segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Entrevista de Guido Mantega... à Veja

O ministro da Fazenda reconhece que a alta nos preços reduziu a confiança na economia, declara intolerância ao mal inflacionário e diz que agirá para destravar investimentos. "A inflação é a pior coisa"
Giuliano Guandalini

Guido Mantega é um dos poucos integrantes do primeiro escalão que se mantêm no governo desde 2003, quando o PT assumiu o poder. Foi ministro do Planejamento e presidente do BNDES, até ser nomeado, em março de 2006, para a Fazenda, depois da queda de Antonio Palocci. Seu temperamento contemporizador e sua fidelidade, tanto ao ex-presidente Lula como à presidente Dilma Rousseff, asseguraram a ele uma longevidade rara na Esplanada dos Ministérios. Mantega, de 64 anos, está à frente do programa federal de concessões de obras de infra-estrutura dado como prioridade no governo Dilma neste ano. Ele tem andado ocupado, discutindo com a presidente detalhes da apresentação que o governo brasileiro fará a investidores chineses de projetos de construção de ferrovias no Brasil. O ministro recebeu VEJA em seu gabinete, em Brasília, e manteve-se fiel a sua marca registrada de fama internacional, o otimismo: "Não posso dizer que cresceremos 1,5% e dizer que está bom. Nossa meta é buscar uma taxa de crescimento de 5%.”


Em 2011, o Ministério da Fazenda trabalhava com a expectativa de crescimento médio superior a 5% para os quatro anos do governo Dilma Rousseff. A realidade, no entanto, é que o ritmo de avanço do PIB não será muito superior a 2%, nesse período. O que explica essa reversão de expectativas?

Nossa perspectiva, naquele momento, decorria do resultado obtido nos anos anteriores. De 2006 a 2010, crescemos 4,5% ao ano em média. Foium ritmo superior ao de países como o Chile, por exemplo. A verdade é quesaímos muito bem da crise de 2008 e 2009. Além disso, a percepção geral nomundo era que o pior da crise internacional havia sido superado, o que abria boas perspectivas para o Brasil. O país colhia resultados favoráveis, com aumento dos investimentos e do consumo. Havia um otimismo realista no ar. Em 2011 no entanto, começamos o ano com pressões inflacionárias. Tivemos de tomar medidas para controlar a inflação. Ainda assim, a taxa ficou em 6.5% naquele ano. no limite superior da meta inflacionária. A pior coisa que existe para o Brasil é a inflação, e por isso decidimos fazer um ajuste em 2011. mesmo ao custo de reduzir o crescimento. Se tivéssemos deixado de agir, a economia teria crescido muito mais que os 2,7% registrados. Imaginamos que haveria uma reação a partir de 2012. Acabamos, no entanto, surpreendidos com o agravamento da crise europeia. O panorama mudou.


Como o governo reagiu a essa nova crise?

A crise obriga os países a fazer reformas. Foi o que fizemos. Implantamos uma política para dar mais competitividade à indústria, reduzindo alguns dos principais custos das empresas. Em primeiro lugar, o custo financeiro, diminuindo as taxas de juros dos bancos públicos. Fizemos também um ajuste cambial. Com o excesso de dólares nos mercados internacionais, o Brasil despontava como um destino atraente para esses recursos. Estávamos numa situação delicada, com o real extremamente valorizado. O dólar chegou a ser cotado a 1.60 real. Colocamos o câmbio em um novo patamar, tornando a indústria nacional mais competitiva. Se não tivéssemos feito isso, intervindo no câmbio, uma parte da indústria teria perecido. As empresas não suportariam o boom de importações. Fomos inundados por importações. A importação de carros estava crescendo ao ritmo de 30% ao ano. Começamos também a reduzir tributos. Com esse conjunto de medidas, buscamos preparar o Brasil para ser mais competitivo no pós-crise.


Com a resistência da inflação, contudo, não deveria ter sido feito um ajuste mais duro, tanto nas contas públicas como na taxa básica de juros, a Selic?

