Não é fácil elevar o investimento, eu reconheço. O limite atual não é de recursos, mas de projetos. No passado, não havia recursos. Agora o problema passou a ser de falta de projetos benfeitos para ser executados. Por isso somos totalmente favoráveis à participação privada nos investimentos. É essa parceria que elevará a taxa de investimentos. É o que vamos fazer com as concessões. Serão licitados, ainda neste ano, 7 500 quilômetros de rodovias.


Essas licitações já deveriam ter sido feitas e foram adiadas. Agora é para valer?

Em abril, quando as licitações seriam lançadas, houve resistência dos investidores porque, de fato. a rentabilidade oferecida nos projetos estava muito baixa. Os estudos eram antigos, a rentabilidade não chegava a 5%. A pedido da presidente Dilma, atualizamos todos os cálculos. Posso dizer que o setor privado, agora, está satisfeito. As rodovias terão uma taxa de rentabilidade excelente, que deverá ser de 7.2% ao ano. Considerando os financiamentos dos bancos públicos, chega-se a uma rentabilidade de 15% em termos reais. Existem poucos casos no mundo de rendimento como esse. Teremos concorrência. A nossa prioridade hoje são os investimentos em infraestrurura, porque temos um gargalo em todo o país, decorrente de vários anos sem investimentos apropriados. Essa é uma grande oportunidade para os próximos anos.


O senhor costuma ser criticado por esbanjar otimismo em previsões que, mais tarde, não se confirmam. Isso não reduz a credibilidade da política econômica?

São metas para as quais precisamos trabalhar. Precisamos nos colocar desafios. Não posso dizer que cresceremos 1.5% e dizer que está bom. Nossa meta é buscar uma taxa de crescimento de 5% com aumento dos investimentos da infraestrutura e manutenção do nível de emprego, permitindo uma alta sustentável na oferta de crédito. Eu estabeleço metas e desafios a ser alcançados, não apenas para o setor público, mas também para o setor privado. Agora, não podemos nos esquecer de que sofremos com a pior crise da história do capitalismo em oitenta anos. Nós a estamos atravessando muito bem. Não me lembro de termos enfrentado uma crise dessas, no passado, mantendo a taxa de desemprego em patamares tão baixos como os atuais.


Muito se fala da sua eventual saída do ministério. Há algum fundo de verdade nesses boatos?

Nesse longo período em que aqui estou, já houve ocasiões em que alguns lançaram esses boatos, e todos se verificaram infundados. Da mesma forma que no passado, assim o são hoje. É normal. Quando começou o governo Dilma, dizia-se que eu não era escolha dela, e sim do Lula, e eu poderia sair na primeira revisão ministerial. Isso nunca aconteceu.


Na semana passada, VEJA trouxe uma reportagem sobre uma conspiração do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, para tirá-lo do ministério. O senhor teve conhecimento dessa conspiração?

Fiquei perplexo ao ler a matéria, e não acredito que o meu colega Aloizio Mercadante, que conheço há mais de trinta anos, pudesse ter arquitetado algo que desestabilizaria o governo.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Taí, com Nara Leão




Retrato de Oswald de Andrade

Por Cândido Portinari



1933
Fonte: Projeto Portinari

Trens e Metrô superfaturados em 30%

Da revista Istoé

Ao analisar documentos da Siemens, empresa integrante do cartel que drenou recursos do Metrô e trens de São Paulo, o Cade e o MP concluíram que os cofres paulistas foram lesados em pelo menos R$ 425 milhões

Alan Rodrigues, Pedro Marcondes de Moura e Sérgio Pardellas

Na última semana, ISTOÉ publicou documentos inéditos e trouxe à tona o depoimento voluntário de um ex-funcionário da multinacional alemã Siemens ao Ministério Público. Segundo as revelações, o esquema montado por empresas da área de transporte sobre trilhos em São Paulo para vencer e lucrar com licitações públicas durante os sucessivos governos do PSDB nos últimos 20 anos contou com a participação de autoridades e servidores públicos e abasteceu um propinoduto milionário que desviou dinheiro das obras para políticos tucanos. Toda a documentação, inclusive um relatório do que foi revelado pelo ex-funcionário da empresa alemã, está em poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para quem a Siemens – ré confessa por formação de cartel – vem denunciando desde maio de 2012 as falcatruas no Metrô e nos trens paulistas, em troca de imunidade civil e criminal para si e seus executivos. Até semana passada, porém, não se sabia quão rentável era este cartel.

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Ao se aprofundarem, nos últimos dias, na análise da papelada e depoimentos colhidos até agora, integrantes do Cade e do Ministério Público se surpreenderam com a quantidade de irregularidades encontradas nos acordos firmados entre os governos tucanos de São Paulo e as companhias encarregadas da manutenção e aquisição de trens e da construção de linhas do Metrô e de trens. Uma das autoridades envolvidas na investigação chegou a se referir ao esquema como uma fabulosa história de achaque aos cofres públicos, num enredo formado por pessoas-chaves da administração – entre eles diretores do metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) –, com participação especial de políticos do PSDB, os principais beneficiários da tramoia. Durante a apuração, ficou evidente que o desenlace dessa trama é amargo para os contribuintes paulistas. A investigação revela que o cartel superfaturou cada obra em 30%. É o mesmo que dizer que os governantes tucanos jogaram nos trilhos R$ 3 de cada R$ 10 desembolsado com o dinheiro arrecadado dos impostos. Foram analisados 16 contratos correspondentes a seis projetos. De acordo com o MP e o Cade, os prejuízos aos cofres públicos somente nesses negócios chegaram a RS 425,1 milhões. Os valores, dizem fontes ligadas à investigação ouvidas por ISTOÉ, ainda devem se ampliar com o detalhamento de outros certames vencidos em São Paulo pelas empresas integrantes do cartel nesses e em outros projetos.

