segunda-feira, 29 de abril de 2013

Para além do "Fala, Dilma!"



      A presidenta Dilma Rousseff precisa melhorar a comunicação de seu governo. Há dois anos, quando iniciou seu mandato, esta parecia ser uma questão relacionada à diferença de estilo pessoal entre Dilma e Lula: enquanto o ex-presidente falava à vontade e abusava de improvisos, principalmente em seu segundo mandato, a nova mandatária, além de se dedicar mais ao trabalho interno necessário ao início de governo, não se via tão à vontade para exibir seus dotes como oradora. Passado este tempo, ficou claro que o problema não é apenas uma diferença pessoal de estilos.
      Os grandes veículos de imprensa brasileiros dedicam especial atenção a este aspecto dos governos, uma atenção que se renovou após o governo do presidente Lula. Logo após a posse de Dilma, um texto do caderno editorial da Folha de São Paulo avaliava o significado daquele momento: o diagnóstico era que Lula falava demais e com isso ocupou um espaço que a própria imprensa não conseguiu ocupar. Ou seja: Lula teria conseguido se comunicar diretamente com a sociedade, especialmente com aquela parcela da sociedade que apoiava seu governo. Daí porque, com o argumento de que as oposições estavam enfraquecidas e não cumpriam bem o seu papel, a grande imprensa brasileira optou por manter uma crítica de viés oposicionista ao governo petista, com direito a comentários raivosos sobre os erros de português e as metáforas do presidente Lula. Com a posse de Dilma, avaliava o mencionado editorial, a imprensa via aberta a oportunidade de resgatar o seu papel: assumir a frente na formação da opinião pública. Dilma, que viu pesar sobre si o fardo da comparação com o carisma de Lula, necessariamente falaria menos que seu antecessor.
      De certa forma, isso aconteceu. Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, reconheceu em entrevista sobre os dez anos de governo petista que não há uma capacidade ampla de contrapor leituras da realidade, comentando a narrativa que afirma ser o PT o partido mais corrupto de nossa história. A posição de Dilma sobre liberdade de imprensa é inequívoca e é correta. É significativo que a representante de uma geração que viu sua posição política tornar-se clandestina afirme seu repúdio ao silêncio das ditaduras. Isso não deveria se traduzir numa atuação tímida ou mesmo na inércia do governo no campo da comunicação.
      De fato, a geração de Dilma não teve a oportunidade de se formar falando abertamente todo e qualquer discurso político. Falavam apenas entre os pares e, mesmo assim, de forma muito cifrada e contida. Dilma chegou mesmo a expor o quão doloroso pode ser o contexto de uma fala no dia em que o senador Agripino rememorou as mentiras que ela havia contado aos torturadores. Mas Dilma tornou-se presidenta da República. Isso significa que, mais do que outros que passaram pela mesma experiência de clandestinidade, ela não pode se dar ao luxo de ser inibida diante da obrigação de falar.
      O assunto não é trivial. Os críticos de Dilma estão sempre atentos aos discursos da presidenta. Ao lançar seu plano de erradicação da pobreza, Dilma preparou um discurso no qual pontuou a importância do tema e, visivelmente alegre com a ocasião, afirmou que, como presidenta, não poderia se dar ao luxo de ser refém do medo ou da timidez. No dia seguinte, algum grande jornal afirmaria que esta foi uma fala pueril para uma presidente da República. Ao lançar o programa “Viver Sem Limite”, ela disse que aquele era “um momento que valia a pena ser presidenta”. Na posse de Marcelo Crivela, Dilma referiu-se ao “fardo de governar”. Nenhuma dessas falas passou desapercebida pela imprensa: notaram nisso um certo desgosto de Dilma com os infortúnios do cargo.
