Texto publicado com o título "Herança maldita" na Folha de São Paulo, hoje, avalia que o crescimento da estratégia "black bloc" (fala-se em em estratégia justamente distinguindo-a de movimentos sociais) representa o lado negativo dos protestos brasileiros. Essa discussão está em curso e, a meu ver, não há precisão e muito menos isenção jornalística, até agora, capaz de qualificar melhor as informações publicadas até aqui. Em si mesma, essa estratégia contém um problema: qualquer sujeito sob máscara, atuando num protesto pode encontrar "guarida" no rótulo em questão, mesmo que suas intenções não guardem qualquer relação com a suposta ideologia anti-globalização da estratégia "black bloc". Ainda assim, mesmo com essa caracterização que favorece o não entendimento, há erros perfeitamente possíveis de serem evitados por parte da imprensa. Refiro-me a erros como o do artigo da Folha, no qual a manifestação contra o oligopólio da imprensa em São Paulo no dia 11 de julho é associada ao "black bloc". Se houve algum tipo de adesão, por parte de "black blocs" a este protesto, é algo a se questionar e não afirmar inadvertidamente. O protesto que ocorreu na zonal sul de São Paulo e dirigiu-se à frente da TV Globo foi organizado e convocado por coletivos de ativistas pela democratização da mídia, os quais atuam publicamente, defendem esta pauta há anos, tem presença reconhecida nas redes sociais, ou seja, diferem-se dos emergentes "black blocs".
É necessário haver cuidado e seriedade para que não se passe a usar o rótulo "black bloc" para (des)qualificar toda e qualquer manifestação que não seja do agrado de certos grupos de interesses político-econômicos.
Na sequência, o texto da Folha.
Herança Maldita
por Alan Gripp
SÃO PAULO - O roteiro é manjado. O protesto, seja lá contra o que for, começa pacífico até que um grupo mascarado, como se atendesse a um comando único, toma a frente da marcha e começa a quebrar tudo o que surge pela frente.
"Chegaram os black blocs'", costuma-se ouvir entre os manifestantes, num tom que mistura medo e um certo glamour da violência.
O "black bloc", na verdade, não é um movimento, e sim uma estratégia de protesto anarquista. Seus adeptos cobrem o rosto e se vestem de preto para dificultar a identificação e a fim de parecer uma massa única, criando uma aura revolucionária.
Esse método apareceu nos protestos antiglobalização no fim da década de 1990. Símbolos capitalistas são os alvos preferidos, mas a versão tupiniquim tem especial atração por semáforos, radares, cabines da PM e outros equipamentos públicos.
Por aqui, seus adeptos deram as caras nos primeiros atos pela redução da tarifa de ônibus, em São Paulo. De lá para cá, entretanto, muita coisa mudou. Os "black blocs", especialmente paulistas e cariocas, crescem em progressão geométrica, estão sempre preparados para a guerra e já organizam as suas pró- prias manifestações.
Anteontem, na avenida Rebouças, portavam martelos e marretas, usados para quebrar agências bancárias e carros de luxo de uma loja.
Há três semanas, num ato contra a TV Globo, usaram laptops e projetores para exibir mensagens gigantes nas fachadas de prédios.
Nesse mesmo dia, em "assembleia" assistida pela Folha, discutiram táticas para escapar da polícia, entre elas hospedar sites em servidores da Rússia ou de Taiwan, "impossíveis de derrubar".
As "vozes das ruas" produziram conquistas inegáveis. A principal delas foi dar à classe política a sensação de estar sendo constantemente vigiada. Nesse balanço, porém, pode-se dizer que os "black blocs" são a herança maldita dos protestos.
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