Foi exatamente isso que fizemos em 2011, aumentando o custo do crédito e contraindo o consumo. Foi duríssimo. Mas, com a crise europeia, foi o momento de voltar a diminuir os juros. Todo mundo fez isso. Na seqüência, tivemos de lidar com pressões inflacionárias advindas de quebras de safras internacionais. Não existe pressão inflacionária originada no consumo, como muitos dizem. Pelo contrário. O ritmo de crescimento nas vendas do comércio está em queda. As pressões inflacionárias não vieram do aumento do consumo interno. Elas vieram da quebra de safras agrícolas em diversos países, além da pressão exercida pela valorização do dólar. Entramos em 2013 com a inflação mais elevada. Felizmente, a inflação no preço dos alimentos, a mais forte, perdeu intensidade. Hoje os dados mostram que a inflação brasileira já está recuando para um patamar mais confortável.


Diversos indicadores revelam queda da confiança dos brasileiros, tanto entre consumidores como entre empresários. Por quê?

 O consumidor, de fato, sentiu os efeitos do aumento da inflação e também as restrições ao crédito. Para as pessoas de baixa renda, o aumento dos alimentos teve um peso importante. Mas os indicadores mais recentes mostram que a confiança começa a ser restabelecida. Além disso, há um impacto dos humores externos. A alta do dólar sempre causa preocupação. No que diz respeito aos investidores externos, a confiança no Brasil permanece alta, apesar de algumas análises em contrário. Fechamos o primeiro semestre com mais de 30 bilhões de dólares em investimentos estrangeiros diretos, recursos destinados ao setor produtivo. Foi um número superior ao registrado em igual período do ano passado. Se isso não é confiança, eu não sei o que é. Não acredito que os investidores tenham um instinto suicida. Eles estão vindo porque têm confiança. O Brasil foi, no ano passado, o terceiro principal destino de investimentos diretos, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.


Diferentes analistas, externos e internos, veem uma perda de credibilidade na condução da economia brasileria, em decorrência de fatorescomo o aumento na inflação e também de incertezas com relação ao resultado das finanças públicas...

O governo jamais deixará a inflação sair do controle, mesmo que isso signifique reduzir a taxa de crescimento. Com relação ao resultado fiscal, o superávit primário foi reduzido porque consideramos necessário edesejável conceder desonerações, ou seja, redução de impostos, principalmente para os investimentos. Sem essas desonerações, a meta fiscal seria cumprida tranquilamente. Fazemos uma política anticíclica. Quando a economia desacelera, estimulamos a economia, reduzindo impostos. A chamada “contabilidade criativa", muito criticada, é como capitalizamos o BNDES, ou como emprestamos dinheiro ao BNDES por meio de títulos públicos. Tudo isso está perfeitamente dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal. É absolutamente transparente. Temos um dos orçamentos mais transparentes do mundo. Começamos com essa política em 2009, quando houve um travamento dos financiamentos ao investimento. Infelizmente, o setor privado não tem condições de fazer esses financiamentos. Adoraria que ele tivesse. Colocamos 100 bilhões de reais no BNDES nos últimos anos. Sem isso, os investimentos das empresas não teriam se recuperado. É uma balela dizer que demos incentivos apenas ao consumo e não aos investimentos. Os investimentos estavam crescendo acima do PIB. Mas, quando veio a crise, os investimentos se retraíram.


O BNDES receberá novos aportes?

Vamos continuar colocando dinheiro no BNDES, ainda que em ritmo menor. Os bancos privados começam a entrar no financiamento de longo prazo, e com o tempo isso deverá diminuir o papel do BNDES.


O Banco Central afirmou em ata recente que o governo tem mantido uma política fiscal expansionista. Para auxiliar no combate à inflação e evitar uma alta ainda elevada nos juros, o correto não seria apertar o orçamento público?

Neste momento a política fiscal é neutra, ela não é expansionista. Nossos gastos estão contidos. Ela foi expansionista em 2012, porque o PIB estava crescendo menos. Mas foi expansionista sobretudo com desonerações. Neste ano deverão ser 50 bilhões de reais. Pergunte ao empresariado se é desejável que o governo interrompa as desonerações.