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Entre os contratos em que o Cade detectou flagrante sobrepreço está o de fornecimento e instalação de sistemas para transporte sobre trilhos da fase 1 da Linha 5 Lilás do metrô paulista. A licitação foi vencida pelo consórcio Sistrem, formado pela empresa francesa Alstom, pela alemã Siemens juntamente com a ADtranz (da canadense Bombardier) e a espanhola CAF. Os serviços foram orçados em R$ 615 milhões. De acordo com testemunhos oferecidos ao Cade e ao Ministério Público, esse contrato rendeu uma comissão de 7,5% a políticos do PSDB e dirigentes da estatal. Isso significa algo em torno de R$ 46 milhões só em propina. “A Alstom coordenou um grande acordo entre várias empresas, possibilitando dessa forma um superfaturamento do projeto”, revelou um funcionário da Siemens ao MP. Antes da licitação, a Alstom, a ADtranz, a CAF, a Siemens, a TTrans e a Mitsui definiram a estratégia para obter o maior lucro possível. As companhias que se associaram para a prática criminosa são as principais detentoras da tecnologia dos serviços contratados.


O responsável por estabelecer o escopo de fornecimento e os preços a serem praticados pelas empresas nesse contrato era o executivo Masao Suzuki, da Mitsui. Sua empresa, no entanto, não foi a principal beneficiária do certame. Quem ficou com a maior parte dos valores recebidos no contrato da fase 1 da Linha 5 Lilás do Metrô paulista foi a Alstom, que comandou a ação do cartel durante a licitação. Mas todas as participantes entraram no caixa da propina. Cada empresa tinha sua própria forma de pagar a comissão combinada com integrantes do PSDB paulista, segundo relato do delator e ex-funcionário da Siemens revelado por ISTOÉ em sua última edição. Nesse contrato específico, a multinacional francesa Alstom e a alemã Siemens recorreram à consultoria dos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira. Documentos apresentados por ISTOÉ na semana passada mostraram que eles operam por meio de duas offshores localizadas no Uruguai, a Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A. Para não deixar rastro do suborno, ambos também se valem de contas em bancos na Suíça, de acordo a investigação.

No contrato da Linha 2 do Metrô, o superfaturamento identificado até agora causou um prejuízo estimado em R$ 67,5 milhões ao erário paulista. As licitações investigadas foram vencidas pela dupla Alstom/Siemens e pelo consórcio Metrosist, do qual a Alstom também fez parte. O contrato executado previa a prestação de serviços de engenharia, o fornecimento, a montagem e a instalação de sistemas destinados à extensão oeste da Linha 2 Verde. Orçado inicialmente em R$ 81,7 milhões, só esse contrato recebeu 13 reajustes desde que foi assinado, em outubro de 1997. As multinacionais francesa e alemã ficaram responsáveis pelo projeto executivo para fornecimento e implantação de sistemas para o trecho Ana Rosa/ Ipiranga. A Asltom e a Siemens receberam pelo menos R$ 143,6 milhões para executar esse serviço.

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O sobrepreço de 30% foi estabelecido também em contratos celebrados entre as empresas pertencentes ao cartel e à estatal paulista CPTM. Entre eles, o firmado em 2002 para prestação de serviços de manutenção preventiva e corretiva de dez trens da série 3000. A Siemens ganhou o certame por um valor original de R$ 33,7 milhões. Em seguida, o conglomerado alemão subcontratou a MGE Transportes para serviços que nunca foram realizados. A MGE, na verdade, serviu de ponte para que a Siemens pudesse efetuar o pagamento da propina de 5% acertada com autoridades e dirigentes do Metrô e da CPTM. O dinheiro da comissão – cerca de R$ 1,7 milhão só nessa negociata, segundo os investigadores – mais uma vez tinha como destino final a alta cúpula da estatal e políticos ligados ao PSDB. A propina seria distribuída, segundo depoimento ao Cade ao qual ISTOÉ teve acesso, pelo diretor da CPTM, Luiz Lavorente. Além da MGE, a Siemens também recorreu à companhia japonesa Mitsui para intermediar pagamentos de propina em outras transações. O que mais uma vez demonstra o quão próxima eram as relações das empresas do cartel que, na teoria, deveriam concorrer entre si pelos milionários contratos públicos no setor de transportes sobre trilhos. O resultado da parceria criminosa entre as gigantes do setor pareceu claro em outros 12 contratos celebrados com a CPTM referentes às manutenções dos trens das séries 2000 e 2100 e o Projeto Boa Viagem, que já foram analisados pelo CADE. Neles, foi contabilizado um sobrepreço de aproximadamente R$ 163 milhões. 
Não é por acaso que as autoridades responsáveis por investigar o caso referem-se ao esquema dos governos do PSDB em São Paulo como uma “fabulosa história”. O superfaturamento constatado nos contratos de serviços e oferta de produtos às estatais paulistanas Metrô e a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos [CPTM] supera até mesmo os índices médios calculados internacionalmente durante a prática deste crime. Cálculos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, por exemplo, apontam que os cartéis ocasionam um prejuízo aos cofres públicos de 10% a 20%. No caso destes 16 contratos, a combinação de preços e direcionamentos realizados pelas companhias participantes da prática criminosa levaram a um surpreendente rombo de 30% aos cofres paulistas.

Diante das denúncias, na última semana o PT e outros partidos oposicionistas em São Paulo passaram a se movimentar para tentar aprovar a instalação de uma CPI. “O governador Geraldo Alckmin diz querer que as denúncias do Metrô e da CPTM sejam apuradas. Então, que oriente a sua bancada a protocolar o pedido de CPI, pelo menos, desta vez”, propôs o líder do PT na Assembleia paulista, Luiz Cláudio Marcolino. “É flagrante que os contratos precisam ser revisados. Temos de ter transparência com o dinheiro público independente de partido”, diz ele. Caso a bancada estadual do PT não consiga aprovar o pedido, por ter minoria, a sigla tentará abrir uma investigação na Câmara Federal. “Não podemos deixar um assunto desta gravidade sem esclarecimentos. Ainda mais quando se trato de acusações tão contundentes de desvios de verbas públicas”, afirmou o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP). O que se sabe até agora já é suficiente para ensejar um inquérito. Afinal, trata-se de um desvio milionário de uma das principais obras da cidade mais populosa do País e onde se concentra o maior orçamento nacional. Se investigada a fundo, a história do achaque de 30% aos cofres públicos pode trazer ainda mais revelações fabulosas.

