quinta-feira, 13 de junho de 2013

Nós e o mundo

      Um artigo interessante que sintetiza a discussão principal de um seminário (Repensando a Política Macroeconômica) realizado pelo FMI. Estariam chegando a um novo consenso: que a inflação não deve ser a única meta dos Bancos Centrais e que a taxa básica de juros não é o único instrumento. De acordo com o debate, os BCs devem levar em conta o nível de atividade econômica e a estabilidade financeira. Coisa parecida com o que o BC, no período Dilma, vem fazendo. Com a atual crise, até o FMI se vê impelido a rever o receituário que pregou ao menos nas duas últimas décadas. No Brasil, talvez pelo complexo de vira-lata, o fato de o BC ter adotado essa nova direção antes do endosso do Fundo foi (e ainda é) tratado como suprema heresia: teríamos abandonado o compromisso com a estabilidade, o BC teria perdido a suposta autonomia. Desfazer a armadilha do Crescimento versus Inflação parece tarefa impossível até mesmo para a presidente da república, economista de formação.

      
      Dilma parece ter recuado de qualquer tentativa de explicitar publicamente o sentido e a fundamentação da política econômica de seu governo. Após uma fala mal interpretada a respeito do assunto, passou a dizer que não se manifestará mais para que suas palavras não sejam deturpadas. Temos uma presidenta economista, cujas pessoas próximas atestam ser alguém muito inteligente, mas que, de uns tempos pra cá, deu para se manifestar somente sobre amenidades: o programa Sai de Baixo, os velhos personagens de Jô Soares. É certo que o consenso, no Brasil, está muito conformado e ainda distante desse novo consenso do FMI. O resultado é que o governo só demonstra desenvoltura quando se trata de agir de acordo com o velho consenso. Quando inova, age com o máximo silêncio possível. 
      Poderíamos ter nos orgulhado de ter estado à frente das mentes que lapidam o pensamento econômico do FMI. Mas não. O que há é inibição pública! Ah, esse complexo de vira-lata...


Muitos são aqueles que vêm argumentando que, nos últimos dois ou três anos, o tripé de política macroeconômica estabelecido no Brasil em 1999 teria sido ferido letalmente ou até abandonado.


O câmbio já não é mais flutuante (ao menos para baixo), o superávit primário foi reduzido e o Banco Central já não segue estritamente o seu mandato, que é o de manter a inflação de acordo com as metas (passando a perseguir, alternativamente, metas de crescimento, de taxa de juros e de taxa de câmbio).

No Brasil, esse caloroso debate parece estar completamente desconectado das discussões de altíssimo nível que vêm sendo feitas mundo afora. Um exemplo é o seminário Rethinking Macroeconomic Policy 2, realizado pelo FMI em Washington há poucas semanas, contando com a presença de economistas como Olivier Blanchard, Joseph Stiglitz e Michael Woodford,
dentre outros.

O debate lá fora tem convergido em direção à necessidade de aprimorar o arcabouço de política macroeconômica adotado em boa parte dos países antes da crise.

Ele era consubstanciado no binômio "uma meta (inflação), um instrumento (taxa básica de juros)", utilizado sob a crença de que manter a inflação baixa e estável era condição necessária e suficiente para alcançar a estabilidade macroeconômica no seu sentido mais amplo.

A crise de 2008/09 jogou um balde de água fria nessa crença. Há cada vez mais consenso de que os Bancos Centrais não devem perseguir apenas uma meta (inflação), mas também se preocupar explicitamente com a atividade econômica e com a estabilidade financeira.

Para isso, lançariam mão de outros instrumentos além da taxa básica de juros, como medidas macroprudenciais e relaxamentos quantitativos/compras de ativos.

Isso não quer dizer que o sistema de metas de inflação deve ser abandonado. Mas é preciso levar em consideração outras metas, associadas a variáveis que afetam a inflação de bens e serviços e também a estabilidade financeira (como, por exemplo, os preços de ativos reais e financeiros) -sem, contudo, deixar de zelar pela transparência e accountability típicos do sistema de metas.

No caso da política cambial, dada a elevada volatilidade dos fluxos de capitais e o potencial desestabilizador que correções bruscas na taxa de câmbio podem gerar sobre a economia, o novo consenso tem apontado que os BCs não podem mais considerar a taxa de câmbio apenas como um mero canal de transmissão da política monetária para a inflação.

A recomendação é adotar, seletivamente, alguns tipos de controles de capitais e evitar desvios muitos sistemáticos do preço desse ativo em relação aos seus fundamentos de médio e longo prazo.

Na seara fiscal, o debate vem reforçando a necessidade de manter as relações entre a dívida e o PIB bem distantes do limiar crítico de 90% do PIB. Endividamentos próximos ou abaixo de 40% parecem ser seguros, ao manter um bom espaço para acomodar eventuais momentos de recessão mais severa e prolongada.

Ou seja, mais importante do que o tamanho do superavit primário e/ou do deficit nominal é o nível e a trajetória do endividamento.

Apesar de todo esse debate lá fora -que já vem moldando as políticas econômicas em vários países, inclusive no Brasil-, ainda há muitos que insistem em pensar com a mesma cabeça de cinco ou dez anos atrás.

Como disse John Maynard Keynes, criador da macroeconomia (hoje reencarnado em Paul Krugman): "A verdadeira dificuldade não está em aceitar novas ideias, mas escapar das antigas".

Muitos defensores das ideias antigas, como o próprio Blanchard e John Williamson (tido como um dos pais do chamado "Consenso de Washington" -conjunto de recomendações bastante liberais que moldou boa parte das políticas macroeconômicas até a eclosão da crise), vêm mudando suas cabeças, ao menos parcialmente.

No Brasil, falta perceber que o momento atual é bem diferente da época em que se achava que vivíamos na "grande moderação", quando se avaliava que políticas relativamente simples (e muito elegantes, conceitualmente) eram suficientes para resolver boa parte dos problemas macroeconômicos. Infelizmente, a realidade é muito mais complexa e feia do que muitos gostariam.

BRÁULIO BORGES é economista-chefe da LCA Consultores

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