      Em suma, cada vez que Dilma ensaia aparecer entabulando um discurso que, afinal, exponha sua personalidade, ela recebe uma rajada de críticas. Alguns observadores consideram que a imprensa, agora, iniciou uma nova fase: os ataques pessoais e a tentativa de desqualificar Dilma. A revista Época sugeriu à presidenta que falasse menos. Por outro lado, na blogosfera, é possível ver com frequência o seguinte apelo: “Fala, Dilma!”. Muitos analistas compartilham a percepção de que o governo toma decisões importantes sem conseguir explicá-las à sociedade. Houve quem se surpreendesse positivamente com o pronunciamento em rede nacional sobre a redução das tarifas de energia elétrica: Dilma fez uma fala firme, bem pontuada, não deixando de responder aos boatos que já ameaçavam serem tomados como verdadeiros. O resultado foi impressionante: a oposição manifestou publicamente sua insatisfação até mesmo com a cor da roupa usada: o terninho vermelho teria sido uma alusão imperdoável ao partido da presidenta.
      Apesar de eficaz, o tal pronunciamento, na verdade, chegou tarde. A imprensa vinha divulgando há meses um possível risco de apagão sem apresentar fundamentos. Chegaram a publicar que uma reunião ordinária do Ministério de Minas e Energia, prevista com grande antecedência, era uma reunião de emergência. A imprensa atuou contra o país, mais do que contra o governo. Diante dos chamados gargalos de infraestrutura, há um esforço coordenado pelo governo de atrair investimentos estrangeiros para o setor. Os investidores orientam-se por expectativas e pelo contexto de maior ou menor confiança. Os efeitos de um “risco de apagão” circulando como se fosse verdadeiro não é uma notícia neutra e imparcial numa situação como essa.
      Mas é na política econômica que o governo Dilma talvez menos comunique-se bem. Há uma orientação na política macroeconômica no sentido de induzir o crescimento sustentado, entendendo aí a importância da indústria local e dos investimentos. Há uma política clara de desoneração do setor produtivo. Toda uma retórica sobre inovação e agregação de valor. Há uma preocupação em criar condições de infraestrutura também para dar surporte à competitividade do país. E, sobretudo, uma coordenação bem sucedida de mudança no patamar da taxa básica de juros que regula a economia. Como disse uma vez o jornalista Jânio de Freitas, pode-se criticar este pacote, mas há que reconhecer nele uma coerência. O problema é que, uma vez realizado este esforço, o governo parece esperar que este reconhecimento se dê espontaneamente ou por uma súbita boa vontade da grande imprensa. Isso não vai acontecer. Quem só espera, nunca alcança, sugeria Chico Buaque em seu “Bom Conselho”.
      A conquista de um novo patamar da taxa de juro é noticiada diariamente como se significasse leniência do governo com a volta da inflação. Que a inflação tenha várias causas e que uma delas seja justamente a necessidade de elevação do nível de investimentos e da capacidade de oferta da economia, pouco se fala quando a discussão passa a coincidir com a agenda eleitoral da oposição. Sem dúvida, os recursos que o governo deixa de arrecadar com o conjunto de desonerações não estiveram desde sempre à disposição. Recentemente, um ministro de Dilma disse que a economia do governo com o pagamento de juros da dívida pública foi de aproximadamente 170 bilhões de reais em 2012. Ou seja: o governo não goza de uma situação confortável. A elevação da taxa de juros tem um coro a seu favor, engrossado por aqueles que ganham financeiramente com ela e também pelos que querem ganhar politicamente. Apesar disso, tal elevação é apresentada como o único remédio para a inflação. O governo sabe que juros mais baixos são duplamente úteis: liberam recursos do próprio governo para o investimento e fazem com com que o capital privado busque alternativas mais lucrativas que o rentismo. Ou melhor: faz com que o rentismo deixe de ser a alternativa mais lucrativa para o capital privado. Entretanto, não comunica isso de forma ampla e sistemática.