Para conter a alta maior da inflação, o governo decidiu evitar repasses do aumento do custo do petróleo para os preços dos combustíveis. A Petrobras amarga grandes prejuízos com essa política. Não é um contrassenso?

Se analisarmos os últimos cinco ou seis anos, os preços dos combustíveis ficaram acima dos preços internacionais na maior parte do tempo. A Petrobras tem uma política de não conceder reajustes automáticos, conforme as oscilações internacionais. Ela trabalha com uma média. No passado, os preços ficavam mais tempo acima que abaixo das médias internacionais. Ela estava guardando caixa, podemos dizer. Neste momento de inflação mais aguda, todo mundo precisa colaborar.


A taxa de investimentos do país, medida em relação ao tamanho da economia, é muito baixa. O que falta para destravar os investimentos?

Em primeiro lugar, os investimentos públicos em infraestrutura vêm crescendo, talvez menos do que gostaríamos. Não é fácil elevar o investimento, eu reconheço. O limite atual não é de recursos, mas de projetos. No passado, não havia recursos. Agora o problema passou a ser de falta de projetos benfeitos para ser executados. Por isso somos totalmente favoráveis à participação privada nos investimentos. É essa parceria que elevará a taxa de investimentos. É o que vamos fazer com as concessões. Serão licitados, ainda neste ano, 7 500 quilômetros de rodovias.


Essas licitações já deveriam ter sido feitas e foram adiadas. Agora é para valer?

Em abril, quando as licitações seriam lançadas, houve resistência dos investidores porque, de fato. a rentabilidade oferecida nos projetos estava muito baixa. Os estudos eram antigos, a rentabilidade não chegava a 5%. A pedido da presidente Dilma, atualizamos todos os cálculos. Posso dizer que o setor privado, agora, está satisfeito. As rodovias terão uma taxa de rentabilidade excelente, que deverá ser de 7.2% ao ano. Considerando os financiamentos dos bancos públicos, chega-se a uma rentabilidade de 15% em termos reais. Existem poucos casos no mundo de rendimento como esse. Teremos concorrência. A nossa prioridade hoje são os investimentos em infraestrurura, porque temos um gargalo em todo o país, decorrente de vários anos sem investimentos apropriados. Essa é uma grande oportunidade para os próximos anos.


O senhor costuma ser criticado por esbanjar otimismo em previsões que, mais tarde, não se confirmam. Isso não reduz a credibilidade da política econômica?

São metas para as quais precisamos trabalhar. Precisamos nos colocar desafios. Não posso dizer que cresceremos 1.5% e dizer que está bom. Nossa meta é buscar uma taxa de crescimento de 5% com aumento dos investimentos da infraestrutura e manutenção do nível de emprego, permitindo uma alta sustentável na oferta de crédito. Eu estabeleço metas e desafios a ser alcançados, não apenas para o setor público, mas também para o setor privado. Agora, não podemos nos esquecer de que sofremos com a pior crise da história do capitalismo em oitenta anos. Nós a estamos atravessando muito bem. Não me lembro de termos enfrentado uma crise dessas, no passado, mantendo a taxa de desemprego em patamares tão baixos como os atuais.


Muito se fala da sua eventual saída do ministério. Há algum fundo de verdade nesses boatos?

Nesse longo período em que aqui estou, já houve ocasiões em que alguns lançaram esses boatos, e todos se verificaram infundados. Da mesma forma que no passado, assim o são hoje. É normal. Quando começou o governo Dilma, dizia-se que eu não era escolha dela, e sim do Lula, e eu poderia sair na primeira revisão ministerial. Isso nunca aconteceu.


Na semana passada, VEJA trouxe uma reportagem sobre uma conspiração do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, para tirá-lo do ministério. O senhor teve conhecimento dessa conspiração?

Fiquei perplexo ao ler a matéria, e não acredito que o meu colega Aloizio Mercadante, que conheço há mais de trinta anos, pudesse ter arquitetado algo que desestabilizaria o governo.

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