Queima de arquivo
Uma pasta amarela com cerca de 200 páginas guardada na 1ª Vara Criminal do Fórum da cidade de Itu, interior paulista, expõe um lado ainda mais sombrio das investigações que apuram o desvio milionário das obras do metrô e trens metropolitanos durante governos do PSDB em São Paulo nos últimos 20 anos. Trata-se do processo judicial 9900.98.2012 que investiga um incêndio criminoso que consumiu durante cinco horas 15.339 caixas de documentos e 3.001 tubos de desenhos técnicos. A papelada fazia parte dos arquivos do metrô armazenados havia três décadas. Entre os papeis que viraram cinzas estão contratos assinados entre 1977 e 2011, laudos técnicos, processos de contratação, de incidentes, propostas, empenhos, além de relatórios de acompanhamento de contratos de 1968 até 2009. Sob segredo de Justiça, a investigação que poderá ser reaberta pelo Ministério Público, diante das novas revelações sobre o caso feitas por ISTOÉ, acrescenta novos ingredientes às já contundentes denúncias feitas ao Cade pelos empresários da Siemens a respeito do escândalo do metrô paulista. Afinal, a ação dos bandidos pode ter acobertado a distribuição de propina, superfaturamento das obras, serviços e a compra e manutenção de equipamentos para o metrô paulista.

Segundo o processo, na madrugada do dia 9 de julho do ano passado, nove homens encapuzados e armados invadiram o galpão da empresa PA Arquivos Ltda, na cidade de Itu, distante 110 km da capital paulista, renderam os dois vigias, roubaram 10 computadores usados, espalharam gasolina pelo prédio de 5 mil m² e atearam fogo. Não sobrou nada. Quatro meses depois de lavrado o boletim de ocorrência, nº 1435/2012, a polícia paulista concluiu que o incêndio não passou de um crime comum. “As investigações não deram em nada”, admite a delegada de Policia Civil Milena, que insistiu em se identificar apenas pelo primeiro nome. “Os homens estavam encapuzados e não foram identificados”, diz a policial. Investigado basicamente como sumiço de papéis velhos, o incêndio agora ganha ares de queima de arquivo. O incidente ocorreu 50 dias depois de entrar em vigor a Lei do Acesso à Informação, que obriga os órgãos públicos a fornecerem cópias a quem solicitar de qualquer documento que não seja coberto por sigilo legal, e quatro meses depois de começarem as negociações entre o Cade e a Siemens para a assinatura do acordo de leniência, que vem denunciando as falcatruas no metrô e trens paulistas. “Não podemos descartar que a intenção desse crime era esconder provas da corrupção”, entende o deputado Luiz Cláudio Marcolino, líder do PT na Assembleia Legislativa do Estado.

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Além das circunstâncias mais do que suspeitas do incêndio, documentos oficiais do governo, elaborados pela gerência de Auditoria e Segurança da Informação (GAD), nº 360, em 19 de setembro passado, deixam claro que o galpão para onde foi levado todo o arquivo do metrô não tinha as mínimas condições para a guarda do material. Cravado em plena zona rural de Itu, entre uma criação de coelhos e um pasto com cocheiras de gado, o galpão onde estavam armazenados os documentos não tinha qualquer segurança. Poderia ser facilmente acessado pelas laterais e fundos da construção. 

De acordo com os documentos aos quais ISTOÉ teve acesso, o governo estadual sabia exatamente da precariedade da construção quando transferiu os arquivos para o local. O relatório de auditoria afirma que em 20 de abril de 2012 - portanto, três dias depois da assinatura do contrato entre a PA Arquivos e o governo de Geraldo Alckmin - o galpão permanecia em obras e “a empresa não estava preparada para receber as caixas do Metrô”. A comunicação interna do governo diz mais. Segundo o laudo técnico do GAD, “a empresa não possuía instalações adequadas para garantir a preservação do acervo documental”. Não havia sequer a climatização do ambiente, item fundamental para serviços deste tipo. 

O prédio foi incendiado poucos dias depois da migração do material para o espaço. “Não quero falar sobre esse crime”, disse um dos proprietários da empresa, na época do incêndio, Carlos Ulderico Botelho. “Briguei com o meu sócio, sai da sociedade e tomei muito prejuízo. Esse incêndio foi estranho. Por isso, prefiro ficar em silêncio”. Outra excentricidade do crime é que o fato só foi confirmado oficialmente pelo governo seis meses depois do ocorrido. Em 16 páginas do Diário do Diário Oficial, falou-se em “sumiço” da papelada. Logo depois da divulgação do sinistro, o deputado estadual do PT, Simão Pedro, hoje secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo, representou contra o Governo do Estado no Ministério Público Estadual. “Acredita-se que os bandidos tenham provocado o incêndio devido o lugar abrigar vários documentos”. Para o parlamentar, “esse fato sairia da hipótese de crime de roubo com o agravante de causar incêndio, para outro crime, de deliberada destruição de documentos públicos”, disse Simão, em dezembro passado. Procurados por ISTOÉ, dirigentes do Metrô de SP não quiseram se posicionar.

Fotos: PEDRO DIAS/ag. istoé
Fotos: ADRIANA SPACA/BRAZIL PHOTO PRESS; Luiz Claudio Barbosa/Futura Press; NILTON FUKUDA/ESTADÃO
Foto: Rubens Chaves/Folhapress

