Texto raro de se ler no editorial do Estadão, reconhecendo as iniciativas anticorrupção da presidenta Dilma Rousseff:
No combate à corrupção, o Brasil acaba de entrar para o rol das nações sérias. A presidente Dilma Rousseff sancionou lei sem precedentes, que pune empresas envolvidas em fraudes com o dinheiro público. De iniciativa do Planalto, por sugestão da Controladoria-Geral da União (CGU), chefiada pelo ministro Jorge Hage, o projeto tramitou lentamente na Câmara dos Deputados até ser aprovado no Senado pouco antes do recesso.
Transformada em lei, a proposta tira dos homens de negócio e executivos corruptores o conforto de saber que, tenham feito o que fizessem e mesmo se condenados por seus ilícitos, como fraudar licitações ou subornar agentes públicos, o patrimônio das suas empresas permaneceria intacto. Afinal, a legislação não previa, nessa esfera, nenhuma punição para pessoas jurídicas. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo, de há muito que elas também pagam pelas lambanças dos seus dirigentes.
É, de resto, o padrão adotado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o chamado "clube dos ricos", que reúne mais de 30 nações comprometidas com a democracia representativa e a economia de mercado. "Se não fosse essa lei", comenta o titular da CGU, "o Brasil levaria bomba" no exame a que será submetido pelo organismo no fim deste ano ou no início do próximo.
A lei brasileira tardou, mas não peca pela leniência. Estipula que "as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente no âmbito administrativo e civil pelos atos lesivos (...) praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não". O princípio jurídico da responsabilidade objetiva dispensa a comprovação de que empresários e prepostos tiveram a intenção de cometer as fraudes pelas quais as respectivas firmas viriam a ser processadas.
Eis por que a presidente vetou - entre outras "flexibilizações" introduzidas no texto original pela bancada do PMDB na Câmara - o parágrafo segundo o qual só seriam punidas as empresas depois de caracterizada a culpa ou o.dolo dos autores dos delitos apurados. Não há de ser coincidência que uma das provisões da vexaminosa "minirreforma eleitoral" pronta para ser votada na Câmara, comentada neste espaço ontem, exija prova do envolvimento pessoal do candidato com violações das regras eleitorais para favorecê-lo.
Dilma vetou também o benevolente parágrafo acrescido pelos peemedebistas que limitaria a multa imposta à empresa inidônea ao valor total do bem ou serviço contratado com a área pública. A pena ficará entre 0,1% e 20% do faturamento bruto da companhia no ano anterior ao da instauração do processo. Se não for possível definir esse montante, a multa poderá alcançar R$ 60 milhões. Também essa emenda revela a mentalidade que produziu o acintoso pacote eleitoral. Nele, a multa por doações a partidos e candidatos além do teto estabelecido equivalerá, no máximo, ao valor desembolsado, em vez de até 10 vezes isso, como atualmente.
Outra bondade vetada pretendia condicionar as sanções às empresas ao papel dos servidores públicos envolvidos: elas seriam tanto menores quanto maior fosse a contribuição dos corrompidos para a fraude. A lei define como práticas passíveis de penas civis e administrativas a oferta de vantagem indevida a funcionário público ou a pessoas de suas relações, formação de cartéis para burlar licitações e criação de empresas de fachada para simular concorrência. As empresas acusadas que cooperarem com as investigações terão benefícios equiparáveis à delação premiada na esfera criminal - seus bens não serão bloqueados, as suas atividades não serão suspensas e pagarão apenas 1/3 das multas aplicadas às cúmplices.
Atualmente, o pior que pode acontecer a uma empresa corruptora é a sanção administrativa de ser declarada inidônea, ficando assim impedida de participar de licitações. Pela nova lei, ela poderá ser privada de receber incentivos fiscais, doações ou empréstimos de órgãos públicos por até cinco anos. Isso, se não for interditada ou ter a sua razão social dissolvida compulsoriamente. E todas entrarão para o time dos "fichas-sujas" - o Cadastro Nacional de Empresas Punidas.
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