No SUS, vítimas de estupro vão ter acesso à pílula do dia seguinte
Catarina Alencastro e Luiza Damé, de O Globo
A presidente Dilma Rousseff sancionou integralmente a lei que regulamenta o atendimento pelo serviço público de saúde a vítimas de estupro, garantindo o acesso delas à pílula do dia seguinte. Junto com a sanção, a presidente encaminhou ao Congresso um projeto que altera dois artigos da lei, deixando clara a forma pela qual o SUS fará a interrupção da gravidez, e determinando que qualquer pessoa que tenha sofrido violência sexual tem direito ao atendimento.
O governo ficou numa saia justa para não desagradar ao Congresso, vetando o texto aprovado por unanimidade pelos parlamentares, mas também sem se indispor com os religiosos, setor que fez grande pressão pelo veto do projeto. Com o envio do novo projeto, Dilma dá o recado de que seu governo não está regulamentando o aborto, e sim autorizando a prevenção de uma gravidez causada por um crime sexual, ao ofertar a pílula do dia seguinte até 72 horas após o estupro.
- Já se começa uma campanha para dizer que o projeto abre brechas para o aborto. O que nós temos a dizer é que o projeto, além de prestar o apoio humanitário essencial para a mulher que foi vítima de uma tortura - porque todo estupro é forma de tortura -, permite que ela não passe por um segundo sofrimento, que é a prática do aborto legal, porque ela pode praticar aborto se ela conceber - explicou o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, principal interlocutor do governo com a Igreja Católica e demais setores religiosos.
A nova lei torna obrigatória regra que já constava de portaria do Ministério da Saúde, em vigor desde 2008. O atendimento a vítimas de violência deve incluir o diagnóstico e tratamento de lesões, a realização de exames para detectar doenças sexualmente transmissíveis e gravidez. Além da pílula do dia seguinte, serão administradas drogas para tratar Doenças Sexualmente Transmissíveis.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que o projeto transforma em lei o que já é uma política estabelecida em portaria. Ele ressaltou que desde que a portaria passou a vigorar, o número de abortos legais caiu para metade, de 3.600 para 1.200 (de 2008 a 2012).
Um dos problemas identificados pelo governo no texto sancionado foi a falta de clareza no conceito de violência sexual, que poderia excluir vítimas de estupro, como crianças, homens e doentes mentais. Outra preocupação expressa no projeto enviado ao Congresso é a de retirar a conotação abortiva que a polêmica expressão "profilaxia da gravidez". A retirada desse termo era reivindicada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
- O projeto que estamos enviando ao Congresso e a regulamentação feita fecham as portas para qualquer interpretação de que o projeto tenha qualquer aspecto abortivo - disse Gilberto Carvalho.
Também presente ao anúncio do governo, a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, disse que a lei é um sinal de respeito do governo com as mulheres. Segundo Padilha, com a sanção da lei todas as UPAs, postos de saúde e hospitais do SUS têm que dar o atendimento a quem sofreu estupro, mas a chamada "objeção de consciência" está resguardada: médicos e enfermeiros que não acharem certo ministrar a pílula do dia seguinte poderão se negar a fazê-lo.
O deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), que preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, reagiu no Twitter pedindo que seus seguidores não votem na presidente em 2014: "Sabendo que não será reeleita, não está nem aí pra esses religiosos retrógrados, afinal quem somos nós se não uma pedra no sapato do progresso. Agradeço a todos que lutaram, oraram, rezaram e se mobilizaram. Convido-os a se lembrarem desse episódio em 2014, nas urnas. PT nunca mais!"
Nenhum comentário:
Postar um comentário