I'll try anything once



sábado, 3 de agosto de 2013

Cabeça de Mulata

Por Cândido Portinari



1938
Fonte: Projeto Portinari

Lather





O infantilismo político na Rede

Do Correio Braziliense

Pedro Piccolo Contesini, 27 anos, membro da Comissão Executiva Nacional Provisória da Rede Sustentabilidade, pediu seu afastamento da organização, ontem. O sociólogo foi identificado com uma camisa do partido que Marina Silva tenta criar para concorrer às eleições de 2014 durante a depredação do Palácio Itamaraty, em 20 de junho. Ele participava das manifestações naquela noite e imagens a que o Correio teve acesso mostravam o militante com uma barra de ferro, de cerca de dois metros. Na sequência das fotos, o rapaz joga o objeto em direção ao prédio.
Ainda na tarde de ontem, a Rede soltou nota em que anunciava o afastamento de Pedro, pelo menos até que as ações dele fossem apuradas. “Em decorrência da investigação iniciada pela Polícia Federal sobre sua suposta participação nos atos de depredação do Itamaraty, Pedro Piccolo Contesini, membro da Executiva Nacional Provisória da Rede Sustentabilidade, pediu nesta tarde o afastamento do cargo até que os fatos sejam apurados. A Executiva Nacional Provisória acata e respeita a decisão de Piccolo”, afirma a nota.
Em seu perfil no Facebook, o rapaz admitiu ter participado do ato e, inclusive, ter usado a barra de ferro, mas, segundo ele, somente como proteção. “A tensão foi crescendo e o único lugar que parecia mais desguarnecido de tropas era o Palácio do Itamaraty, para onde a PM praticamente empurrou uma parte dos manifestantes, ao continuar a jogar bombas sobre o gramado diante do Congresso. Esse foi o contexto de um dia no qual cometi muitos erros, mas só pude ter plena consciência deles retrospectivamente”, alegou.
Apesar de afirmar que não depredou o prédio, Pedro acabou pedindo desculpas para os companheiros de organização. “Hoje vejo com clareza os excessos que cometi e o risco a que submeti a Rede, de ser caluniada ou passar a ser objeto de insinuações de ter algo a ver com os quebra-quebras durante as manifestações. Estou arrependido, errei politicamente, mas em nenhum momento cometi crime”, continuou. Os reparos com o Palácio do Itamaraty custaram R$ 18,5 mil.
Pedro Contesini foi procurado por agentes da Polícia Civil do DF em 24 de julho. Segundo o rapaz, ele prestou depoimento na 5ª Delegacia de Polícia. De lá, o processo seguiria para a Polícia Federal. Só então seria produzido um inquérito, a ser enviado ao Ministério Público, que decidiria pela abertura, ou não, de processo judicial.

Sobre estupro, o acerto da lei e o famigerado deputado

[Comentário meu] Não gosto de contribuir para tornar o deputado (in)Feliciano uma figura importante, pois considero que atuações como a dele tornam a político algo pequeno, além de obscurecer as razões de muitos problemas sérios em nosso país. Mas o texto e a crítica da blogueira Nádia Lapa sobre a questão do atendimento às vítimas de estupro é interessante e, por isso, republico aqui.

Na quinta-feira 1º foi sancionada a lei que obriga os hospitais a oferecerem "atendimento imediato e multidisciplinar para o controle e tratamento dos impactos físicos e emocionais causados pelo estupro". A lei prevê, entre outras medidas, a administração da pílula do dia seguinte; com a medicação, a possibilidade de gravidez decorrente do estupro diminui.

Essa parte da lei desagradou algumas entidades e políticos antiescolha, que aparentemente ignoram o fato de que a pílula já é ministrada nos hospitais de referência, assim como pode ser adquirida em qualquer farmácia.

Parece surreal que políticos e entidades sejam contrários ao atendimento multidisciplinar de vítimas de um crime bárbaro como o estupro. É surreal, na verdade. Como alguém pode ser contrário à orientação correta e segura para salvaguardar a saúde física e mental de uma vítima de tamanha agressão?

O deputado federal Marco Feliciano é uma dessas pessoas, e tentou explicar no Twitter na noite da quinta-feira 1º o seu posicionamento. O que vimos foi um show de desrespeito à mulher, conforme as mensagens abaixo, copiadas da rede social do deputado.

1) O Palácio do Planalto esta desorientado ou muito mal intencionado. Lamento q a Pres. Dilma acabou sancionando integralmente o PLC 3/2013

(...)

8) Esse projeto alem de ser p/vitima de estupro, tbem fala de sexo sem consentimento, profilaxia da gravidez, como se gravidez fosse doença.

9) Uma mulher gravida de 2 meses dizendo ao médico q o marido fez sexo a força, ou ela ñ qria pq estava com dor de cabeça? Aborto feito!

10) não há como comprovar q o sexo foi sem consentimento... É a palavra da mulher que engravidou e pronto. Não há como provar.

11) No estupro há! Houve violência. Foi feito a denuncia imediatamente. A lei ja protege a mulher vitima de estupro. Ja há lei!

12) se estupro e sexo sem consentimento é a mesma coisa, porque o texto do projeto fala de um e outro separadamente? Engodo!

13) a lei brasileira ja contempla o aborto em caso de estupro. Eu não concordo, mas é lei. Agora ampliam para sexo sem consentimento.

Eu tive muita dificuldade de entender o que o deputado estava falando, confesso. Não me passaria pela cabeça que hoje em dia alguém defenderia publicamente a ideia de que sexo sem consentimento é diferente de estupro. Ora, esta é exatamente a definição de estupro!

Se uma das pessoas envolvidas não está conscientemente engajada na relação sexual, dando permissão para o (s) parceiro (s), ela está sendo violentada. Sexo requer consentimento. Se ele não existe, é estupro. É violência.

Feliciano fala como se o "sexo sem consentimento" fosse aquele em que não há provas da violência. O senso comum entende que a vítima de um crime sexual terá, necessariamente, de apresentar marcas de defesa pelo corpo. O estupro só é aceito como verdade se a pessoa agredida for o que chamamos de "vítima perfeita": deve ser "de família", não beber, ser atacada por um estranho (armado, forte), vestir-se da cabeça aos pés, reagir gritando e batendo no agressor, denunciar o crime imediatamente.

Caso algum desses itens esteja faltando, a veracidade da agressão será questionada. Falam como se fosse fácil para uma vítima de estupro procurar as autoridades competentes. Mesmo quando a vítima procura uma Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), criada justamente para casos delicados e de violência de gênero, seu caso pode ser tratado de maneira falha. Foi o que aconteceu em Niterói em março deste ano. Uma mulher registrou ocorrência de estupro ocorrido numa van, mas não houve investigação. Duas semanas depois, os mesmo estupradores atacaram uma turista americana no Rio de Janeiro. Dessa vez, com a denúncia da imprensa e a pressão popular, conseguiram prendê-los. A delegada da Deam de Niterói, Marta Dominguez, foi exonerada.

