quarta-feira, 29 de maio de 2013

Vestido de saia

Republico aqui uma reportagem de Marcelo Pellegrini, de Carta Capital. Ele relata como tentou levar com naturalidade um dia vestindo saia. Naturalidade dele, mas reações de incômodo e estranhamento, ainda, da parte dos outros.


Quinta-feira, 16 de maio. Um dia de trabalho como outro qualquer, a não ser pelo fato de eu ter decidido ir trabalhar de saia. Tomei a decisão em apoio ao estudante de moda da USP Vitor Pereira, que sofreu preconceitos nas redes sociais devido à sua forma de se vestir.

Cheguei ao ponto de ônibus às 9h30 e já tinha superado o desconforto inicial da saia longa trançando nas pernas. Da cintura para cima, vestia uma camisa social listrada branca e preta; da cintura para baixo uma saia azul clara meio hippie, que peguei emprestado de minha namorada e alcança meus tornozelos. O ponto é o mesmo de todos os dias, o ônibus também, assim como o trajeto. As reações, contudo, foram desde moradores passeando com cachorros me olhando de soslaio, até motoqueiros entortando o pescoço para confirmar se estavam enxergando bem. Para a maioria, parecia não fazer sentido um homem barbudo de camisa social e saia azul no ponto de ônibus.

De segunda a sexta, vou de ônibus ao trabalho. Por conta disso, conheço e cumprimento pelo menos uns cinco motoristas diferentes, todos da mesma linha. Hoje, não foi diferente. Enquanto subia no ônibus soltei um 'bom dia' habitual ao motorista. Ele titubeou em responder. No fim, meio que obrigado, soltou um resmungo incompreensível.


Segui até a catraca. O cobrador, interessado em algo no celular, também não me cumprimentou. Agi com naturalidade o tempo todo. Fiquei em pé, com as pernas afastadas, enquanto esperava um lugar para sentar. Todas as 30 pessoas do ônibus me olhavam. Algumas descaradas, outras furtivamente.

O ritual das pessoas no ônibus - das que iam entrando, inclusive - seguia o mesmo roteiro: ao ver a camisa, um olhar indiferente; ao ver a saia, me mediam de cima a baixo, ao menos duas vezes. Democraticamente, todos me encaravam, de senhores bem idosos a  jovens com grandes fones de ouvido e piercings.

A certa altura, vaga um lugar. Sento ao lado de um homem dos seus 40 anos. A reação dele foi automática: cruzou os braços e diminuiu ao máximo o espaço de contato comigo. Irrequieto, não sabia onde colocar as mãos e, de repente, puxa assunto: "O trânsito está ruim hoje, né?". Respondi que estava ruim mesmo, mas que era por causa do horário. Imediatamente, meu vizinho de banco relaxou e não parou mais de falar sobre o trânsito.

Naquele momento percebi que usar saia automaticamente me caracterizava como uma espécie de aberração social. Eu vestia um rótulo. 

Depois que o ônibus todo, com atenção, ouviu minha conversa desimportante, o ambiente ficou mais leve. Na avenida Paulista, na altura do MASP, desci para caminhar as duas quadras de sempre até o trabalho. No caminho, uma senhora cutucou o marido para me olhar e homens limpavam a garganta e estufavam o peito ao meu lado, enquanto esperavam o farol de pedestres abrir.

Apesar do desconforto dos olhares de estranheza, tudo ia bem. Até que, ao atravessar a última rua, um perueiro gritou com um sorriso escancarado e assobiou: "e aí, gostosa?! fiu fiu". Não retribui a cantada e, indiferente, subi as escadas e entrei no prédio onde fica a redação de CartaCapital.


Cheguei à minha mesa com a impressão de que a saia é uma peça bastante confortável. E não me senti nem mais nem menos homem por causa dela.

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