      De nada adianta a presidenta simplesmente indignar-se com a manipulação de suas declarações sobre inflação. Se essa indignação vier seguida de um recuo, será ainda pior. E isso tem muito a ver com a questão da comunicação. É curioso, a esse respeito, ouvir as declarações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso num documentário que conta parte de sua trajetória política. A uma certa altura, FHC comenta sua ida para o Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco. Ele fala do Programa de Ação Imediata, que se desdobraria no Plano Real, e que tinha como objetivo o combate à inflação. Até aqui, nenhuma novidade. O curioso é o reconhecimento por parte de FHC que seu mérito foi essencialmente político. Ele contou com uma equipe de economistas que ele levou ao ministério e que tiveram a tarefa de desenvolver o plano. FHC diz que sua função foi importante pelo seguinte: os economistas têm ideias brilhantes, mas titubeiam na hora de colocá-las em prática, esperando que todas as variáveis estejam a favor. Seu papel foi explicar ao país, falar diariamente nas emissoras de rádio e televisão o sentido do programa. Ou seja, mais do que um grande mentor do Plano Real, FHC foi responsável por fornecer um discurso, justamente essa função que tantos, agora, queixam-se de faltar ao governo da presidenta Dilma.
      Ao longo destes dois anos, diversas críticas ao governo têm este ponto em comum: o governo se comunica pouco e, muitas vezes, se comunica mal. A comunicação afeta tanto a esfera estritamente política de um governo, quanto efeitos na economia e na sociedade. E não é uma questão de preferência: numa sociedade de massa a preocupação com a relação entre comunicação e opinião pública não é secundária. A Secretaria de Comunicação Social da Presidencia da República, hoje chefiada pela jornalista Helena Chagas, é responsável justamente por esta área do governo.
      Helena Chagas tem sua carreira ligada a grandes empresas de comunicação, tendo trabalhado no jornal O Globo e no SBT. Isoladamente, isso não representaria um problema para a comunicação do governo. Mas Dilma precisa de mais que uma gestão profissional a frente da comunicação. Como profissional, Helena Chagas parece ter sido uma jornalista que seguia estritamente a pauta colocada por seus patrões. Pesquisando um pouco, é possível encontrar sua participação no programa Roda Viva que entrevistou José Dirceu no auge das acusações do “mensalão” (a transcrição do programa encontra-se no site da FAPESP: http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/146/entrevistados/jose_dirceu_2005.htm ). Ela foi uma das entrevistadoras mais atuantes a inquirir Dirceu. Em nenhuma questão, qualquer vestígio de independência. A presidência da República precisa ter uma comunicação capaz de formular uma comunicação própria, autônoma, de interesse público e não simplesmente ficar a reboque da pauta que interessa ao oligopólio da imprensa.
      Nas coletivas de imprensa, por exemplo, Helena Chagas atua como bombeira, tentando apagar qualquer sinal de incêndio entre Dilma e os jornalstas. Em coletivas mal organizadas, na qual os jornalistas assediam a presidenta de forma desordenada, ouvimos sempre a voz da ministra dizendo “agora ela tem que ir embora, gente, tchau e obrigada”. Em meio ao falatório sobre a volta da inflação, Dilma foi novamente questionada sobre inflação depois da tal fala manipulada. A ministra tentou pôr fim à entrevista. Dilma, irritada, cortou a ministra: “Não, não tem de dar tchau. O Brasil não flerta com a inflação...”. Está registrado para quem quiser ver e ouvir. Ficou a impressão de que a presidenta não trabalha em sintonia com sua própria equipe de comunicação. Orientar a presidenta a recuar, dizer tchar e mandar beijinhos, é pouco, é muito pouco para alguém que coordena a comunicação social. Embora recuar, neste campo, certas vezes, possa ser útil, há que se encontrar a melhor forma de avançar. Se Dilma não se sai bem em coletivas relâmpago, que se organize outro formato. Em entrevistas que exigem apresentação pessoal e dos veículos, os jornalistas tendem a elaborar melhor as questões, diminuindo o tiroteio de perguntas simultâneas e anônimas que deixam a presidenta acuada. Dilma deveria considerar a possibilidade de não apenas chamar o jornalista Franklin Martins para uma conversa esporádica, mas sim realizar uma troca de comando da SECOM.
      Dirigir-se a todos os brasileiros é uma prerrogativa de um governo democraticamente eleito. Não é uma escolha. E tampouco deve depender apenas da capacidade pessoal da presidente.



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