Feliciano e os que repetem seu discurso defendem que há mulheres que denunciam estupro sem terem sido estupradas, como se ir à delegacia fosse tão agradável quanto um passeio pela orla de Ipanema, água de coco na mão, com o sol se ponto atrás do Morro Dois Irmãos. Não é. Além da burocracia que todos nós conhecemos ao usar qualquer serviço público, a vítima terá de fazer exames no IML, passando pelo imenso constrangimento de tirar a roupa na frente de um estranho, em ambiente frio e cinza, deixando que outra pessoa toque um corpo já machucado (ainda que tais feridas não sejam tão aparentes assim para quem só observa sem empatia). E este é só o começo de um procedimento longo e doloroso. Definitivamente não é um passeio.

Houve quem entendesse que Feliciano defendeu, em suas postagens, que um marido não poderia estuprar a esposa, como se o consentimento estivesse explícito numa relação marital. Não seria surpreendente - muita gente acha isso mesmo. Mas, por ora, preferi entrar na minha máquina do tempo e adiantar para algum ano em que a mulher não é considerada propriedade do marido. Volto depois contando como é.

Uma lei que eleva o país

Texto raro de se ler no editorial do Estadão, reconhecendo as iniciativas anticorrupção da presidenta Dilma Rousseff:

No combate à corrupção, o Brasil acaba de entrar para o rol das nações sérias. A presidente Dilma Rousseff sancionou lei sem precedentes, que pune empresas envolvidas em fraudes com o dinheiro público. De iniciativa do Planalto, por sugestão da Controladoria-Geral da União (CGU), chefiada pelo ministro Jorge Hage, o projeto tramitou lentamente na Câmara dos Deputados até ser aprovado no Senado pouco antes do recesso.

Transformada em lei, a proposta tira dos homens de negócio e executivos corruptores o conforto de saber que, tenham feito o que fizessem e mesmo se condenados por seus ilícitos, como fraudar licitações ou subornar agentes públicos, o patrimônio das suas empresas permaneceria intacto. Afinal, a legislação não previa, nessa esfera, nenhuma punição para pessoas jurídicas. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo, de há muito que elas também pagam pelas lambanças dos seus dirigentes.

É, de resto, o padrão adotado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado "clube dos ricos", que reúne mais de 30 nações comprometidas com a democracia representativa e a economia de mercado. "Se não fosse essa lei", comenta o titular da CGU, "o Brasil levaria bomba" no exame a que será submetido pelo organismo no fim deste ano ou no início do próximo.

A lei brasileira tardou, mas não peca pela leniência. Estipula que "as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente no âmbito administrativo e civil pelos atos lesivos (...) praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não". O princípio jurídico da responsabilidade objetiva dispensa a comprovação de que empresários e prepostos tiveram a intenção de cometer as fraudes pelas quais as respectivas firmas viriam a ser processadas.

Eis por que a presidente vetou - entre outras "flexibilizações" introduzidas no texto original pela bancada do PMDB na Câmara - o parágrafo segundo o qual só seriam punidas as empresas depois de caracterizada a culpa ou o.dolo dos autores dos delitos apurados. Não há de ser coincidência que uma das provisões da vexaminosa "minirreforma eleitoral" pronta para ser votada na Câmara, comentada neste espaço ontem, exija prova do envolvimento pessoal do candidato com violações das regras eleitorais para favorecê-lo.

Dilma vetou também o benevolente parágrafo acrescido pelos peemedebistas que limitaria a multa imposta à empresa inidônea ao valor total do bem ou serviço contratado com a área pública. A pena ficará entre 0,1% e 20% do faturamento bruto da companhia no ano anterior ao da instauração do processo. Se não for possível definir esse montante, a multa poderá alcançar R$ 60 milhões. Também essa emenda revela a mentalidade que produziu o acintoso pacote eleitoral. Nele, a multa por doações a partidos e candidatos além do teto estabelecido equivalerá, no máximo, ao valor desembolsado, em vez de até 10 vezes isso, como atualmente.

Outra bondade vetada pretendia condicionar as sanções às empresas ao papel dos servidores públicos envolvidos: elas seriam tanto menores quanto maior fosse a contribuição dos corrompidos para a fraude. A lei define como práticas passíveis de penas civis e administrativas a oferta de vantagem indevida a funcionário público ou a pessoas de suas relações, formação de cartéis para burlar licitações e criação de empresas de fachada para simular concorrência. As empresas acusadas que cooperarem com as investigações terão benefícios equiparáveis à delação premiada na esfera criminal - seus bens não serão bloqueados, as suas atividades não serão suspensas e pagarão apenas 1/3 das multas aplicadas às cúmplices.

Atualmente, o pior que pode acontecer a uma empresa corruptora é a sanção administrativa de ser declarada inidônea, ficando assim impedida de participar de licitações. Pela nova lei, ela poderá ser privada de receber incentivos fiscais, doações ou empréstimos de órgãos públicos por até cinco anos. Isso, se não for interditada ou ter a sua razão social dissolvida compulsoriamente. E todas entrarão para o time dos "fichas-sujas" - o Cadastro Nacional de Empresas Punidas.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Caricatura de bispo

Por Cândido Portinari


1931

Shake that devil



SHAKE!

"Parceiros" em crise

Do Correio Braziliense

Governo americano e congressistas dos dois partidos protestam contra a Rússia por conceder asilo temporário ao ex-agente que revelou o rastreamento da internet. Barack Obama ameaça suspender encontro com Vladimir Putin e coloca a relação bilateral "em avaliação"
Renata Tranches

Ignorando a pressão americana, a Rússia concedeu ontem asilo temporário de um ano ao ex-consultor de inteligência Edward Snowden e abriu uma crise com os Estados Unidos, em uma reedição das tramas de espionagem que marcaram a histórica rivalidade entre os dois países durante a Guerra Fria, na segunda metade do século 20. O governo americano disse estar “muito decepcionado” e ameaçou rever a cúpula bilateral programada para as vésperas da reunião do G20, em setembro. No Congresso, políticos democratas e da oposição republicana criticaram duramente a decisão de Moscou. Pivô do escândalo que expôs o esquema de espionagem dos serviços secretos americanos sobre telefonia e internet, Snowden deixou a zona de trânsito de um aeroporto da capital russa depois de 39 dias confinado.

A concessão do asilo tirou do limbo jurídico o homem que vazou milhares de documentos sobre programas de espionagem americana mundo afora. O advogado Anatoli Kutcherena surpreendeu ao anunciar que seu cliente havia deixado o aeroporto de Sheremetyevo com um “documento que prova que recebeu asilo na Rússia por um ano”. O papel expira em 31 de julho de 2014. Considerado fugitivo pela Justiça americana, Snowden está em um “lugar seguro”, porém confidencial. Em declarações divulgadas pelo site WikiLeaks, o ex-colaborador da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA afirmou que a administração Obama “não demonstrou respeito algum pelas leis internacionais, mas, no fim das contas, a lei venceu”. “Agradeço à Rússia por ter me concedido o asilo”, disse.

Mas, se o clima em Moscou era de comemoração, Washington foi varrida por uma onda de indignação. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, afirmou que o governo está “extremamente decepcionado” com a decisão da Rússia. Ela foi tomada, segundo Carney, mesmo depois “dos pedidos claros e legais, em público e em particular, para que Snowden fosse expulso para os EUA, a fim de responder às acusações que pesam contra ele”. O próprio Obama chegou a telefonar para Putin e pedir a deportação do fugitivo. O encontro dos dois presidentes, que deveria acontecer em setembro, antes da cúpula do G20, está sob avaliação, segundo o porta-voz americano.

As reações foram duras também de parte dos congressistas, tanto partidários do governo como da oposição. O democrata Robert Menendez, presidente da Comissão de Relações Exteriores no Senado, classificou a decisão de Moscou como “um golpe para as relações entre russos e americanos”. O colega de bancada Charles Schumer, que representa Nova York, afirmou que a Rússia “nos apunhalou pelas costas”. O líder presidente da Câmara dos Deputados, o republicano John Boehner, disse esperar que Obama e Putin encontrem uma solução “satisfatória para o povo americano”. O mais enérgico foi o senador republicano John McCain, veterano da Guerra do Vietnã e candidato derrotado à Casa Branca em 2009. “A ação da Rússia, hoje, é uma desgraça e um esforço deliberado para constranger os EUA”, protestou.

 Abusos
Ex-embaixador americano em Moscou, o professor da Universidade Estadual do Kansas Dale Herspring considerou que a concessão de asilo a Snowdew deve ter um “impacto muito negativo” para as relações entre as duas potências. “No fim das contas, os russos sabem que só existe uma ação capaz de resolver esse problema, que é mandá-lo de volta”, disse Herspring, em entrevista ao Correio. Depois da chegada de Snowden à Rússia, Putin disse repetidas vezes que o ex-agente americano não foi convidado pelo governo. Mesmo assim, ponderou, não poderia expulsá-lo, uma vez que não havia cometido nenhum crime em solo russo. Putin também afirmou que, se quisesse ficar no país, o ex-colaborador da NSA deveria comprometer-se a não fazer mais revelações capazes de prejudicar os “parceiros americanos”.

O que torna a situação ainda mais atípica, segundo Herspring, é o fato de o presidente russo ter “pouco respeito” pelo ex-consultor da NSA ou por aquilo que ele fez. “Para Putin, considerando seus tantos anos no serviço secreto soviético, Snowden é um traidor, que nunca deveria ter revelado os segredos de seu país”, avalia o ex-embaixador americano. Se Snowden abriu mão de sua vida nos EUA para denunciar a vigilância e os abusos de seu governo, opina Herspring, não vai demorar muito até que ele descubra que a Rússia “tem um histórico muito ruim de direitos humanos”. “Espere até ele estar propriamente na Rússia e descobrir o que é um controle de verdade”, opinou o veterano diplomata. Snowden pediu asilo a mais de 20 países, mas muitos rejeitaram, inclusive o Brasil. Nicarágua, Venezuela e Bolívia se disseram dispostos a recebê-lo.

Em meio ao enredo diplomático, o governo Obama enfrenta a pressão interna com os questionamentos no Congresso sobre o programa de vigilância das telecomunicações dentro dos EUA. Um dia depois de altos funcionários da área de inteligência prestarem esclarecimentos no Senado, o presidente reuniu-se ontem com um grupo bipartidário de parlamentares, na Casa Branca. Em 24 de julho, a Câmara rejeitou, em votação apertada, uma proposta de emenda que teria cortado verbas do programa.

 “Denunciante” ou “traidor”?
A maioria dos americanos considera Edward Snowden um “denunciante”, e não um “traidor”, de acordo com uma pesquisa da Universidade Quinnipiac. Quase 55% dos entrevistados acreditam que o jovem é um “delator”, enquanto 34% acreditam que ele traiu seu país. Cerca de 11% disseram estar indecisos. “A maioria tem uma imagem positiva de Snowden, mas isso foi antes que ele obtivesse asilo político na Rússia”, indicou Peter Brown, diretor assistente do instituto de pesquisas da Quinnipiac.

 Embaixadas sob alerta
Os Estados Unidos fecharão um número não especificado de embaixadas, neste domingo, devido a temores sobre questões de segurança. A porta-voz do Departamento de Estado, Marie Harf, afirmou que, depois de domingo, o governo avaliará as opções, sem especificar o tipo de ameaça ou quais representações serão fechadas. A decisão foi tomada “por precaução e para salvaguardar os nossos funcionários e outras pessoas que possam estar em nossas instalações”. Os EUA aumentaram suas medidas de segurança desde o ataque ao consulado em Benghazi, na Líbia, em 11 setembro de 2012, que terminou com a morte do embaixador Chris Stevens.

Violência sexual: Dilma rejeita pressão religiosa e sanciona lei

No SUS, vítimas de estupro vão ter acesso à pílula do dia seguinte
Catarina Alencastro e Luiza Damé, de O Globo

A presidente Dilma Rousseff sancionou integralmente a lei que regulamenta o atendimento pelo serviço público de saúde a vítimas de estupro, garantindo o acesso delas à pílula do dia seguinte. Junto com a sanção, a presidente encaminhou ao Congresso um projeto que altera dois artigos da lei, deixando clara a forma pela qual o SUS fará a interrupção da gravidez, e determinando que qualquer pessoa que tenha sofrido violência sexual tem direito ao atendimento.

O governo ficou numa saia justa para não desagradar ao Congresso, vetando o texto aprovado por unanimidade pelos parlamentares, mas também sem se indispor com os religiosos, setor que fez grande pressão pelo veto do projeto. Com o envio do novo projeto, Dilma dá o recado de que seu governo não está regulamentando o aborto, e sim autorizando a prevenção de uma gravidez causada por um crime sexual, ao ofertar a pílula do dia seguinte até 72 horas após o estupro.

- Já se começa uma campanha para dizer que o projeto abre brechas para o aborto. O que nós temos a dizer é que o projeto, além de prestar o apoio humanitário essencial para a mulher que foi vítima de uma tortura - porque todo estupro é forma de tortura -, permite que ela não passe por um segundo sofrimento, que é a prática do aborto legal, porque ela pode praticar aborto se ela conceber - explicou o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, principal interlocutor do governo com a Igreja Católica e demais setores religiosos.

A nova lei torna obrigatória regra que já constava de portaria do Ministério da Saúde, em vigor desde 2008. O atendimento a vítimas de violência deve incluir o diagnóstico e tratamento de lesões, a realização de exames para detectar doenças sexualmente transmissíveis e gravidez. Além da pílula do dia seguinte, serão administradas drogas para tratar Doenças Sexualmente Transmissíveis.

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que o projeto transforma em lei o que já é uma política estabelecida em portaria. Ele ressaltou que desde que a portaria passou a vigorar, o número de abortos legais caiu para metade, de 3.600 para 1.200 (de 2008 a 2012).

Um dos problemas identificados pelo governo no texto sancionado foi a falta de clareza no conceito de violência sexual, que poderia excluir vítimas de estupro, como crianças, homens e doentes mentais. Outra preocupação expressa no projeto enviado ao Congresso é a de retirar a conotação abortiva que a polêmica expressão "profilaxia da gravidez". A retirada desse termo era reivindicada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

- O projeto que estamos enviando ao Congresso e a regulamentação feita fecham as portas para qualquer interpretação de que o projeto tenha qualquer aspecto abortivo - disse Gilberto Carvalho.

Também presente ao anúncio do governo, a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, disse que a lei é um sinal de respeito do governo com as mulheres. Segundo Padilha, com a sanção da lei todas as UPAs, postos de saúde e hospitais do SUS têm que dar o atendimento a quem sofreu estupro, mas a chamada "objeção de consciência" está resguardada: médicos e enfermeiros que não acharem certo ministrar a pílula do dia seguinte poderão se negar a fazê-lo.

O deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), que preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, reagiu no Twitter pedindo que seus seguidores não votem na presidente em 2014: "Sabendo que não será reeleita, não está nem aí pra esses religiosos retrógrados, afinal quem somos nós se não uma pedra no sapato do progresso. Agradeço a todos que lutaram, oraram, rezaram e se mobilizaram. Convido-os a se lembrarem desse episódio em 2014, nas urnas. PT nunca mais!"

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Hannah Arendt, How It Looks to Think


Por A. O. Scott, do New York Times

My only real problem with “Hannah Arendt” is that it’s not a mini-series. Arendt was a writer of long books and a maker of complex arguments, so the two hours of Margarethe von Trotta’s ardent and intelligent film about her are bound to feel somewhat superficial. And the movie, even as it answers a hunger for engagement with the life of an extraordinary mind, may also awaken an appetite for more. Arendt’s work, a heady amalgam of philosophy, history, journalism and political theory, does not easily align with the academic fashions of the moment.

We may need her example more than ever. It’s probably too much to hope that Ms. von Trotta and her star, Barbara Sukowa, will do for Arendt what Nora Ephron and Meryl Streep did for Julia Child, but surely a fellow can dream. And in a manner not altogether dissimilar to the way “Julie & Julia” mastered the art of French cooking, “Hannah Arendt” conveys the glamour, charisma and difficulty of a certain kind of German thought. Ms. Sukowa, compact and energetic and not overly concerned with impersonation, captures Arendt’s fearsome cerebral power, as well as her warmth and, above all, the essential, unappeasable curiosity that drove her.

Contemplating one of the great lives of the 20th century — Arendt was born in Germany in 1906 and died in New York in 1975, and she was an eyewitness to many of the central follies and catastrophes of the age — Ms. von Trotta concentrates on two exemplary and controversial episodes. The first is Arendt’s coverage of the trial of Adolf Eichmann and the furor that followed the publication of her reporting, first as a series of articles in The New Yorker and then as the book “Eichmann in Jerusalem.” The second, presented in slightly awkward flashbacks, is Arendt’s relationship with the German philosopher Martin Heidegger, her teacher and lover, who publicly joined the Nazi Party in 1933 and never publicly repented after the war.

Heidegger, played by Klaus Pohl, and Eichmann, represented in real clips from his 1961 trial, are contrasting embodiments of the “dark time,” as Arendt calls it, that shadows every aspect of her life. Though she and her husband, Heinrich Blücher (Axel Milberg), live in relative ease in 1960s Manhattan — their work teaching and writing blending seamlessly with a leisure of contentious cocktail parties and discreet adultery on his part — the trauma of the Holocaust is never far away. In Eichmann’s trial, following his seizure by Israeli operatives in Argentina, Arendt, an assimilated German Jew and a Zionist in her youth, sees an opportunity to stare in the face the horrors she had explored in “The Origins of Totalitarianism.”

The face she saw, famously, was a mask of bureaucratic blandness, summed up by her phrase “the banality of evil.” Her description of Eichmann as a thoughtless, bloodless functionary rather than a monster led to accusations that she was defending him, just as her discussion of the role of Jewish leaders in the destruction of their communities provoked charges of victim blaming. The reaction to “Eichmann in Jerusalem” was harsh and relentless, and Ms. von Trotta shows how it extended from the public realm of learned journalism into Arendt’s personal life, costing her several longstanding friendships.

Her staunchest ally was Mary McCarthy, played with winning verve and appropriate venom by Janet McTeer. In addition to writing “The Hue and Cry,” an essay published in Partisan Review skewering Arendt’s critics, McCarthy rallies Arendt’s morale and coaches her in the martial arts of defense and counterattack. Their friendship (immortalized in a splendid volume of letters that has clearly served as one of Ms. von Trotta’s sources) is a fascinating study in cultural and temperamental contrast, an impulsive and witty American paired with a steady, phlegmatic German.

Not that “Hannah Arendt,” though ultimately a celebration of seriousness, is grim or plodding. On the contrary, the movie turns ideas into the best kind of entertainment. There is an undeniable nostalgic thrill in stepping into an era in New York when philosophers lived in apartments with Hudson River views, and smoking was permitted even in college lecture halls, especially if you are someone for whom the summit of early-’60s Manhattan magic is not Madison Avenue or Macdougal Street but Riverside Drive. But it would be a mistake to file this film with all the other rose-colored midcentury costume dramas.

From her earliest involvement with the politically determined, formally radical New German Film of the 1970s, Ms. von Trotta has been interested in history as an active current in the present. This is perhaps most vivid in “Rosa Luxemburg” (1986), in which Ms. Sukowa played that early-20th-century writer and militant as a thoroughly modern spirit, passionate and skeptical.

Arendt is a more challenging cinematic portrait. Her outwardly bookish existence challenges the ancient distinction between active and contemplative ways of living, but the work of thinking is notoriously difficult to show. In this case, it looks a lot like smoking, with intervals of typing, pacing or staring at the ceiling from a daybed in the study.

Still, I would not hesitate to describe “Hannah Arendt” as an action movie, though of a more than usually dialectical type. Its climax, in which Arendt defends herself against critics, matches some of the great courtroom scenes in cinema and provides a stirring reminder that the labor of figuring out the world is necessary, difficult and sometimes genuinely heroic.

Hannah Arendt

Directed by Margarethe von Trotta; written by Pamela Katz and Ms. von Trotta; director of photography, Caroline Champetier; edited by Bettina Böhler; produced by Bettina Brokemper and Johannes Rexin; released by Zeitgeist Films. At Film Forum, 209 West Houston Street, west of Avenue of the Americas, South Village. In English and German, with English subtitles. Running time: 1 hour 53 minutes. This film is not rated.

WITH: Barbara Sukowa (Hannah Arendt), Axel Milberg (Heinrich Blücher), Klaus Pohl (Martin Heidegger), Janet McTeer (Mary McCarthy), Julia Jentsch (Lotte Köhler), Ulrich Noethen (Hans Jonas) and Michael Degen (Kurt Blumenfeld).

Another World



Black blocs e generalizações

Texto publicado com o título "Herança maldita" na Folha de São Paulo, hoje, avalia que o crescimento da estratégia "black bloc" (fala-se em em estratégia justamente distinguindo-a de movimentos sociais) representa o lado negativo dos protestos brasileiros. Essa discussão está em curso e, a meu ver, não há precisão e muito menos isenção jornalística, até agora, capaz de qualificar melhor as informações publicadas até aqui. Em si mesma, essa estratégia contém um problema: qualquer sujeito sob máscara, atuando num protesto pode encontrar "guarida" no rótulo em questão, mesmo que suas intenções não guardem qualquer relação com a suposta ideologia anti-globalização da estratégia "black bloc". Ainda assim, mesmo com essa caracterização que favorece o não entendimento, há erros perfeitamente possíveis de serem evitados por parte da imprensa. Refiro-me a erros como o do artigo da Folha, no qual a manifestação contra o oligopólio da imprensa em São Paulo no dia 11 de julho é associada ao "black bloc". Se houve algum tipo de adesão, por parte de "black blocs" a este protesto, é algo a se questionar e não afirmar inadvertidamente. O protesto que ocorreu na zonal sul de São Paulo e dirigiu-se à frente da TV Globo foi organizado e convocado por coletivos de ativistas pela democratização da mídia, os quais atuam publicamente, defendem esta pauta há anos, tem presença reconhecida nas redes sociais, ou seja, diferem-se dos emergentes "black blocs". 
É necessário haver cuidado e seriedade para que não se passe a usar o rótulo "black bloc" para (des)qualificar toda e qualquer manifestação que não seja do agrado de certos grupos de interesses político-econômicos.
Na sequência, o texto da Folha.

Herança Maldita
por Alan Gripp

SÃO PAULO - O roteiro é manjado. O protesto, seja lá contra o que for, começa pacífico até que um grupo mascarado, como se atendesse a um comando único, toma a frente da marcha e começa a quebrar tudo o que surge pela frente.

"Chegaram os black blocs'", costuma-se ouvir entre os manifestantes, num tom que mistura medo e um certo glamour da violência.

O "black bloc", na verdade, não é um movimento, e sim uma estratégia de protesto anarquista. Seus adeptos cobrem o rosto e se vestem de preto para dificultar a identificação e a fim de parecer uma massa única, criando uma aura revolucionária.

Esse método apareceu nos protestos antiglobalização no fim da década de 1990. Símbolos capitalistas são os alvos preferidos, mas a versão tupiniquim tem especial atração por semáforos, radares, cabines da PM e outros equipamentos públicos.

Por aqui, seus adeptos deram as caras nos primeiros atos pela redução da tarifa de ônibus, em São Paulo. De lá para cá, entretanto, muita coisa mudou. Os "black blocs", especialmente paulistas e cariocas, crescem em progressão geométrica, estão sempre preparados para a guerra e já organizam as suas pró- prias manifestações.

Anteontem, na avenida Rebouças, portavam martelos e marretas, usados para quebrar agências bancárias e carros de luxo de uma loja.

Há três semanas, num ato contra a TV Globo, usaram laptops e projetores para exibir mensagens gigantes nas fachadas de prédios.

Nesse mesmo dia, em "assembleia" assistida pela Folha, discutiram táticas para escapar da polícia, entre elas hospedar sites em servidores da Rússia ou de Taiwan, "impossíveis de derrubar".

As "vozes das ruas" produziram conquistas inegáveis. A principal delas foi dar à classe política a sensação de estar sendo constantemente vigiada. Nesse balanço, porém, pode-se dizer que os "black blocs" são a herança maldita dos protestos.